Opinião

Alemanha à beira do precipício e porque Portugal deve preocupar-se

Randy M. Ataíde, investidor e consultor

Será este o fim do milagre alemão? Recentemente, uma estatística surpreendeu tanto o cidadão comum como economistas experientes: em termos de produção per capita, a economia alemã gera hoje aproximadamente o mesmo que o estado norte-americano do Mississippi.

Durante décadas, o Mississippi foi sinónimo do Sul pobre dos Estados Unidos — marcado pelas feridas da Guerra Civil e pela herança da escravatura —, enquanto a Alemanha se afirmava como a potência exportadora da Europa. Para os portugueses, uma comparação útil (ainda que injusta) seria dizer que o Mississippi corresponde às regiões mais rurais, mais pobres e menos desenvolvidas do país.

O facto de o trabalhador médio no Mississippi e o trabalhador médio alemão ganharem hoje cerca de 50 mil dólares por ano, e de o seu nível de produtividade ser semelhante, é, no mínimo, surpreendente. A economia alemã é agora, em termos de PIB, mais pequena do que a de três estados norte-americanos: Califórnia, Texas e Nova Iorque.

Para os Estados Unidos, esta é uma questão pessoal. Cerca de 45 milhões de americanos têm ascendência alemã e, se incluirmos as origens germânicas mais amplas (de regiões historicamente ligadas à Alemanha na Europa Central e Setentrional), o número sobe para cerca de 80 milhões — praticamente a população total da própria Alemanha.

Durante gerações, os americanos viram a Alemanha como um modelo de boa governação, prosperidade, estabilidade, organização e rigor financeiro. Desde 1950, o Ocidente pôde sempre “contar com a Alemanha”. Ver agora as duas convergirem — seja em termos de PIB per capita, seja de salários ajustados — parece uma mudança sísmica.

Isto levanta uma questão provocadora: terá chegado ao fim o chamado milagre alemão? O Wirtschaftswunder, ou “milagre económico”, foi a extraordinária recuperação do pós-guerra que transformou uma Alemanha devastada no motor industrial da Europa. Impulsionada pelo Plano Marshall, pela economia social de mercado, pela disciplina orçamental e por uma base industrial incomparável, a Alemanha tornou-se, na década de 1980, a terceira maior economia do mundo. Os seus automóveis, produtos químicos e máquinas-ferramenta tornaram-se sinónimo de fiabilidade e qualidade.

Durante meio século, esta combinação gerou prosperidade, estabilidade e uma reputação global de eficiência. O choque atual não é o Mississippi ter avançado repentinamente — continua entre os últimos lugares da América —, mas sim a Alemanha ter recuado.
Para os alemães, habituados a ver-se como líderes da Europa, esta comparação é psicologicamente devastadora. E devia preocupar todo o Ocidente — incluindo Portugal.

As implicações vão muito além de Berlim. A Alemanha é o pilar da zona euro; os seus excedentes comerciais financiaram boa parte da Europa. Uma Alemanha estagnada significa um crescimento europeu mais fraco, menor capacidade de defesa coletiva e uma voz menos influente nas questões globais — do clima à segurança. Se a Alemanha fraquejar, a Europa arrisca-se a ser marginalizada num mundo dominado pelos Estados Unidos e pela China.

Esta desaceleração deve ser encarada como um sinal de alerta para toda a Europa — Portugal incluído. Os líderes políticos, empresariais, empreendedores e da sociedade civil devem interpretar esta evolução como um apelo urgente à ação: é tempo de aplicar um “manual inverso” — um guia sobre o que fazer e, sobretudo, o que evitar.

Eis algumas ideias principais:

1. Nunca basear o modelo num único recurso barato — ou num único mercado: A competitividade da Alemanha assentou durante anos no gás russo barato e na forte procura da China. Quando ambos desapareceram, o modelo estagnou.
Portugal deve continuar a diversificar as suas fontes de energia, os seus mercados de exportação e os seus sistemas tecnológicos.

2. A capacidade da rede elétrica é uma questão estratégica: Em toda a Península Ibérica, o verdadeiro estrangulamento já não está na produção de energia, mas sim na transmissão. Os atrasos na rede elétrica alemã comprometeram a sua transição energética, e a própria Espanha alerta agora para uma saturação generalizada dos nós de ligação.

