Opinião

…E as crianças, senhor?*

Rosário Pinto Correia, Católica Lisbon School of Business and Economics

Escrevemos, dizemos, acreditamos. E tentamos viver com a máxima esperança de que, de facto, um dia, vai ficar tudo bem. Mas o esperado e não desejado regresso da força desta pandemia mina de forma dissimulada, mas decidida esta nossa esperança, esta confiança que a todo o custo queremos ter num futuro em que fique tudo bem.

Muito se tem falado sobre a falta de trabalho que assola muitos de nós (e a consequente falta de recursos para fazer face aos mínimos necessários para sobreviver de forma digna), bem como sobre a preocupação com a sustentabilidade de muitas das empresas (micro, pequenas, medias e até grandes) decorrente da quebra de atividade sentida.

E muitas medidas têm sido sugeridas – e apresentadas, debatidas, aplaudidas, rejeitadas, … – para combater esta falta de recursos materiais que certamente nos vão assolar.

Hoje escrevo sobre um outro nível de preocupação, que me tem estado latente ao longo de toda esta pandemia, e que agora, no reinício do ano letivo, se torna absolutamente presente e preocupante – O QUE ACONTECE DENTRO DAS CABEÇAS DE TODOS, MAS SOBRETUDO DOS MAIS JOVENS!

A anormalidade do que vivemos não pode deixar de afetar a cabeça de todos nós, com intensidades e manifestações diferentes.
Vivemos uma quebra brusca de uma vida feita de convívios entre pessoas, que overnight se transformou num mundo digital, em que todos viramos marretas nos camarotes quadrados em que o zoom nos arruma. Fomos obrigados a transformar os nossos processos de compra, com alteração da forma como vamos ao supermercado ou farmácia para os mais corajosos, ou o recurso ao mercado online para a maioria de nós.
Vimos os nossos filhos e os nossos amigos com funções de ensino a entrar abruptamente num esquema de ensino a distância, com todos os desafios que daí decorreram – nomeadamente as condições físicas para o poder fazer com um mínimo de condições.

E ficamos fechados em casa, todos juntos, 24h por dia, 7 dias por semana. Sem os escapes ou a distância que nos permitiam viver em harmonia através do equilibro que todos tínhamos estabelecido nas nossas casas.

Nós somos crescidos.
Já temos alguma experiência de vida e já vivemos outras crises.
E estamos afetados.
Agora pensemos nos mais jovens.

Com um empurrão brusco para fora do que era a sua vida. Impedidos de estar com os amigos.
Proibidos de brincar nos intervalos.
Com a cara tapada como se salteadores fossem.
Constantemente impelidos a manter a distância dos outros.
Obrigados a viver com medo.
E tudo isto por um inimigo de que nos falam, mas que não se vê.

É impossível que não lhes faça mal.
É impossível que não se sintam sem chão.
É impossível que não lhes fiquem marcas.
E o que podemos nós fazer para que, para eles, as consequências sejam as menores possíveis?

Antes de mais, não ignorar.
Ter consciência e reconhecer o que se passa.
Alunos universitários que dizem aos professores “Tinha saudades das aulas…”.
Crianças que dizem aos pais “Hoje os meninos da outra sala foram para casa por causa do vírus”.
Jovens que se veem privados de estar com os seus amigos, de viajar como e quando querem.
Todos proibidos de se aproximarem dos avós ou de outros incluídos em grupos de risco.
Todos de alguma forma fechados, limitados, travados .. e ensinados a não se aproximarem das outras pessoas.
São estes os nossos filhos!

E depois atuar.
Falar sobre o assunto, entre nós em privado e em fóruns públicos.
Procurar formas de minimizar os danos.
Tentar, por todos os meios, transmitir sempre a ideia de que a vida assim não é normal (não, não quero aceitar que seja este o novo normal, desculpem-me!).
Que teremos, mais cedo ou mais tarde, a liberdade que agora nos foi retirada.
Que os grupos nos recreios que não se podem misturar vão acabar.
Que vamos voltar a estar todos juntos nas salas de aula.
Que os beijos e os abraços não acabaram para sempre.

Porque, quando tudo isto acabar, eles vão estar connosco a viver de novo com a alegria que estes tempos nos retiraram!
Temos, nós e eles, de acreditar nisto e disso retirar forças para ultrapassar estes dias.

*(Balada da Neve, Augusto Gil)

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Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia é Founder e CEO da Experienced Management e regente da disciplina de Marketing in The New Era (licenciatura em Business Management) na CLSBE. Coordena, ainda, três programas de Executive Education - PGV - Programa de Gestão de Vendas, EI - Estratégias de Internacionalização e CE – Comunicação Estratégica, e é responsável pelo desenvolvimento de atividades da Executive Education da CATÓLICA-LISBON no Brasil e na Ásia. Licenciada em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade Católica Portuguesa,... Ler Mais..

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