Entrevista/ “As fintech devem perceber que a disrupção e transformação tecnológica estão aí”

Renato Oliveira, CEO da ITSector

Foi constituída há 15 anos e desenvolve tecnologias digitais para bancos e credit unions. Passou de cinco funcionários a mais de 500, de um escritório no Porto a seis centros de desenvolvimento em Portugal. Em 2020, nem a pandemia deteve a ITSector. Falámos com Renato Oliveira, CEO da fintech, sobre os desafios dos últimos meses e os planos para o futuro.

A crise económica decorrente da Covid-19 está a atingir com severidade o emprego, ainda assim, há empresas que fogem à regra. A ITSector fechou o primeiro semestre com um crescimento de 25% e está a recrutar, revela Renato Oliveira, CEO da empresa, ao Link To Leaders.

A tecnológica portuguesa obteve uma faturação de 13 milhões de euros nos primeiros meses do ano, tendo conquistado já durante a pandemia três novos grandes clientes, dos quais dois são internacionais. O negócio além-fronteiras da empresa representa já metade do total.

Que balanço faz destes 15 anos de atividade da ITSector?
A ITSector foi constituída há 15 anos, desenvolveu-se na criação de tecnologias digitais para bancos e credit unions e conta hoje com mais de 500 profissionais. Estes 15 anos têm sido de crescimento e aprendizagem constantes. Passamos de cinco funcionários a mais de 500, de um pequeno escritório no Porto a seis centros de desenvolvimento em Portugal, de clientes apenas em Portugal, a clientes em mais de 20 países. Este ano tem sido um ano atípico e extremamente positivo, simultaneamente.

Quantos colaboradores têm atualmente?
Atualmente contamos com 538 colaboradores. No primeiro semestre a ITSector admitiu 80 novos profissionais. Na sua maioria, são pessoas já com experiência funcional no setor financeiro que assumirão papéis de analistas e gestores de projeto, mas também perfis mais técnicos na área do “mobile”, .NET e segurança informática. Sentimos que os nossos clientes, maioritariamente no setor financeiro, estão determinados a acelerar a sua transformação digital e para isso precisam de competências especializadas e de muita experiência acumulada para fazerem face à concorrência. Consideramos, por isso, que o nosso processo de atração e desenvolvimento de talento é estratégico e tem-se revelado diferenciador no suporte ao desenvolvimento da ITSector nos últimos anos.

“Todos os projetos em curso mantiveram – e aumentaram – a dinâmica de entregas em Portugal e em mais de 20 geografias distintas. Desde março, a ITSector ganhou uma série de novos clientes com os quais iniciou projetos de forma remota”.

A ITSector fechou o primeiro semestre de 2020 com um volume de negócios de 13 milhões de euros, o que representa um crescimento de 25% face a igual período de 2019. Como justifica este crescimento?Considerando que o ano de 2019 foi o melhor ano da história de 15 anos da sociedade, o Conselho de Administração da ITSector prevê que o ano em curso possa continuar a revelar uma performance positiva e sustentável. Fechamos o primeiro semestre de 2020 com resultados acima do nosso objetivo inicial do ano, antes do Covid-19, que apontava para um crescimento na ordem dos 20%.  O valor de faturação comparável ao fecho de semestre de 2019 ultrapassa os 25% de crescimento para 12,6 milhões de euros.

Os resultados verificados em 2020 no primeiro semestre advêm principalmente do reforço da atividade assente em três pilares: o foco exclusivo nos serviços prestados ao setor financeiro, a capacidade de realização de projetos em diferentes geografias incluindo a América do Norte, e do perímetro de serviços se situar em torno da implementação de arquiteturas modernas e da transformação digital.

Todos os projetos em curso mantiveram – e aumentaram – a dinâmica de entregas em Portugal e em mais de 20 geografias distintas. Desde março, a ITSector ganhou uma série de novos clientes com os quais iniciou projetos de forma remota. Juntaram-se a estes desafios as diferenças de fusos horários que nalguns casos permitem apenas janelas de três horas de trabalho por dia em conjunto com os clientes. Sabemos que nada ficará como dantes. Orgulhamo-nos do caminho que estamos a percorrer, de ajudarmos os nossos clientes – Bancos e Credit Unions – a ser mais ágeis e mais competitivos. Orgulhamo-nos também dos nossos colaboradores que têm sabido responder com resiliência, perseverança e atitude a este novo normal.

