Entrevista/ “A minha função é criar oportunidades para que os jovens não precisem de sair”

“A nossa melhor estratégia para o futuro tem a ver com posicionar-nos como uma cidade de inovação porque essa é a única maneira de criar riqueza e emprego”, afirma Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Em atividade há pouco mais de dois anos, a Unicorny Factory Lisbon, ou Fábrica de Unicórnios, é uma das grandes apostas do presidente da Câmara Municipal de Lisboa na área do empreendedorismo e da inovação. Em entrevista ao Link to Leaders, Carlos Moedas, que é também o mentor por trás da Fábrica de Unicórnios, defende o papel da inovação no crescimento económico, lembra a importância de olhar para a Europa para se ganhar escala, porque acredita que o caminho “é continuar a escalar, a abrir e a tornarmo-nos realmente um centro de inovação não só europeu, mas mundial”. Por isso, refere também o desenvolvimento de laços internacionais e a ligação com outros países, como é o caso de França com a Station F.
Carlos Moedas fala ainda do desejo de que o Web Summit continue a ser um ponto de encontro anual que contribua para reter talento em Lisboa, “porque isso é que fará a diferença na cidade”.
Lisboa já atingiu o estágio de empreendedorismo e de inovação que desejava?
Penso que há aqui um ponto sempre prévio que é muito esquecido, e em que os media têm um papel importante, o de que a inovação é, sobretudo, criação de emprego. É muito importante olhar para aquilo que é o papel da inovação hoje e ver que o crescimento económico depende da inovação, porque a única maneira de termos maior produtividade tem a ver com a inovação.
E essa inovação tem que ser uma inovação que crie novos mercados, que cria novos consumos e que por aí tem novos produtos e que as pessoas compram. E, aliás, os países mais produtivos e mais tecnológicos do mundo não são bons porque têm produtos baratos. São bons porque conseguem ter produtos que todo o mundo quer. E isso é o mais importante.
O Mário Draghi, no relatório que fez para a Comissão Europeia, dizia que a diferença da produtividade hoje nos últimos 20 anos entre a União Europeia e os Estados Unidos é exatamente essa diferença daquilo que é a tecnologia e a inovação. Ou seja, se retirássemos aos Estados Unidos essa parte, os Estados Unidos estava tão estagnado como tem estado a Europa. Portanto, isso é que faz a diferença.
Depois, onde é que essa diferença pode ser feita? Acho que ela não pode ser feita a nível macro na Europa, ela tem que ter aqui as sementes que nós plantamos a nível das cidades. A ideia da Fábrica de Unicórnios foi exatamente trazer para Lisboa essas sementes e essa capacidade de fornecermos inovação à própria Europa. Ou seja, nós aqui estamos como contribuidores. Portugal foi um país que recebeu imenso da União Europeia e acho que hoje tem um papel não de receber, mas de contribuir para a Europa e para que a Europa tenha as melhores empresas.
Lisboa, e respondendo à pergunta, teve um grande momento histórico quando começou a falar das start-ups há 10 anos, e tudo isso foi um caminho. Onde é que eu acho que a cidade, no fundo, não fez aquilo que tinha que fazer. É que ficou só a falar das start-ups e hoje a grande diferença que faz nesta produtividade da criação do emprego tem a ver com a capacidade dessas start-ups crescerem e serem grandes empresas. E nós ficámos com um ecossistema muito bom em start-ups, mas a diferença que eu quis fazer como presidente da Câmara era passar um bocadinho desse paradigma das start-ups para as chamadas scaleups, as empresas em crescimento.
E a ideia da Fábrica de Unicórnios era exatamente essa: que era dizer que uma start-up, de certa forma, é uma ideia. Uma start-up tem pessoas que tiveram a ideia, que pensaram a ideia, mas que não sabem forçosamente de marketing, de recursos humanos, da parte legal. Então eles têm de entrar numa fábrica, que lhes vai dar esses ensinamentos e que lhes vai trazer skills e as qualificações que eles não têm, e que as vai fazer passar de start-up para uma empresa grande.
E a Fábrica de Unicórnios começa com essa base, achando eu que para essas empresas crescerem elas têm de ter mentores, têm de ser pessoas que já passaram pelas mesmas dificuldades. E quem eram os melhores mentores? Eram os tais unicórnios. Portanto, foi aí que houve um trabalho grande, político, de tentar contactar todas estas grandes empresas pelo mundo fora e convidá-las a, pelo menos, terem alguma parte, alguma base, em Lisboa, sabendo que a marca Lisboa é uma marca que conta.
Às vezes quando digo que temos 14 unicórnios em Lisboa, eles não têm a sede em Lisboa. Eles estão cá, têm um escritório. Ao princípio, alguns tinham 10 pessoas, hoje têm muito mais. É o caso da Pleo que começou com 30 pessoas e hoje tem 300, e tantos outros que foram crescendo. Isso é muito importante para a cidade. Acho que esse movimento de start-up para scaleup tem sido, de certa forma, a minha contribuição daquilo que é uma visão para a cidade. E é essa visão que nos pode fazer passar para um outro patamar.
“(…) Lisboa, neste momento, é realmente essa atração de talento, essa capital da inovação (…)”.
Acha que já podemos dizer que hoje Lisboa está no bom caminho para ser um hub de inovação a nível europeu?
