Opinião

As aparências iludem

Tiago Rodrigues, gestor e investidor

Muitas vezes julgamos uma pessoa, organização ou evento com base no que vemos no imediato, mas o que está à superfície nem sempre reflete a realidade. Mas as aparências iludem. Também na minha carreira, por diversas vezes, as aparências me iludiram.

Há algum tempo, os meus filhos mostraram-me uns vídeos no YouTube de um homem chamado Anatoly, talvez na casa dos 30 anos de idade, de corpo muito franzino, mas com uma força desproporcional face à sua (aparente) frágil estrutura corporal.

O conteúdo dos vídeos assenta, basicamente, no referido personagem a fazer-se passar por empregado da limpeza em ginásios e a surpreender um sem número de pessoas, levantando halteres ou fazendo outro tipo de exercícios de força extrema com uma facilidade e rapidez que outros homens, com muito maior robustez corporal, não conseguem executar.

Confesso que achei piada a alguns dos vídeos, não apenas pela impagável expressão de surpresa, estupefação e incredulidade de muitas pessoas, iludidas pela frágil aparência do referido personagem, certamente convencidas que este jamais conseguiria fazer os exercícios, mas também por nos fazer acreditar que, por vezes, o que parece impossível não o é, e que, não raramente, com esforço e determinação conseguimos atingir resultados e objetivos que inicialmente julgávamos inatingíveis.

É caso para se dizer que as aparências iludem.

Estes vídeos trouxeram-me à memória um episódio que jamais esquecerei, tinha eu uns oito ou nove anos de idade, décadas atrás, quando, chegado à aldeia do meu Pai, na companhia do meu irmão, ligeiramente mais novo do que eu, fizemos idêntica figura – ou ainda pior – às inúmeras pessoas que foram surpreendidas pelo Anatoly.

Chegados à aldeia cruzámo-nos, por mero acaso, junto à casa dos nossos Avós, com uma miúda que ali vivia, pouco mais velha do que nós, talvez com 11 ou 12 anos de idade, de corpo esguio e franzino e com mais um palmo de altura do que nós. Foi a primeira vez que a vimos, mas ainda hoje nos vamos cruzando com ela, aquando das nossas visitas à dita aldeia.

Eu e o meu irmão estávamos aperaltados e bem arranjados, quais meninos citadinos em passeio à humilde (e pobre, à altura!) aldeia, contrastando com a referida rapariga, que se apresentava descalça (por não ter o que calçar) e mal trajada. Outros tempos.

Aqueles dois rapazes, bem-trajados e calçados, com ténis desportivos, habituados à prática de educação física na escola, pensaram que desafiar para uma corrida, numa irregular e esburacada estrada de areia, uma rapariga franzina e descalça, sem acesso à prática desportiva de que beneficiávamos na cidade onde vivíamos, seria uma boa ideia e resultaria numa vitória fácil.

Bem enganados estávamos. Quase que nem a vimos partir e, num ápice, já ela estava no ponto de meta previamente acordado entre nós, ainda eu e o meu irmão íamos, com esforço, a meio caminho. Aceitámos, estupefactos, a derrota e a humilde lição, jamais esquecida.

É caso, uma vez mais, para se dizer que as aparências iludem.

Sim, as aparências iludem-nos frequentemente.

Muitas vezes julgamos uma pessoa, organização ou evento com base no que vemos no imediato, mas o que está à superfície nem sempre reflete a realidade. Alguém pode parecer superconfiante por fora, mas estar cheio de inseguranças por dentro. Uma organização ou situação pode parecer boa, mas esconder problemas sérios. E o contrário também é verdadeiro: algo que parece mau à primeira vista pode, efetivamente, ter um lado positivo que só o tempo ajuda a desvendar.

Lembrei-me de abordar este tema, associado a uma expressão tão conhecida por todos nós, dado que também eu, na minha carreira, por diversas vezes fui iludido pelas aparências.

A conquista profissional que maior satisfação me trouxe até hoje, no momento da confirmação da minha seleção para uma posição na equipa de gestão de uma das empresas por onde passei, veio, mais tarde, a relevar-se uma das piores e mais difíceis experiências da minha carreira; uma empresa vista como um caso de sucesso, mas recheada de problemas e com uma cultura nada saudável.

Em sentido contrário, uma opção que, anos antes, havia tomado na minha carreira, criticada por alguns dos meus colegas e chefias da empresa que me preparava para deixar, no sentido de ser, na opinião daqueles, um passo atrás na minha carreira, veio a relevar-se como um dos períodos mais gratificantes e que maior satisfação e crescimento profissional me proporcionaram.

Analisar e ponderar, de forma informada e racional, opções e decisões de gestão ou de carreira é sempre importante, mas sabendo de antemão que as aparências iludem e nem sempre as conseguiremos evitar.

Comentários
Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

Artigos Relacionados