Como foi a resposta da ITSector às medidas de confinamento face à pandemia?
A efetividade da resposta da ITSector às medidas de confinamento face à pandemia, recorrendo numa base de 100% ao teletrabalho, o reforço tempestivo de medidas na infraestrutura ao nível da acessibilidade, performance e segurança, permitiram que as equipas da ITSector continuassem a servir os seus clientes nacionais e internacionais com níveis de produtividade superiores e a cumprir as metas e os resultados que estavam delineados. Importante ainda referir que desde o início da pandemia, a empresa implementou um conjunto de iniciativas dirigidas ao bem-estar dos colaboradores e das suas famílias, reforçou os mecanismos de comunicação e de controlo interno.

O que tem levado a que a ITSector tenha vindo a aumentar a sua “pegada” internacional?
O mercado internacional é extremamente relevante para a ITSector. Anteriormente à fase Covid-10 já nos encontrávamos a trabalhar remotamente para clientes internacionais e a atual circunstância só veio reforçar a nossa capacidade de resposta a estas exigências. Nos últimos anos temos evoluído consideravelmente e continua a ser o nosso foco este ano. No semestre que findou os clientes finais representaram cerca de 50% e o nosso objetivo é aumentar cada vez mais esta percentagem de forma a conseguirmos levar o nosso know-how além-fronteiras e contribuir para um reforço da transformação digital no mercado financeiro.

“Em 2019 continuámos a crescer no mercado internacional com um principal destaque para o Canadá. Ainda assim, o mercado doméstico nesse período pesou cerca de 65%”.

Qual o mercado que neste momento é mais representativo para a faturação da ITSector e porquê?
Em 2019 continuámos a crescer no mercado internacional com um principal destaque para o Canadá. Ainda assim, o mercado doméstico nesse período pesou cerca de 65%. Mantemos ainda a nossa presença construída ao longo dos anos e firmada em Angola e Moçambique em clientes “first tier”, que são na maioria dos casos subsidiárias de bancos a operar em Portugal, na África do Sul e no Quénia.

Quais os serviços que a banca mais está a requisitar?
O que temos assistido na maioria dos casos tem sido uma aceleração de iniciativas do domínio do digital, sejam elas através do aperfeiçoamento de soluções já existentes, sejam a criação e inovação da transformação induzindo a melhoria da experiência de cliente, mais automatismos e controlo, e reforço das políticas de segurança. Os bancos estão também a implementar estratégias muito orientadas à geração de receita no digital – novos créditos, cartões, poupança e investimento…, visando reforçar os “economics” dos seus investimentos, contornar as limitações da pandemia e criar novos hábitos e novas experiências que certamente se irão consolidar.

Não podemos esquecer que esta transformação tem fortes implicações nos sistemas legados e nas arquiteturas que ainda hoje suportam o dia a dia tecnológico dos bancos e que, em muitos casos, por não estarem atualizadas implica esforços adicionais muito consideráveis, particularmente quando se tem de colocar em todo o processo uma velocidade elevada.

Quais os maiores desafios que se colocam às fintechs nos dias de hoje?
A aceleração na utilização dos canais digitais agilizou o pensamento e a ação das instituições financeiras sobre qual a plataforma de negócio que precisam, mantendo sempre em perspetiva o rácio do cost-to-income. Assistimos recentemente ao anúncio de fusões entre instituições que assim buscam soluções de racionalidade e competitividade para melhor se ajustarem ao próximo futuro. Os novos entrantes – neo-banks, plataformas de pagamentos, crédito peer-to-peer –  continuarão a surgir na busca de partes dos proveitos bancários que, até há poucos anos, eram “exclusivos” dos bancos e das credit unions.

A Comissão Europeia quer as fintech a respeitar as mesmas regras que os bancos tradicionais na UE, visando assegurar “condições equitativas” na proteção da informação dos utilizadores. Qual a sua opinião sobre o tema?
Defendemos uma proporcionalidade de meios e recursos ao nível regulatório. Por outro lado, algumas das fintech que operam em determinados modelos de negócio devem mesmo ser reguladas sob pena de podermos ter mais à frente surpresas desagradáveis com perdas para os clientes.

“Um dos setores em que a mudança em curso acelerou foi o dos serviços financeiros, em concreto das instituições bancárias e credit unions (organizações com maior expressão em geografias como Canadá e EUA)”.

