Entrevista/ “Através da educação conseguimos alcançar qualquer problema social”
Trabalhou mais de 20 anos na área da publicidade, mas sentiu o desejo de criar um projeto solidário a que deu o nome de Associação 1%. Filipe Canto e Castro acredita que se todos nós dermos 1% do nosso tempo, carinho, bens materiais…, podemos muito facilmente chegar aos 100% e assim mudar a vida de alguém.
A Associação 1% é uma organização sem fins lucrativos que tem como principal objetivo contribuir para a construção de uma sociedade mais ativa, consciente e solidária. Entre as suas atividades, está o desenvolvimento de campanhas de sensibilização com vista a agitar a comunidade e a promover a reflexão em torno da responsabilidade individual de participar ativamente na construção de um mundo melhor.
Sabendo que a mudança de comportamento e a alteração de hábitos é um processo lento e só se consegue perante uma atuação profunda, Filipe Canto e Castro, fundador da Associação, revelou em entrevista ao Link To Leaders que a grande aposta da 1% recai na área da educação, tendo como estratégia principal a implementação de um programa de longa duração nas áreas da educação das emoções e da educação para a cidadania, denominado “Programa Ajuda Como Podes”.
O que é exatamente o projeto 1%?
É uma associação sem fins lucrativos que tem como principal objetivo contribuir para a construção de uma sociedade mais consciente e socialmente mais ativa através de projetos que incidam na educação, repercutindo-se em toda a comunidade.
Como é que surgiu a ideia de criar Associação?
Já vem de longa data a vontade de poder ser útil aos outros e dar o meu contributo na construção de um futuro melhor. Antes de criar a associação foram pensados e discutidos alguns projetos que, por falta de meios, sentido de oportunidade e até maturidade, não se concretizaram. Agora, passados cerca de 15 anos desde a minha primeira ideia, decidi que estavam reunidas as condições necessárias para avançar.
Quem esteve consigo no lançamento da Associação?
Antes de lançar a Associação 1%, decidi organizar alguns almoços com a minha equipa da QuickCasting, incluindo advogado e contabilista, convidei também a psicóloga Maria Palha e juntos fizemos alguns “brainstormings” para perceber qual o melhor caminho para uma Associação e em que projetos nos deveríamos focar.
Quais são nesta fase as vossas principais áreas de atuação?
A educação, porque através da educação conseguimos alcançar todo e qualquer problema social a curto, médio e longo prazo.
E o âmbito geográfico de atuação? É regional ou nacional?
Neste momento, a nossa área de atuação é em Lisboa, mas estamos em vias de intervir noutras regiões incluindo na Ribeira Grande, na ilha de S.Miguel, Açores. O grande objetivo é intervir a nível nacional.
“(…) tudo o que implique alterações ou adaptações ao programa escolar gera uma grande desconfiança/resistência e aparece um indeterminado número de obstáculos.”
Enquanto fundador e coordenador da 1%, quais os principais desafios com que se tem deparado na sedimentação da Associação?
O nosso primeiro projeto “Ajuda como Podes” intervém no contexto escolar e tudo o que implique alterações ou adaptações ao programa escolar gera uma grande desconfiança/resistência e aparece um indeterminado número de obstáculos. Outro dos desafios é manter uma estabilidade financeira saudável, uma vez que, neste momento, a estrutura da Associação depende financeiramente da minha empresa de casting.
Qual o seu percurso profissional antes de chegar aqui?
Estudei até ao 10.º ano, altura em que me virei para a minha mãe e lhe disse que não queria estudar mais, não valia a pena estar a gastar mais dinheiro num colégio (Valsassina). Candidatei-me a empregado de Armazém da Loja das Meias nas Amoreiras, mas, na altura da entrevista, perguntaram-me se eu tinha um blazer e puseram-me a vender ao balcão. Depois entrei na RTP para a produção de programas. Trabalhei com grandes nomes da televisão como Herman José, Júlio Isidro, Teresa Guilherme, Ana Bola, etc. A seguir integrei a MMM Produtores Independentes do José Eduardo Moniz, onde fiz parte da produção do programa apresentado pela Sofia Aparício “86-60-86” e o Super Bebés, apresentado pela Alexandra Lencastre. Mais tarde entrei no mundo da publicidade, também na área de produção, trabalhando na Tangerina Azul-Produtora de filmes de publicidade. Aos 30 anos abri a minha empresa de casting onde sou director de casting até hoje.
“Contribuímos para a formação de crianças mais generosas, mais resilientes, capazes de identificar as necessidades da sua comunidade e também capazes de satisfazer essas mesmas necessidades.”
Até agora qual o projeto mais emblemático que implementaram? Que “vitórias” já conseguiram?
Implementámos o “Ajuda como Podes” no colégio Valsassina. Foi feito um piloto com 18 alunos. Este programa tem como base a educação das emoções, trabalhamos em contexto de sala de aula e temos três pilares estruturais : o “eu”, o “eu e o outro” e o “eu e a comunidade”. Um percurso que envolve o professor e os alunos, posteriormente as famílias e a comunidade envolvente.
