Opinião

Depois da decisão, não há volta ao mesmo lugar

Sónia Jerónimo, CEO Modern Art Studio | Contemporary Art

Janeiro é o mês das decisões reavaliadas em silêncio. O entusiasmo do “novo começo” começa a dissipar-se e sobra aquilo que realmente importa: a capacidade de sustentar o que foi decidido quando a excitação passa e a realidade se impõe.

É neste momento — e não no dia da decisão — que a liderança é verdadeiramente testada. Tomar a decisão é apenas o início. O que raramente se discute é o que acontece depois.

Depois do movimento.
Depois do corte.
Depois de atravessar um ponto sem retorno.

A liderança não se revela no momento da decisão — revela-se na capacidade de sustentar o que vem a seguir.
E é aí que muitos recuam.
A parte que ninguém romantiza.

Existe uma narrativa confortável sobre mudanças radicais: coragem, libertação, autenticidade. Tudo isso existe. Mas vem acompanhado de algo menos publicável: solidão estratégica.

Depois de sair de um cargo corporativo de mais de 30 anos para me tornar artista, descobri algo essencial: a decisão liberta, mas também retira o espelho social.

Não há pares óbvios.
Não há benchmark claro.
Não há validação imediata.

O silêncio aumenta. E com ele, a tentação de voltar atrás.

Liderar sem plateia

No mundo corporativo, mesmo os conflitos têm audiência. Há reuniões, feedback, métricas, opiniões. Isso cria atrito — mas também cria presença. Fora desse sistema, a liderança torna-se silenciosa.

Ninguém aplaude a consistência.
Ninguém valida o processo interno.
Ninguém mede o esforço invisível.

É neste ponto que a maioria das pessoas confunde desconforto com erro.

Não é.
É apenas ausência de ruído.

A tentação de negociar consigo mesma

Depois da decisão, surge a fase mais perigosa: a renegociação interna.

“Talvez eu possa voltar, mas de forma diferente.”
“Talvez tenha sido cedo demais.”
“Talvez seja mais prudente esperar um pouco.”

Esses pensamentos não são sinal de lucidez.
São sinal de que o sistema antigo ainda tenta recuperar controlo.

A liderança madura não consiste em não duvidar.
Consiste em não reabrir decisões estruturais em momentos de fragilidade.

Coerência exige energia

Uma verdade pouco dita: manter coerência cansa mais do que decidir.
Decidir é um ato. Sustentar é um processo.

Como artista, aprendi que a coerência diária — produzir sem garantias, expor sem aplauso imediato, continuar sem confirmação externa — exige a mesma energia que liderar uma organização em crescimento.

A diferença é que agora não há distrações. Não há reuniões para diluir a dúvida. Não há urgências externas para mascarar o essencial.

Há apenas a pergunta central: vou continuar?

O que fica quando o título desaparece

Quando o título desaparece, três coisas ficam claras muito rapidamente:

  1. Quem liderava por identidade continua. Quem liderava por função vacila.
  2. A autoridade real é interna, não delegável.
  3. O conforto do reconhecimento é substituído pela precisão do sentido.

Este é um teste que poucos fazem conscientemente. E que transforma profundamente quem o atravessa.

Liderança e tempo longo

Uma das maiores diferenças entre o mundo corporativo e a prática artística é a relação com o tempo.
Negócios premiam velocidade. A arte exige duração.
Esse contraste revela algo importante: nem toda a liderança é sobre escalar rápido. Algumas são sobre permanecer fiel ao processo até que ele ganhe forma. Num mundo obcecado por resultados imediatos, sustentar um caminho sem retorno rápido é um ato de resistência. E também de liderança.

O erro de confundir desconforto com fracasso

Vivemos num ecossistema profissional que patologiza o desconforto. Se dói, algo está errado. Se demora, falhou. Se não gera retorno imediato, é um erro.

Essa lógica é perigosa.

Algumas das decisões mais certas da minha vida vieram acompanhadas de longos períodos de incerteza. Não porque fossem más decisões, mas porque estavam à frente da validação. A liderança verdadeira frequentemente chega antes do aplauso.

O que aprendi depois de atravessar

Meses depois da decisão mais radical da minha vida, posso afirmar com clareza:

  • A dúvida não desaparece — muda de função
  • O medo não desaparece — perde autoridade
  • A confiança não explode — sedimenta
  • O sentido não se explica — sustenta

Esta é uma liderança menos visível, mas mais profunda. Menos performativa. Mais verdadeira.

Para quem está à beira

Escrevo este texto para líderes que já decidiram, mas ainda não sabem se conseguem sustentar. Para quem mudou de função, de setor, de identidade — e sente o peso do “depois”.

Não é suposto ser confortável. É suposto ser coerente.
Se está difícil, isso não invalida a decisão. Pode ser apenas o preço de não voltar atrás.

Conclusão

A primeira decisão exige coragem. As seguintes exigem caráter. Depois da decisão, não há volta ao mesmo lugar. Há apenas a escolha diária de continuar alinhado.
A liderança não termina quando o título acaba. Ela começa quando já não há armadura.
E é aí que se vê quem realmente lidera.

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Sónia Jerónimo

Sónia Jerónimo

Sónia Jerónimo é atualmente CEO Modern Art Studio | Contemporary Art. . Anteriormente foi Startup Builder EmpowHER®, cofundadora da GO IT Concept & Ambassador na Fábric@ Empreendedorismo do Município de Seia, foi Entrepreneur & Board Advisor e passou pela Winning, como COO e Board Advisory. Tem mais de 20 de experiência na área da gestão e liderança de empresas ligadas às tecnologias de informação. Após a licenciatura em Economia, iniciou a sua carreira no mundo académico como professora nas áreas... Ler Mais..

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