Como caracteriza os efeitos da pandemia no setor das fintech?
O surgimento abrupto e inesperado da Covid-19 e as consequentes medidas sanitárias implicaram a mudança de hábitos e rotinas de forma imediata. As limitações no contacto físico e na mobilidade das pessoas “forçou” a adoção de práticas no relacionamento e no trabalho que, em condições normais, levariam anos a generalizarem-se. Um dos setores em que a mudança em curso acelerou foi o dos serviços financeiros, em concreto das instituições bancárias e credit unions (organizações com maior expressão em geografias como Canadá e EUA). A transformação digital destas instituições, nalguns casos já com soluções vanguardistas, tende a sofisticar-se, superar-se e a aumentar a competição pela capacidade de proporcionar a melhor experiência ao utilizador, aos clientes.

As fintech devem perceber que a disrupção e transformação tecnológica estão aí e que são inevitáveis. Não só se estão a produzir ao nível das abordagens, como das metodologias, e da capacidade de adaptação das pessoas para chegar a melhores resultados em menos tempo e com hábitos de trabalho diferentes. Se alguma dúvida houvesse, as mudanças a que todos fomos obrigados a ajustar veio reforçar o papel crucial da tecnologia e do digital como a grande revolução dos nossos tempos. E, nesse espaço, só haverá lugar para os melhores. O suficiente e o medíocre passarão a ser avaliados de forma instantânea.

E no setor financeiro em todo o mundo?
A indústria dos serviços financeiros, em que a ITSector opera em exclusivo, depara-se com diversos desafios. O desafio de se modernizar, de se transformar, de sobressair perante a concorrência, de proporcionar aos seus clientes a experiência digital que exigem. Muito da tecnologia utilizada é em larga medida obtida off-the-shelf. Todavia, a complexidade que lhe está subjacente em termos de arquiteturas modernas, pensadas para o futuro e a necessidade de conjugar e conciliar os conceitos base, constitui um grande desafio.

Quais as grandes lições que retira da pandemia?
A pandemia de coronavírus intensificou a gestão de riscos, exigindo aos gestores e trabalhadores que se adaptem ao trabalho remoto, aprendam novas técnicas, e encontrem formas de apoiar consumidores e clientes. É resultante das adversidades que conseguimos retirar as melhores lições. A maior lição que retiramos desta pandemia é que em comunidade somos mais fortes e que é possível ultrapassarmos as adversidades e sermos melhores se trabalharmos em conjunto.

A segunda lição, e intimamente relacionada com a primeira, é que, para além de termos que estar unidos, temos que ser rápidos, criativos, ambiciosos e pensar mais à frente, para conseguirmos acompanhar as exigências do mercado. Surge então a terceira e inevitável lição: obrigatoriedade de transformação digital nos negócios, a todos os níveis (back e front-office). Por último, e não menos importante, que devemos investir nas nossas pessoas e no seu bem-estar. É essencial proporcionar condições seguras de trabalho e mantermo-nos atentos às suas necessidades nestas situações. Essencialmente, foram as nossas pessoas que nos ensinaram a maior lição no meio de toda esta pandemia, mantiveram-se calmos, seguros, focados e unidos, e com isso, crescemos todos. Não só a ITSector, como os nossos clientes.

“Não teremos grandes sobressaltos até ao final do ano, senão continuar a prosseguir a nossa estratégia de especialização no setor financeiro, manter o drive internacional na entrega de projetos e procurar fechar alguns dos projetos em que estamos envolvidos”.

Quais são as grandes apostas da ITSector até ao final do ano?
Não teremos grandes sobressaltos até ao final do ano, senão continuar a prosseguir a nossa estratégia de especialização no setor financeiro, manter o drive internacional na entrega de projetos e procurar fechar alguns dos projetos em que estamos envolvidos. Realizámos recentemente um webinar sobre a gestão de riscos de TI em que temos uma plataforma – o IT Risk Manager – que está já a funcionar no Mbcp  – e que está a suscitar muita curiosidade junto de várias instituições. Trata-se de um tema muito atual, alinhado com as exigências regulatórias da EBA e que, para além disso, carece de ser implementado com mais efetividade, visando melhores resultados e com um TCO mais reduzido.

A dependência que os bancos têm da tecnologia para gerir a sua plataforma de negócio, dar serviço a clientes e serem mais eficientes, implica obrigatoriamente que os ativos – corpóreos e incorpóreos – que lhe estão subjacentes sejam geridos de forma efetiva por forma a ter um controlo e uma continuidade de negócio fundamentais. Iremos implementar um novo modelo comercial digital que será diferenciador e alternativo às limitações que hoje enfrentamos no contexto da pandemia.

Respostas rápidas:
O maior risco:
complacência.
O maior erro: 
falta de humildade.
A maior lição: 
a excelência compensa.
A maior conquista: 
o reconhecimento dos nossos clientes e dos nossos colaboradores no valor da ITSector.

 

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