Opinião
Cooperação e associação

Ao observar diferentes situações de cooperação entre empreendedores de variados ramos da atividade económica, sou levado a interrogar-me como foi possível não haver um forte incentivo da sociedade para que o espírito associativo estivesse muito mais presente.
Em todas as situações que presenciei, isso levou ao benefício de cada um deles, sempre que um sentido de justiça estava presente na forma de remunerar o produto que cada um aporta e os critérios de aplicação dos resultados está bem explicado, para corresponder ao interesse coletivo da entidade.
Em geral sobressai uma atitude algo individualista de não incomodar os outros, ou pensando que os outros “se aproveitam do meu esforço”. Difícil é entender e aceitar a sinergia: de que o resultado da ação colaborativa de várias pessoas é bem superior ao puro somatório do que cada um faz isoladamente. Mais do que explicar o que é sinergia, importa vê-la na prática em exemplos de funcionamento.
Vi, na Índia, algumas organizações cooperativas que funcionam exemplarmente bem. Outras, na sua grande maioria, sob um modelo de gestão desacreditado que foram um desastre completo, esbanjando o dinheiro público, de impostos, e deixando o país mais pobre.
A cooperativa de Anand com a marca AMUL
Refiro-me à Cooperativa de Anand, comercializando o leite de milhares de cooperativas de aldeia, aglutinadas na GCMMF- Federação de Cooperativas de Comercialização do Leite, de Gujarat, que detém a marca AMUL, do leite e todos os produtos derivados. Se essa cooperativa funcionou muito bem sob a direção de Verguese Kurien, fruto do seu pensar e trabalhar para o bem dos cooperantes, com um dedicado espírito de serviço, não foi assim noutras centenas de cooperativas criadas pelo Governo da Índia e dirigidas por ele.
Reproduzo um texto do PM Lal Bhadur Shastri, quando em 31 de outubro de 1964 foi visitar a Cooperativa de Anand, para entender porque ela funcionava tão bem, quando todas as outras criadas e dirigidas pelo Estado, eram um total desastre financeiro. Dizia ele: “No segundo e terceiro planos quinquenais, construímos muitas cooperativas de leite, todas da posse e dirigidas pelo Governo. E todas, um desastre indisfarçável, com perdas. Ouvi que a AMUL e os seus produtos são um sucesso no país, com elevada taxa de crescimento anual. Quero saber porque esta é um sucesso, quando as outras todas falharam”[1] comentou Shastri a V. Kurien.
Kurien explicou que a Cooperativa era dos agricultores, que eram os donos e mandavam em Anand e ele era apenas um assalariado. Shastri, impressionado, pediu-lhe para replicar o modelo noutros Estados, coisa que Kurien fez com todo o entusiasmo em vários deles. “O Governo dá um ‘cheque em branco’ e criará toda a estrutura e organismos que indicar. Replique for favor Anand pela Índia fora. Faça disto a sua missão e qualquer coisa de que necessite, o Governo providenciará”.
De facto Kurien replicou o modelo em alguns outros Estados da Índia e hoje o Modelo Anand é olhado como protótipo do que dever ser uma organização cooperativa.
Talvez o modelo cooperativo seja o mais básico e difundido em muitos países da Europa. Contudo, essas Cooperativas em geral limitam-se a uma dimensão bem reduzida, pois o efeito da confiança nos outros, pelo seu conhecimento, continua a ter presença. Raro é encontrar na Europa uma Cooperativa da dimensão da GCMMF.
É de referir que uma Cooperativa bem gerida deve ter suficiente proximidade dos cooperantes, para onde eles levam o seu produto, com regularidade. No caso do leite, ele é entregue duas vezes por dia, daí resultando a organização em três níveis: cada aldeia tem a sua cooperativa; as cooperativas de um distrito fazem uma União de Cooperativas; as Uniões encontram-se no Organismo comum que é a Federação de Cooperativas.
Todos os problemas respeitantes a cada Cooperativa, União ou Federação são estudados e discutidos no local próprio, com intervenção dos cooperantes, o que leva a que os entendam e encontrem soluções ajustadas.
Em qualquer país, uma cooperativa está ao serviço dos seus associados. De modo que procura organizar-se a fim de pagar-lhes o melhor possível, ao mesmo tempo que elabora produtos da sua transformação para os vender no mercado aberto, oferecendo um preço que convide ao consumo dos mesmos.
Em geral, nos locais onde não há cooperativas, o leite vendido a um intermediário é pago um preço de cerca de 60% do que paga uma cooperativa. Não admira, pois, que cerca de 100 milhões de famílias tenham, na Índia, um adicional de receitas pelo facto de colaborarem com uma cooperativa local. Mesmo assim o país ainda pode crescer muito mais, espalhando mais cooperativas por toda a Índia.
Há, além disso, outros conceitos de Cooperação, como Organizações de Agricultores ou Empresas que numa vertente filantrópica procuram ajudar empreendedores isolados, comprando os seus produtos, dando uma orientação para melhorar o que fazem e vendendo-os em locais que os valorizam. Estou a referir-me à FABINDIA que compra variados produtos de artesanato em todo o país, produzidos por mais de 55.000 artesãos, e comprados através dos seus 17 centros de compra. Nestes dão indicações que ajudam os artesãos a fazer melhor, procurando pagar-lhes melhor do que se vendessem ao comprador que lhes aparecia à porta.
Porque importa associar-se na atividade agrícola ou industrial?
Em geral, num modelo bem pensado e ajustado, conseguem-se muitas vantagens para os associados:
– Obtenção de melhores preços na negociação com entidades que compram e vendem em quantidade. É o caso das cadeias de super e hipermercados com tendência para ficarem com a parte de leão e pouco deixarem a um produtor individual. A união sempre significa força negocial e capacidade de tomar medidas que sejam um impedimento para serem exploradas.
– Possibilita R&D feita na Associação, ou em outsourcing, para melhoria da produtividade e da qualidade, resistindo melhor aos fatores naturais negativos.
– Dá mais possibilidades de estar presente em feiras e exposições e de tomar parte na exportação, algo difícil para um produtor isolado.
– A capacidade reivindicativa, de variados apoios do Estado, tem mais força quando se representa um grande grupo de agricultores. Os seus problemas e pontos de vista encontram melhor acolhimento.
– Possibilita difundir experiências e melhores práticas entre os associados.
*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”
[1] Citado em “I too have a dream”, Verguese Kurien, pgs 98-100