Opinião

“Boa! Tenta outra vez” – O que os líderes têm a aprender com os bebés.

Sandra Silva, diretora-geral da Mary Kay Portugal

O que seria daquele bebé que gatinha e quer começar a aventurar-se a dar os primeiros passos, se não tivesse uns pais que o incentivassem? O que aconteceria se à primeira queda os pais em vez de dizer: “Boa! Tenta outra vez! Tu consegues” dissessem:” Bem… que desajeitado. Ainda vais demorar muito!”. Demoraria certamente mais tempo a voltar a tentar e atrasaria o seu desenvolvimento.

Mas… este é um artigo para líderes, certo? Qual a relação entre bebés, primeiros passos, liderança e crescimento?

Muitas vezes na literatura e nos media, os líderes são apresentados como heróis, pessoas a solo, talentosas que se destacam e sempre se destacaram dos restantes. Isso afasta-os do comum dos mortais e por vezes frustra quem considera que não nasceu tão dotado. A situação piora quando contam as suas histórias de sucesso, como se fossem uma sucessão de vitórias atrás de vitórias, como se as dificuldades não quisessem nada com eles, culminando com as suas receitas para o sucesso. Por exemplo, os “5 passos que segui até ao topo” (título inventado por mim). Fácil, fácil, fácil.

Tudo isto, além de não ser verdade, não ajuda quem está a começar a fazer o seu caminho, a dar os primeiros passos na liderança, naturalmente com alguma insegurança e dúvida. Na verdade, não ajuda ninguém.

O líder herói, que não tem dúvidas nem medos e tem a reposta e solução para tudo e não precisa de ninguém, não existe. Só nas histórias da Marvel.

Precisamos, a bem do desenvolvimento de mais líderes, contar cada vez mais histórias da liderança como ela é. Como uma caminhada. Com avanços e retrocessos. Não linear. Com medos e dúvidas, e onde mesmo assim se avança.

Mas há algo que não se pode esquecer: nenhum líder cresce verdadeiramente sozinho.
Ao longo de qualquer trajeto de liderança — seja ele mais linear ou mais acidentado — há momentos em que o apoio de outros é simplesmente indispensável.

Esse apoio pode surgir de muitas formas.
Às vezes aparece de forma informal, quase sem se anunciar, como quando se tem a sorte de cruzar o caminho com um chefe que acredita no líder e lhe reconhece potencial antes mesmo dele próprio. Que o desafia a sair da zona de conforto, que empurra para situações exigentes e desconfortáveis — mas ao mesmo tempo acompanha, apoia, está lá. E é precisamente esse equilíbrio entre desafio e suporte que acelera o crescimento, a visibilidade e a confiança do novo líder ou sendo líder, novo, por exemplo no desafio.

Noutras alturas, esse apoio vem de fora da organização — através de alguém mais experiente, que já passou por dilemas semelhantes, que entende os bastidores da liderança e pode ajudar a antecipar riscos, a pensar em cenários alternativos, a avaliar consequências. Um mentor, formal ou não, que está disponível para ouvir, sem julgamento, quando tudo parece confuso. Que está lá apenas para escutar quando dizemos “não sei o que fazer” ou “isto está mesmo difícil”. Que ajuda, simplesmente por estar presente, a organizar ideias, emoções e prioridades. E isso, tantas vezes, é o suficiente para reencontrar a clareza.

Por vezes, o apoio pode vir de onde menos se espera — de um colega de equipa, um par, alguém com quem se criou confiança mútua e com quem é possível conversar com autenticidade. E nessas conversas reais, sem máscaras, podem surgir as perguntas mais certeiras — ou simplesmente o alívio de sabermos que não estamos sozinhos.

Seja qual for a forma, o apoio é essencial. E quanto mais se sobe na organização, mais importante e mais difícil ele se torna.

Porque, à medida que a liderança se torna mais visível e exposta, também se torna mais solitária.
As pessoas, naturalmente, começam a filtrar o que dizem. Tendem a concordar mais facilmente. Evitam contrariar, fazem por agradar. E esse comportamento, por mais bem-intencionado que seja, pode criar uma ilusão de clareza e segurança que empobrece as decisões e afasta o líder da realidade.

Chama-se a isso miopia da liderança — quando a ausência de confronto saudável e de vozes alternativas deixa o líder vulnerável a decisões menos informadas, menos estratégicas, menos humanas.

Por tudo isto, ter apoio, pedir apoio e criar espaço para apoio não é sinal de fraqueza — é sinal de maturidade e inteligência. Seja através de um mentor, de um coach, de um par, de um grupo de reflexão ou de um simples amigo que sabe escutar — o líder precisa de ter onde se apoiar para se manter inteiro.

Não é incomum, atualmente, ver líderes em burnout, exaustos, isolados, a tentarem carregar o peso de tudo sozinhos. Muitas vezes, os sinais são invisíveis até ser tarde demais. E o mais preocupante é que estes líderes, até ao limite, mantêm a aparência de controlo e força — como se fosse obrigatório ser sempre forte, sempre certo, sempre preparado.

Mas não é.
O verdadeiro líder não é o que tem todas as respostas, mas sim o que tem a coragem de fazer boas perguntas e a sabedoria de procurar apoio. É esse tipo de liderança que deve florescer: mais consciente, mais conectada, mais humana.

E talvez tudo comece por uma escolha simples: reconhecer que liderar não é caminhar sozinho. É escolher, vez após vez, rodear-se de pessoas que nos elevam, que nos desafiam e que nos sustentam. Tal como aquele bebé que aprende a andar — precisamos de quem diga: “Boa! Tenta outra vez. Tu consegues.”

Termino com duas perguntas simples, mas poderosas: Quem é o seu pilar? E quem sabe que pode contar consigo?

Todos precisamos de apoio. E todos podemos ser apoio para alguém.

Comentários
Sandra Silva

Sandra Silva

Sandra Silva é a diretora-geral da Mary Kay Portugal desde 2009, ano em que entrou para a companhia. Desempenhou um papel importante e fundamental tendo sido responsável pelo turnaround da empresa em Portugal. Liderou a importante renovação da estratégia de negócio implementada em todos os departamentos. Também é membro da Plataforma Portugal Agora. Antes de chegar à Mary Kay a experiência profissional de Sandra Silva centrou-se nas áreas das Vendas e Marketing em multinacionais de grande consumo. Começou na Johnson&Johnson,... Ler Mais..

Artigos Relacionados