Opinião

Construir pontes como Francisco

Tomás Loureiro, Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP

No momento da partida do Papa Francisco, muito podemos aprender para a nossa vida pessoal e profissional com alguém que soube, na sua humildade e simplicidade, construir pontes e não muros, mesmo em condições difíceis. E de pontes precisamos mais do que nunca na atualidade.

Quando parecia que este ano – apesar de ainda estarmos em Abril – o mundo já tinha visto confusão, mudanças e acima de tudo incerteza suficiente, eis que a Humanidade acordou a semana passada com uma notícia profundamente triste – a partida do Papa Francisco. E não, este não é (embora pudesse ser) um texto sobre religião ou fé, mas sim sobre uma daquelas pessoas que fazia o mundo melhor, que “todos, todos, todos” admiravam e respeitavam independentemente da religião ou origem.

Desde o início do seu pontificado, em março de 2013, o Papa Francisco não deixou de continuamente, e vez após vez, surpreender o mundo com uma forma de liderar marcada pela simplicidade, empatia e coragem moral. Para quase todos praticamente desconhecido antes de ser eleito, Jorge Mario Bergoglio trouxe ao Vaticano um sopro renovador que ecoa em ambientes muito além da Igreja Católica. Para executivos, gestores e profissionais que procuram referências de liderança autêntica e efetiva, a figura do Papa Francisco oferece incontáveis lições, aplicáveis ao quotidiano das organizações.

Hoje, no dia em que o mundo parou para um último adeus ao Papa (à data em que escrevo este texto) – se calhar mais com o coração do que com a razão (e peço-vos desculpa se esse for o caso) – tentei refletir sobre essas mesmas lições e sobre como podemos transpô-las para o nosso dia-a-dia e como elas podem fazer de nós melhores pessoas, profissionais e líderes.

Humildade e simplicidade | Se há coisa que o Papa Francisco demonstrou sempre, foi um excelente exemplo de humildade de simplicidade. Ele escolheu viver em condições modestas, na Casa de Santa Marta, recusou o carro oficial e escolhia sempre almoçar/jantar em refeitórios comuns junto ao clero e aos funcionários do Vaticano. Não são estes exemplos que são relevantes por si só, mas o que isso significa na maneira de pensar e, de alguma forma, liderar do Papa Francisco. “O único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo: quando queremos ajudá-la a levantar-se” – foi uma frase que ficou célebre, e sobre a qual vale a pena refletir, por ser tão simples e evidente, e no entanto tão pouco implementada. No mundo corporativo, a humildade e a simplicidade quebram barreiras hierárquicas, constroem relacionamentos baseados no respeito mútuo, cultivam a proximidade e acima de tudo permitem-nos crescer e aprender. Um líder que aceita, e procura, aprender com os colegas e com as suas equipas, que reconhece erros e sujeita-se a críticas numa perspetiva de desenvolvimento, acaba por ganhar genuína autoridade, estimulando também culturas organizacionais mais colaborativas. Afinal, podemos aprender com “todos, todos, todos”.

Empatia, sorriso e boa disposição | De alguma forma intimamente ligado com o ponto anterior, um dos traços mais marcantes do Papa foi a empatia ativa: antes de grandes discursos solenes, o Papa Francisco percorreu corredores, abraçou doentes, consolou famílias – sempre com boa disposição e um sorriso na cara. Essa “gestão pelo encontro” revela a importância de saber ouvir, ouvir de verdade. Nas organizações, líderes (e profissionais genericamente) empáticos conseguem mapear melhor o clima interno, identificar talentos, reconhecer sofrimentos e necessidades e gerir as equipas e as relações profissionais com mais tato e proximidade. Ao demonstrar que se importam genuinamente com as pessoas, cultivam lealdade, confiança e compromisso. Também o sorriso e a boa disposição – imagem de marca de Francisco – são incrivelmente importantes num contexto profissional e naquilo que acredito ser uma liderança efetiva de futuro – para além de que contribui ativamente para a empatia pelo próximo. Muitas vezes diminuímos ou subvalorizamos um “bom dia” no corredor ou um tom entusiasmado e feliz numa reunião. É contagiante, e contagiar as pessoas pela positiva é estar a fazer um bom trabalho, é construir pontes.

Comunicação clara e próxima das pessoas | O Papa Francisco sempre adotou uma linguagem despojada de jargões teológicos, traduzindo mensagens complexas em palavras acessíveis. Nos discursos, utilizou frequentemente metáforas do dia-a-dia e histórias que aproximam o ouvinte. Nas empresas, a clareza de comunicação evita mal-entendidos, gera confiança e motiva equipas. Líderes que expõem objetivos, desafios e feedbacks de forma transparente inspiram um ambiente onde todos compreendem o propósito e sentem-se parte integrante do projeto. Vivemos numa era que se comunica muito, mas nem sempre bem. E comunicar bem ajuda a construir pontes.

