Opinião

Deixaram marca… em milhões

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Refiro-me a cinco personalidades que na Índia moderna captaram as necessidades da população e tentaram dar uma resposta.

Não vos falo da Santa Madre Teresa de Kolkota, nem do Mahatma Gandhi por serem bem conhecidos, dentro e fora da Índia. Mas falo de profissionais esforçados, dedicados, que atuaram com a preocupação humanitária e ética. Escolhi estas cinco por terem incidido sobre aspetos muito atuais e vivos nas sociedades de hoje. São elas:

1. O Dr. Venkataswami (ou Dr. V, para simplificar), médico oftalmólogo, ao reformar-se do Hospital público, aos 58 anos, começa uma pequena clínica com 11 camas, para cuidados da visão, com operações às cataratas. Cria logo a seguir outra clínica de 30 camas para pessoas que não podem pagar. A qualidade do serviço é a mesma, para os que pagam ou não, variando as instalações e refeições.

O chamado Aravind Eye Care System foi crescendo e conta hoje com seis grandes hospitais, no Estado de Tamil Nadu, no Sudeste da Índia. Atende mais de 2,0 milhões de pacientes por ano e faz mais de 280 mil cirurgias. De facto, só 40% dos pacientes pagam a sua conta. Mesmo assim, a exploração é equilibrada, com superávit, que dá para modernizar os hospitais e métodos de trabalho com a aquisição de tecnologias de ponta.

Para além dos seis hospitais e mais de 60 centros de visão, para consultas, em funcionamento, estão projetados mais dois novos hospitais.

2. Dr. Verguese Kurien e a Federação de Coperativas da marca AMUL. Ao regressar dos Estados Unidos, após a licenciatura em Engenharia, vai prestar serviço numa cooperativa de comercialização de leite, recém-fundada, em 1948. É a sua contrapartida à bolsa de estudos que o levou aos EUA. Pouco ou nada tem o leite a ver com os estudos feitos. No entanto, dá-se conta do enorme potencial que tem entre mãos, para elevar o nível económico e cultural das populações locais. E dedica-se em cheio a dirigir a Cooperativa, organizando o seu serviços, replicando o conceito na enorme quantidade de aldeias ao redor de Anand, no estado de Gujarate. A sua incansável dedicação de mais de 55 anos como diretor fez com que hoje a Cooperativa, que detêm a marca AMUL- Anand Milk Union Limited, tenha mais de 3,6 milhões de cooperantes e tenha vendido, no ano de 2015, $3,4 bn. O conceito de cooperativa, similar a esta, foi replicado em quase toda a Índia, em variados domínios da agricultura e pecuária, de tal forma que cerca de 70 milhões de famílias têm hoje uma fonte de rendimento adicional, com o produto entregue à cooperativa local.

3. Muhammad Yunus e o Grameen Bank. Fundador e presidente do Grameen Bank, por mais de 30 anos, que concede microcréditos a pessoas pobres. Estas, por não poderem dar garantias, porque nada têm, tinham de recorrer aos usurários locais. Os bancos não emprestavam aos pobres interessados em trabalhar, para quem só faltava algum, pouco, dinheiro para comprar as matérias primas para elaborar e vender. Ao pedirem emprestado a usurários, estes aproveitavam a situação, obrigando a juros muito elevados, o que pouco deixava à pessoa que trabalhava.

De facto, quando há muita pobreza, há também grande vontade de trabalhar e as pessoas sabem em que tipo de atividades entrar, só lhes faltando algum dinheiro para começar a trabalhar. É precisamente no emprestar sem garantias, com base na confiança nas pessoas pobres, que são muito honradas, que o Prof. Yunus criou o seu Banco tendo ajudado milhões de pessoas a ultrapassar o seu limiar de pobreza, facilitando ainda que todas as crianças da “família Grameen”, raparigas e rapazes, possam estar na escola e estudar.

4. Hamid Yusuf, presidente dos Laboratórios Cipla. Convocou uma conferência de imprensa em Londres, para anunciar que o “seu” produto para a SIDA seria vendido por $350 a dose para um ano. Choveram protestos das ricas multinacionais farmacêuticas, porque a Cipla não fazia investigação, etc. É que nessa altura, em 2001, a Bristol-Myers Squibb, a Abbot Laboratories, a GlaxoSmitKlin ou a Merck vendiam o seu produto para a sida, por $10.000 a dose para o ano. Este foi o desafio que pôs a descoberto a ganância das multinacionais e o exagero de preços praticados. A perícia entretanto adquirida pelas farmacêuticas indianas para produzir biosimilares e genéricos a preços muito baixos, na ordem de 1/7 dos países ricos, mas com a qualidade comprovada, dada a aprovação da americana FDA – Food and Drug Administration. Sobretudo, para os países pobres que não têm sistemas nacionais de saúde, nem fármacos subsidiados, como nos países ricos, é um problema terem os mesmos preços dos países ricos, que são proibitivos.

Os resultados estão à vista: mesmo os países ricos, como os EUA, ou a Europa, consomem hoje uma grande quantidade de genéricos produzidos por dezenas, ou centenas, de empresas farmacêuticas indianas, aprovadas pela FDA, ou empresas estrangeiras instaladas na Índia e, em particular, em Goa.

5. Dr. E. Sreedharam, primeiro presidente do metro de Delhi. Foi convidado para presidir ao Delhi Metro Rail Corporation, pelo então ministro chefe de N. Delhi, Sahib Singh Verma e, em meados de 1997, todos os trabalhos sectoriais de programação estavam completos dentro do prazo, ou antes, e dentro dos custos orçamentados. Ele era bastante conhecido por isolar os projetos que tinha de dirigir das pressões e influências políticas; era capaz também de conseguir compromissos políticos para os casos de execução mais rápida dos projectos.

Estivera anteriormente a presidir ao Konkan Railways, uma linha férrea construída na costa ocidental da Índia, em terreno acidentado e montanhoso, nos Gates, começando no Estado de Maharastra, em Roha, perto de Mumbai, atravessando Goa e indo até Karnataka, a Thokur. Conta com 123 estações e mais de duas mil pontes e 91 túneis, com uma extensão de 740 Kms, construída em sete anos.

No metro de Delhi o resultado foi espectacular: a 1.ª fase terminou dois anos antes do prazo e dentro dos custos previstos. Foi uma prova de como se podem fazer grandes obras, quando são presididas por pessoas sérias que não se deixam levar por pressões políticas. Isso deu ânimo e confiança para os governos se lançarem a fazer os metros de Mumbai, Bangalore, Chennai, Hyderabad, Jaipur, Ahmedabad e Kolkota, todos eles com as primeiras fases já em funcionamento e em forte expansão. O metro de Delhi conta hoje com 231 Kms e ao terminar a 4.ª fase, em 2021, terá 425 Kms.

Cada um destes personagens merecerá um artigo de cerca de página e meia, para que o leitor possa conhecer algumas das pessoas que marcaram a diferença e transformaram a sociedade e os seus hábitos, por vezes perversos e injustos, sempre prejudicando os mais pobres e os deserdados da sociedade.

*Professor da AESE-Business School; do IIM-Rohtak (Indian Institute of Management de Rohtak) e Dirigente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-Índia

 

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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