Portugal deve investir desde já no reforço da rede, no armazenamento e na reforma dos processos de licenciamento, para garantir que novos parques eólicos e solares, centros de dados, infraestruturas de carregamento elétrico e outros sistemas possam efetivamente ligar-se quando estiverem prontos. Esta é uma realidade global.

3. Aproveitar a vantagem atlântica — e consolidá-la: Portugal está a afirmar-se como uma porta atlântica para a energia e o digital. Sines encontra-se na rota de cabos submarinos de topo mundial e atrai centros de dados em larga escala preparados para a IA (como o Start Campus), bem como projetos de hidrogénio verde.

Agora é necessário criar uma via paralela de desenvolvimento humano — uma força de trabalho qualificada, motivada e devidamente remunerada para sustentar esta vantagem.

4. Licenciamento: agir rapidamente — mas com consenso local: Portugal deve simplificar processos de licenciamento sem gerar reações adversas que atrasem projetos estratégicos — grandes, médios ou pequenos. É essencial “acelerar” empresas e iniciativas críticas, considerando as especificidades de cada região. Existem vastos recursos mal aproveitados fora da área metropolitana de Lisboa que podem ser dinamizados.

5. Tratar a imigração como infraestrutura: Até agora, Portugal tem encarado a imigração sobretudo como uma questão humanitária — o que, evidentemente, é. Mas é também uma questão económica e estratégica. É fundamental alinhar vistos, incentivos fiscais e reconhecimento de qualificações com os setores prioritários e as necessidades regionais, e não apenas com agendas políticas nacionais. O que funciona em Leiria pode não resultar em Alcácer do Sal — e muito menos em Lisboa ou no Porto. A liderança política precisa de ser mais criativa, dinâmica e visionária.

6. Fechar o fosso do “scale-up”: Sempre que é preciso lidar com um banco português, sinto que deveria preparar-me com um bom cálice de vinho do Porto para começar. O sistema bancário e profissional português — especialmente nas áreas jurídica e imobiliária — está a travar a inovação em todos os níveis. Para responder às exigências do século XXI, Portugal deve aprofundar os canais de capital de risco e private equity, e dar maior autonomia às agências bancárias locais para resolver problemas de forma rápida e eficiente, pelo menos como requisito mínimo.

O Wirtschaftswunder alemão nunca foi concebido para durar para sempre. Foi um modelo específico para uma era específica.
A lição para Portugal — e para o resto da Europa — é clara: essa era terminou. O que vem a seguir não se parecerá com o passado, nem deve parecer-se.O milagre acabou. A questão agora é saber se um novo pode começar. É tempo de Portugal agir.

Versão em Inglês

Germany on the Brink and Why Portugal Should Care

Is it the end of  the German Miracle? A statistic made the rounds recently that startled both average Americans as well as seasoned economists: on a per-capita basis, Germany’s economy now produces roughly the same as the U.S. state of Mississippi.

For decades, Mississippi has been synonymous with America’s lower-income South, hobbled by the painful past of the American Civil War and the scourge of slavery, while Germany stood as Europe’s export powerhouse. For the Portuguese, right or wrong, a useful comparison is that Mississippi is the equivalent of the most rural, most impoverished, and poorest part of Portugal. That the average Mississippian and German worker each earn almost the same annual wage of $50,000 and their output is now similar is shocking, to say the least. The German national economy is now smaller by GDP that three individual states in the US, California, Texas, and New York.

For America, this is personal, because German-Americans compose about 45 million citizens, and if the category is broadened to Germanic (which includes historically connected regions to Germany in northern and central Europe) is about 80 million, or approximately the total population of Germany itself. And my experience has been that Germany has been one of the countries that Americans assume is well run, prosperous, stable, organized and financially secure. Since 1950, the West could always “count” on Germany. To see the two converge—whether measured by GDP per capita or adjusted wages—feels like a tectonic shift.

