Opinião
Marcas de guerra

Num recente comentário que fiz na CNN, a jornalista perguntou-me se, na minha opinião de “especialista de marca”, Putin poderia perder a confiança do povo russo. Fiquei surpreendido com a questão e não fui capaz de dar uma resposta que apontasse o desajuste da pergunta.
Se fosse uma marca, Putin cultivaria a confiança das pessoas para conseguir a sua anuência. Mas Putin é um déspota que se serve do terror e da força para impor a sua vontade. São dois universos que, sendo paralelos, nunca se tocam. O primeiro emana da liberdade de escolha. O segundo, da sua supressão. Gostaria de ter respondido isto mesmo naquela noite na CNN, mas faltou-me a analogia e não soube aproveitar o momento.
As muitas marcas ocidentais que vão abandonando a Rússia fazem-no, sobretudo, porque nos seus países de origem a opinião pública não tolera mais que possam fazer negócio numa terra de opressão. O McDonald’s apenas fechou os seus mais de 800 restaurantes depois de o hashtag #boycottmcdonalds ser trending topic no twitter.
A Shell viu-se obrigada a declarar que iria desinvestir dos seus negócios na Rússia só depois de ter sido descoberta a sua negociata na compra de petróleo russo a 28 dólares o barril quando já cobrava mais de 114 nos mercados internacionais.
Estes dois exemplos ilustram bem que as marcas não podem, pura e simplesmente, fazer o que entendem para salvaguardar as suas receitas. Não. Têm que respeitar os valores das sociedade e das culturas de que emanam. Respondem perante entidades mais altas – as pessoas que as compram – para sobreviver. Para todas existe uma alternativa no mercado e todas podem ser substituídas.
Mas também há as marcas anti-marca. A Gazprom, cujo gás continua a aquecer as casas da Europa Central é um dos suportes financeiros do regime de Putin. A Gazprom é uma espécie de ditadora do gás, impõe-se porque é insubstituível. Apesar de figurar nas camisolas do Schalke 04, não necessita de publicidade. Mas, ao fazer essa publicidade, utiliza as mesmas armas de Putin ao longo dos últimos 20 anos. Primeiro coloca-nos em confiança, aparenta ser uma das nossas e pede a nossa simpatia e cumplicidade. Mas, no momento crucial, retira-nos a liberdade de escolha e ameaça com um inverno gelado como aquele com um inverno nuclear.
Já houve quem – Thomas Friedman – postulasse que se dois países partilhassem restaurantes da cadeia McDonald´s eles jamais entrariam em guerra. O que a realidade nos está a ensinar a cada novo dia que passa é que cada país se serve das suas marcas como armas nesta guerra: em ambos os casos, sinistramente, impedindo uns e outros de as poderem usufruir livremente. Quem diria que um relógio Cartier tem o valor bélico de uma Kalashnikov…