Contribuímos para a formação de crianças mais generosas, mais resilientes, capazes de identificar as necessidades da sua comunidade e também capazes de satisfazer essas mesmas necessidades. O projeto culmina com a organização do “Speed Date Solidário”, onde a comunidade escolar é convidada a colmatar as necessidades identificadas pelas crianças em parceria com instituições locais que, neste caso, foram a Santa Casa da Misericórdia, a Associação Tempo de Mudar e a AMI. Das cerca de 60 necessidades identificadas (fraldas, beliches, placa dentária, consultas dentista, consultas oftalmologista, livros, etc), conseguimos cerca de 600 matching sociais, ou seja, mais de 95% das necessidades foram colmatadas.
Quais são os principais projetos que a Associação tem previsto para este ano?
Com o sucesso obtido no ano letivo passado no Colégio Valsassina, este ano o Colégio decidiu implementar o “Ajuda como Podes” em duas turmas do 5.º ano, passando de 18 para cerca de 60 alunos. A Associação 1% supervisiona a implementação do projeto. Ao mesmo tempo estamos em conversações pelo país fora no sentido de implementar o “Ajuda Como Podes” noutras escolas. Paralelamente, temos várias outras frentes, mas que ainda não podemos revelar.
Têm parceiros empresariais?
Participámos no BootCamp do IES no mês passado do qual fomos vencedores. Irão acompanhar-nos nos próximos meses e estamos em conversações com algumas empresas.
Até onde vão as vossas ambições? Que caminhos querem desbravar?
Queremos mudar o ADN comportamental dos portugueses através da educação das emoções. Queremos que as emoções sejam uma matéria lecionada nas escolas, ao nível das outras disciplinas.
“Acreditamos que é através da educação das emoções que teremos competências para criar um futuro melhor.”
Globalmente, qual o impacto, ou diferença, que este tipo de projetos pode fazer na sociedade?
Projetos deste tipo, virados para a educação, levarão as crianças, adultos do amanhã, a serem mais solidárias, resilientes, criativas, sociais, equilibradas e saudáveis física e mentalmente. Levam também o ser humano a viver numa sociedade mais humana e empática. Grande parte dos problemas de hoje deixarão de o ser no amanhã. Acreditamos que é através da educação das emoções que teremos competências para criar um futuro melhor.
Diz no vosso site que “Acredita que se cada um de nós for 1%, podemos mudar a vida de alguém em 100%”. Qual deve ser o papel do cidadão, individualmente, e das empresas, nesta vertente social, de ajudar à “construção de uma sociedade mais ativa, consciente e solidária”, como dizem?
Relativamente ao cidadão, é estarmos mais atentos a nós próprios (perceber que existe mais para além de nós), à nossa família (principalmente à educação dos nossos filhos), ao outro (ao nosso lado pode estar alguém a precisar da nossa ajuda que pode passar apenas por um abraço ou um sorriso), assim como ao meio ambiente (cuidar, poupar, aproveitar).
Quanto às empresas, sou defensor que qualquer empresa deveria ser “obrigada”, por lei, a ter uma vertente ligada à responsabilidade social.
“Falta o setor empresarial adoptar – de forma consistente e tranversal – práticas de responsabilidade social interna e externa.”
Na sua opinião, o setor empresarial em Portugal já está sensibilizado para o papel de responsabilidade social que pode/deve ter?
Penso que cada vez mais, mas continua a ser insuficiente. Acredito que a sensibilização existe, a informação existe e está disponível, o que falta é o sentido de urgência. Falta o setor empresarial adoptar – de forma consistente e tranversal – práticas de responsabilidade social interna e externa. Obviamente que existem casos extraordinários de boas práticas, mas não são a norma nacional.
De que forma projetos como a Associação 1% podem ajudar a mudar o status quo atual?
Pretendemos agitar consciências! Projetos como o da Associação 1% ajudam a plantar a semente necessária para que novos comportamentos e atitudes sejam naturais e espontâneos nas próximas gerações. Educar para as emoções é reprogramar o Ser Humano em todo o seu potencial. É sermos a melhor versão de nós próprios e com isso impactar a forma de estar e de viver em comunidade. Queremos uma sociedade exigente, competente e capaz de agir em concordância com valores humanos como o respeito por si próprio, pelo outro e pelo mundo.
Temos um manifesto que reflete isso mesmo: Somos 1%. Somos uma parte. E todos fazemos parte de um todo. Todos somos parte de várias partes. Somos 1% nesta construção comum; Ser 1% não é só dar, é ser! Procurar dentro de cada um de nós o que de melhor temos, o que nos dá mais prazer, o que nos motiva, o que nos quer levar mais longe. O que nos empurra os pés para a terra e nos segura a cabeça nas nuvens; Dar do que somos implica conhecer a nossa própria natureza, não é o mesmo dar do que temos, é partilhar a nossa riqueza interna sem ter de recorrer a elementos externos;Tirar de dentro o nosso 1% e oferecê-lo ao mundo é ser capaz de provocar a reconstrução constante desse bocado arrancado; Ser 1% é participar num movimento de renovação interior através da relação com os outros. Não se trata de dar ao outro o que temos a mais, é ser-se mais, é ser 1%.
Respostas rápidas
O maior risco: não atuarmos JÁ de uma forma revolucionária na área da educação.
O maior erro: não se ter percebido que é através da educação das emoções que conseguiremos ter um mundo melhor.
A melhor ideia: Associação 1%
A maior lição: Acreditar e focar leva-nos a ultrapassar o chamado impossível.
A maior conquista: Independência mental, espiritual e financeira.