Entrevista/ “Como costumo dizer uma boa ideia pode não ser um bom negócio”
A afirmação é de Isabel Neves, secundada por Isabel Moço que acrescenta que “não há empreendimento que se sustente apenas por ser uma excelente ideia”. Leia a entrevista às coordenadoras da pós-graduação em “Empreendedorismo de Negócios” da Universidade Europeia.
Na próxima semana, a Universidade Europeia, conjuntamente com a Startup Leiria, vai realizar um concurso de ideias de negócio e empreendedorismo, o ETalks – Ideas Competition, para dinamizar o ecossistema, fortalecer o diálogo entre a academia e a indústria, e criar pontes para a transformação digital e o desenvolvimento sustentável.
Isabel Neves e Isabel Moço, coordenadoras da Pós-Graduação em “Empreendedorismo de Negócios”, da Universidade Europeia (entre outros empreendimentos a que se dedicam), e impulsionadoras do evento, lembram que ser empreendedor não é uma tarefa simples e não há só “vento a favor” – enfrentar esse desafio começa por estar no “ADN” de quem deseja empreender ou criar um negócio.
De acordo com estas profissionais exige também um conjunto de conhecimentos e competências que são fundamentais para o sucesso e sustentabilidade do negócio. Mais do que uma ideia brilhante, o empreendedor deve estar preparado para enfrentar desafios, gerir recursos, e adaptar-se às mudanças constantes do mercado, referem.
Nesta entrevista, Isabel Neves e Isabel Moço exploram a importância “de os empreendedores que se querem bem-sucedidos, conhecerem todo o ecossistema empreendedor, saberem o que estão a fazer – ou devem fazer, e acima de tudo, porque razão o fazem – o propósito do empreendimento”.
“A sociedade, todas as instituições e entidades deveriam apoiar o espírito empreendedor, porque na realidade é a essência da evolução, desenvolvimento e crescimento”, alerta Isabel Moço.
Como descreveriam a atual paisagem do empreendedorismo em Portugal?
Isabel Neves: Portugal tem visto um crescimento significativo no número de novas empresas, negócios tradicionais com destaque para o turismo, mas também start-ups, nas áreas tecnológicas. O ambiente empreendedor está mais dinâmico, com maior apoio institucional e acesso a capital de risco. Também há muito mais oferta formativa que capacita os empreendedores com os conhecimentos e competências de que necessitam.
Apesar do otimismo, ainda existem desafios como a burocracia, a carga fiscal direta e indireta que incide sobre as empresas e o acesso limitado a recursos. Felizmente temos mais este programa de formação, específico para empreendedores, que lhes dá maior capacitação e os sensibiliza para todas as áreas mais desafiantes na criação e desenvolvimento de um novo negócio. Esta formação totalmente online pode colmatar as desigualdades no acesso à formação, acessível a partir de qualquer localização geográfica e com uma metodologia modular que permite uma melhor gestão do tempo.
(…) começaria por alertar para a necessidade de saber “desenhar um Plano de Negócios” (…)”.
Na vossa opinião, quais são as competências mais importantes que um empreendedor deve ter para ser bem-sucedido?
Isabel Moço: Se é verdade que “ninguém nasce ensinado” também o será que atualmente teremos de estar a aprender continuamente: a aprendizagem ao longo da vida de que falamos. É fácil encontrar excelentes ideias de melhoria, até de negócios, que não chegam a vingar por falta de competências – até dentro das organizações, onde são muitas vezes os trabalhadores que “têm a mão na massa” que melhor conseguem visualizar inovação, mudança e incremento –, mas muitas vezes, não dá em nada. Não vingam, por exemplo, porque é uma ideia técnica e depois não sabem organizar e planear o negócio, porque não têm competências comunicacionais para o vender, ou porque não sabem entrar no circuito de partes interessadas – estes são apenas alguns exemplos.