It raises a provocative question: has the “German miracle” finally ended? The Wirtschaftswunder, or “economic miracle,” was the extraordinary post-World War II recovery that turned a bombed-out Germany into Europe’s industrial motor. Fueled by the Marshall Plan, social-market economics, disciplined fiscal policy, and an unmatched industrial base, Germany became the world’s third-largest economy by the 1980s. Its cars, chemicals, and machine tools symbolized reliability and quality.

For half a century, this blend produced prosperity, stability, and a global reputation for efficiency. The shock is not that Mississippi suddenly leapt forward—it still ranks near the bottom of U.S. states—but that Germany has slipped backward. For Germans used to seeing themselves as Europe’s leaders, the comparison is psychologically devastating. And it should be for all of us in the West, including Portugal.

The stakes go far beyond Berlin. Germany anchors the eurozone; its surpluses financed much of Europe. A stagnant Germany means weaker EU growth, less capacity for collective defense, and a diminished voice on global issues from climate to security. If Germany falters, Europe as a whole risks marginalization in a U.S.–China dominated world.

This slowdown must be viewed as a flashing warning light for Europe, including Portugal. Political, business, entrepreneurial, and citizen leadership there should treat these development to quickly implement a “reverse playbook” a playbook of what to do—and what to avoid.

Here are some quick thoughts:

  1. Never bet the model on one cheap input (or one market). Germany’s competitiveness rode on cheap Russian gas and outsized China demand; when both shifted, the model stalled. Portugal should keep diversifying energy inputs and export partners, sources and systems.
  2. Grid capacity is strategy. Across Iberia, the bottleneck is increasingly the grid, not generation. Germany’s transmission delays crippled its energy transition; Spain is now warning of widespread node saturation. Portugal should front-load grid reinforcement, storage, and permitting reform so that new wind/solar, data centers, EV charging, and other systems can actually connect when ready. This is a global reality.
  3. Exploit the Atlantic edge—then make it sticky. Portugal is now an Atlantic digital/energy gateway: Sines sits on top-tier subsea cables and is attracting hyperscale AI-ready data centers (Start Campus) plus green-hydrogen projects. Now Portugal needs to build a parallel pipeline of a workforce that is motivated, trained and properly compensated to provide the human capital to maintain this edge.
  4. Permitting: move fast—and keep communities onside. Portugal should streamline licensing without igniting backlash that stalls strategic projects, large ,medium, and small. “Fast-track” critical companies and enterprises with thought given to the uniqueness of the various regions of Portugal. There are enormous mis-utilized and under-utilized resources far beyond Lisbon.
  5. Treat immigration like infrastructure. To date, Portugal has viewed immigration largely as a humanitarian issue, which of course, it is. But there is more to it. Align visas, tax incentives, and credential recognition to priority clusters that reflect more of the regional reality and not the national politic. What works in Leiria may not work in Alcácer do Sal, let alone Lisbon or Porto. Political leadership must be more creative, dynamic and visionary..
  6. Capitalize the scale-up gap. Every time I need to go to or communicate with a Portuguese bank, I feel like I need to prime myself with a hearty portion of a 20 year tawny just to begin. Portuguese banking and related professional systems, especially law and real-estate, are slowing innovation at all levels. To begin to catch up with the 21st century needs, Portugal should deepen equity and venture channels, and empower local bank branches to be able to answer questions and solve problems quickly and efficiently, as a minimum.

Germany’s Wirtschaftswunder was never meant to last forever. It was a specific model for a specific era. The lesson for Portugal, and indeed for the rest of the EU, is that era has clearly ended. What comes next will not look like the past—nor should it. The miracle is over. The question is whether a new one can begin. It is time for Portugal to react.

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Randy Ataíde

Randy Ataíde

Randy M. Ataíde é um experiente CEO, empreendedor e educador com mais de 40 anos de experiência prática de negócio. Atualmente é investidor e consultor numa grande variedade de empresas norte-americanas e portuguesas, em imobiliário residencial e comercial, hospitality e fabrico. Anteriormente, foi professor de empreendedorismo e vice-reitor de Negócios e Economia na Point Loma Nazarene University, em San Diego, Califórnia, período durante o qual publicou mais de uma dezena de artigos de investigação e capítulos de livros, e foi... Ler Mais..

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