Opinião

Desbloquear o potencial da inteligência artificial: oportunidades para líderes em saúde

Tiago Cunha Reis, docente universitário*

A inteligência artificial (IA) tem vindo a transformar inúmeros domínios, entre os quais a investigação clínica e translacional (ICT) em saúde. A aplicação de IA em fases como a investigação pré-clínica, clínica, implementação clínica e saúde pública revela um potencial significativo para revolucionar a medicina e ciências biomédicas.

Neste artigo destaco o impacto da IA na ICT, com um foco especial nos números que refletem a sua importância crescente, oportunidades e desafios que ainda enfrenta.

A investigação clínica e translacional é um campo onde a IA tem demonstrado um crescimento notável. Entre 2012 e 2023, o número de projetos de IA aumentou de forma constante, impulsionado por avanços em machine learning (ML) supervisionado e deep learning. Analisando os 2604 projetos financiados em centros CTSA (Clinical and Translational Science Award) conclui-se que os transtornos do sistema nervoso (16,3%) e mentais (16,2%) são os temas mais abordados, refletindo a ênfase em áreas de grande impacto social.

Os avanços na IA são impulsionados por financiamentos substanciais, com 49% dos projetos financiados pela ação governativa dos países. Esta tendência indica a confiança das instituições públicas no potencial da IA para melhorar os cuidados de saúde, esforço igualmente patente nas ações privadas que analisam os novos mercados e paradigmas da saúde. Em acréscimo, importa referir que a fase translacional, a qual foca a investigação clínica, constitui 40,2% dos projetos, demonstrando o esforço contínuo para integrar IA na prática clínica no imediato.

Os desafios enfrentados pela IA na ICT são complexos e multifacetados, mas certamente um conjunto de oportunidades para os líderes nos domínios da saúde. A criação de bases de dados extensas, precisas e desprovidas de vieses, é essencial para o desenvolvimento de modelos de ML eficazes. Por exemplo, é recentemente descrito na literatura que a aprovação clínica de uma solução de classificação de lesões cutâneas necessitou de um total de 130 000 imagem etiquetadas por operadores humanos, esforço complexo, e como tal, exigente em termos de investimento financeiro e temporal. Existe assim naturalmente, um obstáculo real às novas soluções. Do ponto de vista da liderança devemos compreender o seguinte: melhores e mais dados suportam soluções melhores e mais competitivas.

Contudo, a implementação clínica da IA também enfrenta outras barreiras, especialmente no que diz respeito à integração nos fluxos de trabalho existentes e à aceitação por parte dos profissionais de saúde. Uma solução vencedora será aquela que pós certificação, integra-se sem resistência nos processos existentes, com um carácter de funcionalidade simples. Vejamos então: o estado-da-arte estima que são os clínicos os principais utilizadores das novas soluções, ocupando uma percentagem de 45% de todos os utilizadores possíveis dos ecossistemas de cuidados de saúde.

Os fracassos na implementação da IA muitas vezes resultam da falta de validações significativas e da complexidade dos desafios regulatórios e éticos. A privacidade dos dados e a transparência dos algoritmos são questões críticas que necessitam de soluções inovadoras para garantir a confiança dos utilizadores. A título de exemplo, a FDA aprovou apenas 691 dispositivos médicos baseados em IA/ML até outubro de 2023, com um aumento significativo nas aprovações anuais desde 2016. Em 2023, apenas 15% dos dispositivos aprovados foram aceites através do processo de Premarket Approval. A radiologia domina com 77% das aprovações, seguida por cardiologia com 10%, destacando-se estas como áreas de inovação concentrada. A taxa de recall é atualmente cerca de 5% dos dispositivos aprovados.

Sem qualquer dúvida, a IA tem um potencial transformador para a investigação clínica e translacional. No entanto, a sua aplicação bem-sucedida depende de uma abordagem colaborativa que envolva capacidade de liderança, metodologistas e especialistas clínicos. Os líderes em saúde têm um papel vital na promoção e implementação destas tecnologias, assegurando que a revolução da IA na medicina seja segura, eficaz e benéfica para todos.

*Docente universitário, doutorado em Bioengenharia e aluno de Medicina


Tiago Cunha Reis, Ph.D., é doutorado em Sistemas de Bioengenharia pelo programa MIT-Portugal, tendo desenvolvido o seu doutoramento no Hammond Lab (MIT, EUA). Com foco nas necessidades de translação médica, o então engenheiro é agora aluno de Medicina. Reconhecido por sua paixão pela humanização da tecnologia em saúde e por melhorar ferramentas de diagnóstico e prognóstico, Tiago Cunha Reis possui um amplo histórico de prémios, publicações e nomeações internacionais em sociedades científicas europeias. Fomentador de conhecimento aplicado, fundou uma start-up focada em sensores e inteligência artificial, a qual expandiu internacionalmente antes de ser adquirida no final de 2022.

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