E se tivesse de elencar alguns desses conhecimentos…
Isabel Moço: Começaria por alertar para a necessidade de saber “desenhar um Plano de Negócios”, pois não há empreendimento que se sustente apenas por ser uma excelente ideia. Diria que noções de finanças e planeamento estratégico são essenciais para garantir a sustentabilidade. Depois destacaria a capacidade de adaptação e resiliência como cruciais, dada a natureza imprevisível dos negócios, embora estas estejam mais no domínio das atitudes do que dos conhecimentos – ou seja, mais difícil de adquirir ou mudar, mas também é possível. Ainda nestes domínios também parece determinante a liderança e a capacidade de motivar equipas, sobretudo quando nos referimos a negócios ou empreendimentos de crescimento rápido.
Naturalmente que não podemos esquecer as vantagens do domínio de conhecimentos técnicos no setor específico do negócio, o que também pode fazer a diferença, mas aí será mais óbvia a necessidade de atualização permanente. Na realidade parece-nos que as competências de um empreendedor são muito equivalentes às que a maioria dos empregadores procuram nos seus trabalhadores – por isso destacamos muito a necessidade de se apostar no intraempreendedorismo, com conhecimentos, competências e a devida valorização organizacional.
“(…) uma boa ideia pode não ser um bom negócio”.
Qual é o impacto de não ter as competências ou conhecimentos necessários ao iniciar um negócio?
Isabel Neves: A falta de competências pode levar a erros dispendiosos que comprometem a viabilidade do negócio e muitas vezes põem em risco a solvabilidade dos próprios empreendedores. Empreendedores despreparados tendem a subestimar desafios e a sobrestimar as suas capacidades
Pode resultar em má gestão dos recursos, o que pode levar ao fracasso do projeto – não significa evitar o risco e acatar mal o erro. É fundamental investir em formação contínua para evitar falhas. Ter uma ideia de negócio não é suficiente. Como costumo dizer uma boa ideia pode não ser um bom negócio.
É necessário que a ideia seja desenvolvida: identificar e demonstrar a sua oportunidade ou a sua necessidade no mercado; identificar recursos e necessidades financeiras; saber escolher a fonte de financiamento mais adequada; conhecer e enquadrar questões de sustentabilidade; conhecer regras básicas de enquadramento legal e fundamental; saber comunicar!
Como aconselhariam um aspirante a empreendedor que sente que não tem todas as competências necessárias?
Isabel Moço: Costumo dizer que “quando se tem um martelo na mão, tudo parece um prego” o que refiro quando encontro alguém que tem uma ideia, fazemos duas ou três perguntas e levamos a pessoa a ver que não está tudo refletido – o normal entusiasmo de alguém que pensa poder ter encontrado um filão, por vezes tira-lhe discernimento e objetividade para analisar de todos os ângulos e evitar “magoar-se”. E pior: ter impacto negativo na vida dos outros.
A capacidade de ver e escrutinar todos os ângulos é rara e por isso precisamos de nos preparar. Por exemplo, procurando apoio em quem sabe (incubadoras, start-ups, investidores, mentores, clubes,…) e participando em programas de incubação ou aceleração que podem proporcionar não só formação, mas também apoio e redes de contacto. Também poderá apostar em formação específica, por exemplo em áreas onde possa sentir que tem mais vulnerabilidade – eu, claramente, teria de apostar na formação financeira, entendendo por isso que estar disposto a aprender e adaptar-se é mais importante do que começar com todo o conhecimento.
Depois, juntar (e juntar-se) quem possa aportar valor e diferença ao projeto – é interessante quando um empreendedor procura, ao constituir uma equipa, os conhecimentos e as competências que completam as suas, resolvendo assim algumas lacunas. Acredito verdadeiramente que cada um de nós, com as suas certezas e verdades, se não tiver a flexibilidade para todos os dias melhorar um bocadinho, rapidamente se transformará num “martelo” e isso pode ser uma falácia: no mundo do empreendedorismo, a diferença entre vingar e o insucesso.
Poderiam partilhar exemplos de como a preparação adequada ajudou nos vossos próprios empreendimentos ou nos de pessoas que conhecem?