Coragem, mesmo em tempos difíceis | Desde o início do pontificado, Francisco protagonizou reformas impactantes – redução de compras luxuosas, combate a escândalos de corrupção dentro do Vaticano e promoção de transparência financeira – sempre com uma coragem invejável e sem medo de ser impopular ou criticado. Goste-se mais ou menos do que foi implementando (não é isso que está em causa), o Papa Francisco foi aquilo que os líderes devem ser nas organizações (aliás que devemos todos ser) – corajosos, com capacidade de enfrentar crises, de romper com práticas obsoletas e com o “sempre fizemos assim”, de admitir vulnerabilidades e de implementar medidas necessárias de forma ágil e decisiva.

Visão inclusiva e agregadora | O Papa Francisco sempre enfatizou a “Igreja em saída” e o conceito de sinodalidade, propondo que todos participem das decisões. Em vez de centralizar as decisões num círculo restrito, ele promoveu consultas a representantes de diversas culturas (mesmo fora da Igreja) e realidades – no fundo “construiu pontes”. Conseguiu também, durante o seu pontificado, aproximar e “incluir” – na medida do possível – pessoas que estavam mais distantes ou se sentiam “menos parte” por diversos motivos. Em organizações, promover a participação de diversas pessoas nos processos de pensamento e tomada de decisão – independentemente das estruturas ou hierarquias – oferece maior diversidade de pensamento, “wisdow of crowd” e inovação, e garante que diferentes pontos de vista são valorizados, o que não só é altamente positivo como cria um sentido de envolvimento muito mais generalizado.

Autenticidade e coerência de valores | A chamada “liderança pelo exemplo”. O Papa construiu (já agora à semelhança de outros antecessores) também a sua autoridade pela coerência entre palavras e ações. Ele criticou o consumismo, mas evitou ostentação; pregou a caridade, mas convidou a mudanças concretas na vida pessoal e institucional; defendeu os mais fragilizados, mas sempre teve tempo para eles. Na vida profissional, também a coerência é fator decisivo: anunciar valores de, por exemplo, integridade e diversidade, exige que sejam praticados no quotidiano, desde coisas mais simples como processos de recrutamento e relações com fornecedores, a grandes decisões com mais peso. Empresas – e líderes – que asseguram esta coerência reforçam a confiança dos colaboradores, clientes e investidores.

Esperança | Apesar das adversidades, o Papa Francisco sempre manteve a esperança nas pessoas e na Humanidade (e acaba por “partir” precisamente no ano do Jubileu da Esperança). Poucos se irão esquecer da sua imagem – em plena pandemia e quando o mundo passava por algo muito singular – sozinho na Praça de São Pedro, a rezar por todos. Ou do discurso na Universidade Católica, endereçado aos jovens nas JMJ, pedindo que “substituam os medos pelos sonhos”. Ele sempre acreditou na capacidade de transformação e no poder de pequenas ações diárias. Líderes inspiradores compartilham essa crença – investem no desenvolvimento de talentos, transmitem otimismo, acreditam em ideias que surgem de todas as hierarquias, e acima de tudo promovem e criam espaço para o crescimento individual das pessoas, pessoal e profissional, potenciando as suas valências e desafiando-as a serem melhores.

Numa altura em que não sabemos quem lhe sucederá – e terá uma missão muito difícil nesse sentido – podemos interiorizar algumas destas coisas que este líder nos trouxe no seu exemplo. Independentemente das crenças e convicções de cada um, sem dúvida que ninguém lhe ficou indiferente, e segundo o próprio, “a indiferença é o maior inimigo da Humanidade”. E na indiferença não se constroem pontes. É precisamente na diferença, no diálogo, que o fazemos. E mais uma vez, a Humanidade precisa dessas pontes mais do que nunca.

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Tomás Loureiro

Tomás Loureiro

Tomás Loureiro é Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP. Anteriormente, ocupou o cargo de Head of Innovation Intel, sendo responsável por apoiar o CEO da EDP Inovação na definição da estratégia global de inovação e das apostas futuras do Grupo EDP. Também foi Chief of Staff to CEO / Advisor do Board no Grupo Media Capital, responsável por acelerar a implementação da visão estratégica e transformação do grupo, acompanhando também os temas ligados à inovação e customer... Ler Mais..

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