Opinião
Desta vez será igual
Crises financeiras são um fenómeno recorrente na economia moderna. Segundo a base de dados do FMI, nos 50 anos de 1970 a 2019, verificaram-se nos países desenvolvidos um total de 77 colapsos e mais 784 (!) no resto do mundo. Apesar dessa frequência, a maioria das pessoas ainda é apanhada desprevenida e grande parte desses episódios constitui surpresa generalizada.
Muito da explicação do paradoxo encontra-se na síndrome “Desta vez é diferente”, consideradas as quatro palavras mais destruidoras do sistema pecuniário. Quando surgem sinais anómalos na valorização de ativos, é comum achar-se que elas, na presente situação, são perfeitamente justificadas, graças às novidades revolucionárias. Afinal, estamos num mundo novo. Deste modo, ao rebentar a “bolha”, como invariavelmente acontece, são sempre muitas as vítimas.
De facto, o elemento mais significativo da maior parte das derrocadas é uma mudança tecnológica que promete transformar toda a realidade. Foi assim com a via-férrea e a eletricidade no final do século XIX, a aviação nos anos 1930, os computadores nos anos 1950, a internet na viragem do milénio. Em todos estes casos, as mudanças foram bem reais e espantosas; apesar disso, a euforia exagerou os efeitos e, antes destes normalizarem, surgiu o colapso.
Atualmente, a economia mundial, e sobretudo a norte-americana, está a viver um claro período de ebulição financeira, que prenuncia grave desfecho. Os sintomas são bastante evidentes; só que, mais uma vez, estão a ser ignorados, com a convicção segura que desta vez as coisas serão … eh … diferentes. Ninguém duvida que, agora sim, estamos mesmo num mundo novo. Infelizmente, como em todos os casos anteriores, por muito novo que o mundo seja, nós ficamos na mesma. Vale a pena listar os indicadores que a euforia esconde.
Neste campo, o que se passa de momento é muito mais avassalador, pois são várias as transformações espantosas que se juntaram para nos assolar: inteligência artificial (IA), fintech, criptoativos, carros elétricos, drones, biotecnologia, nanotecnologia, etc. Qualquer uma destas inovações promete um mundo novo e suscita enormes investimentos. Pior, com medo de ficar para trás, os gigantes da área envolvem-se numa corrida, com a certeza de que o vencedor dominará tudo. Essa competição é evidente receita para o desastre, criando muitos derrotados e com os potenciais benefícios baseados em miragens. Na verdade, mesmo que todas essas esperanças se cumpram, será difícil monetizar os ganhos, para mais em tempo útil.
Os sinais financeiros são também evidentes. A capitalização bolsista das empresas tecnológicas atinge valorizações que, não só são colossais, mas nunca poderão ser justificadas por lucros, ainda longínquos. Qualquer percalço, ou mesmo sucesso menos estrondoso, facilmente gerará um pânico que desabe em calamidade. Isso nada tira aos benefícios da tecnologia, como em todas as citadas atrás.
Talvez desta vez haja mesmo algo diferente, mas que infelizmente só aumenta o risco de crise. É que a atual administração norte-americana, em vez de moderar os entusiasmos, está ativamente a promovê-los, violando regras, desregulando a economia, anulando entidades de vigilância e chegando a envolver na especulação a própria família presidencial. Por outro lado, as reduções de impostos, conseguidas pela eliminação de apoios sociais, estimulam artificialmente a conjuntura e alimentam a euforia. Isto, enquanto se desmantela a solidez da economia real, com uma errática política de tarifas alfandegárias e feroz perseguição aos imigrantes, indispensáveis em vários setores.
O que é que vai acontecer? Ninguém sabe, por causa de um último paradoxo neste tema: as crises financeiras, apesar de terem sintomas bem visíveis, trazem também consigo uma grande nebulosidade no calendário. Como diz a famosa “lei” do grande economista alemão Rudiger Dornbush (1942–2002): “A crise demora muito mais tempo a desenvolver-se do que se imagina, e depois acontece muito mais depressa do que se pensaria.”