Isabel Neves: Os resultados que alguns dos alunos das edições anteriores da pós-graduação de Empreendedorismo de Negócios, da Universidade Europeia, têm apresentado são deveras elucidativos. Tanto aqueles que iniciaram novos negócios, como os que já os haviam iniciado e vieram à procura de aprofundar conhecimentos.
Ver uma ideia passar do papel e tornar-se um negócio é algo que nos deixa muito orgulhosas e isso aconteceu em qualquer uma das edições, com a criação de quatro novas empresas inovadoras.
Para aqueles que já tinham os seus negócios em marcha e puseram em prática os conhecimentos adquiridos, é impressionante ver a expansão que têm tido e aqui destaco três ou quatro casos: um no setor dos serviços de apoio a empresas; outro em assessoria na área de seguros; outro em turismo de aventura e ainda outro no setor da reciclagem de resíduos industriais.
Qual é o papel das instituições de ensino, incubadoras e outras entidades no desenvolvimento das competências dos empreendedores?
Isabel Moço: Toda a sociedade, todas as instituições e entidades deveriam apoiar o espírito empreendedor, porque na realidade é a essência da evolução, desenvolvimento e crescimento. As universidades e escolas de negócios e outras entidades que formam e preparam para este papel – incubadoras e start-ups, por exemplo –, têm um papel crucial na formação inicial dos empreendedores, proporcionando as bases teóricas e práticas.
Será errado pensar que a formação nas universidades é teórica e não ajuda o empreendedor que quer passar à ação – cada vez mais os mundos académico e empresarial interagem, e se articulam dinamicamente, pois o seu papel é preparar os estudantes para os desafios globais do mundo e muni-los dos conhecimentos e competências que os tornem distintos.
No programa que coordenamos, quase numa espécie de A a Z, conduzimos o estudante num percurso de montagem de um negócio, capacitando para todos os domínios que deve considerar no estabelecimento de um empreendimento. No final do programa, o estudante tem o seu plano de negócio, compreende o seu enquadramento jurídico, conhece-se e compreende as suas vulnerabilidades e potencialidades, sabe fazer um código ético e de conduta para o negócio, sabe fazer a apresentação do seu projeto, … enfim, consideramos que pode estar muito mais bem preparado para ir ao mercado.
Quanto a outros players, consideramos que as incubadoras, aceleradoras, start-ups, clubes de investidores, … formam um ecossistema fundamental para incrementar, apoiar e estimular o espírito empreendedor e deverão estar em plena articulação com as universidades e escolas. Todos são fundamentais para criar uma cultura de empreendedorismo e não esqueçamos que hoje há domínios cruciais e que a todos “tocam”, como por exemplo o empreendedorismo social de que tanto necessitamos.
“Não deixem essa ideia eternamente na gaveta. Analisem e estudem bem a ideia (…)”
Como empresária, investidora e uma das mais destacadas mulheres portuguesas ligadas ao empreendedorismo, que conselhos deixaria aos que “têm uma ideia na gaveta e não sabem que lhe devem fazer”?
Isabel Neves: Não deixem essa ideia eternamente na gaveta. Analisem e estudem bem a ideia; desenvolvam-na, avaliem a oportunidade e justifiquem a necessidade; qual a vossa proposta de valor; estudem o mercado e como alcançar esse mercado; analisem a concorrência e o que vos diferencia; identifiquem os recursos que necessitam, as barreiras legais e quais as fontes de financiamento que estão disponíveis; e mais importante …Nunca se esqueçam que mais importante do que a ideia são as pessoas!
Por isso fica o meu conselho: Conheçam-se bem! Avaliem o vosso potencial e perfil empreendedor. Desenvolvam os vossos pontos fortes e trabalhem sobre os fracos. A boa preparação e autoconhecimento serão sempre o melhor caminho para mitigar riscos. E quando se sentirem preparados avancem!
* Empreendedoras, gestoras e coordenadoras de Pós-Graduação em “Empreendedorismo de Negócios” da Universidade Europeia