Já tivemos o reconhecimento porque em 2023, com o projeto da Fábrica de Unicórnios, ganhámos o prémio europeu da Capital da Inovação, que é um prémio muito diferente dos outros. É um prémio de mérito sobre um projeto já existente e que a Comissão Europeia reconhece como o melhor projeto europeu. E a Fábrica de Unicórnios foi considerado esse projeto europeu em 2023.
Esse movimento mostrou que sim, que Lisboa neste momento é realmente essa atração de talento, essa capital da inovação, e em que agora temos mais escolha. Ou seja, temos a escolha de pensar que tipo de talento é que queremos, onde é que queremos investir mais. E isso foi a segunda parte da Fábrica de Unicórnios, que foi depois pensar quais são os hubs ou os centros que devemos ter em Lisboa para atrair talento setorial.
Foi o caso do Web3, em Alvalade, que é um talento muito específico porque é uma computação muito específica. Foi o caso do gaming. A ideia surgiu porque nós tínhamos muitas empresas que vieram para cá, como foi o caso da Evolution e outras. Também temos o GreenHub, nas Avenidas Novas. Depois tivemos uma boa surpresa que foi na inteligência artificial, a própria Microsoft a querer fazer e daí a parceria e lançámos o AI Innovation Factory.
Às vezes digo aos Lisboetas: vão dar uma volta em Alvalade. Com o Web3 e a inteligência artificial, o próprio tecido urbano mudou. Há ali uma mistura de pessoas, que vêm de todo o mundo. Alvalade está a sofrer uma transformação em bom. Tudo isto tem aqui uma estratégia para a cidade e agora é continuar. Acho que agora estamos no melhor momento..
Quando é que este movimento começou?
Acho que houve realmente três fases. Houve a fase do Web Summit, que foi uma fase de trazer um grande evento. Houve a fase das start-ups, com muita gente a desenvolver ideias, a fazê-las marinar e ver o que é que dava. E agora faltava-nos este arranque. Não podemos ficar 20 anos a falar de start-ups. Temos que passar para outro nível e esse nível exige ambição, exige audácia das pessoas, e até uma certa mudança da mentalidade.
É muito interessante ver que o talento que vem de fora também muda a nossa própria mentalidade, ou seja, esta gente que vem de fora olha para a cidade com uma ambição e uma audácia que às vezes nós, portugueses, não conseguimos olhar. E é muito interessante esse misto.
Há um rapaz que veio de São Francisco e que trouxe para cá a empresa, a Bounce, e que me ajudou muito na altura da Capital da Inovação, que é Cody [Candee]. O Cody dedicou-se à Fábrica de Unicórnios nos seus tempos livres para ajudar em tudo, e quando eu o convidei para nos ajudar, para falar com a Comissão Europeia ele vende Lisboa de uma maneira completamente diferente de um lisboeta. Ele vê uma cidade vibrante, vê as pessoas. Acho que temos tido aqui casos muito interessantes.
“(…) a minha função é criar oportunidades para que os jovens não precisem de sair”.
Qual a aposta da autarquia na inovação social?
Com o dinheiro que recebemos da Capital da Inovação lançámos três prémios de inovação social, cada um de 120 mil euros. No fundo, foi virar a inovação para a área social, e como podemos desenvolver soluções no caso da educação, da saúde e da imigração. E o prémio foi tão atrativo que concorreram 300 ideias, e temos nove finalistas para estes três prémios. Dei-me conta de que muitos vieram de propósito para Portugal para concorrer àquele prémio.
Foi o caso da Virtual Leap, uma start-up de combate ao Alzheimer que vale a pena conhecer, com óculos de realidade virtual. No fundo para fazer treino ao nosso cérebro para evitar o Alzheimer. É do Hossein Jalali, que é iraquiano e que veio ao Web Summit, ouviu falar do prémio da Inovação Social, candidatou-se, mudou a empresa para Lisboa e já tem uma equipa a 16 pessoas. Esta é uma história maravilhosa, sobretudo num mundo em que vivemos com esta coisa, infelizmente, populista, anti-imigrante, às vezes por um lado, mas também quase anti-investimentos, anti-investidores que vêm do estrangeiro.
Eu estou sempre a dizer-lhes: vocês vêm para Portugal, mas têm uma responsabilidade social. Vocês têm talento, ganham dinheiro, mas depois têm que contribuir para a nossa sociedade. Têm que ajudar os nossos projetos de pessoas em situação de sem-abrigo, tem de ajudar como os imigrantes vão encontrar emprego.
O que nos levou também a uma ideia da própria Câmara de termos uma plataforma só para oportunidades de emprego para os imigrantes que lançamos recentemente.
E no lado oposto, o que é que ainda está a faltar a este universo de empresas e de start-ups para agarrar jovens portugueses que são um talento e vão para fora?
Vou lembrar uma história que me contou o Arun [Mani] que é o CEO da PLEO. Ele contava-me que na sua empresa na Dinamarca, onde tem centenas de pessoas, tem portugueses. E esses portugueses foram para lá, mas depois ficaram espantados de ele vir para cá.
As coisas mudaram muito e eu penso que muitos deles estão a voltar. Tenho imensos exemplos como a Sílvia que está na Cloudflare, um unicórnio que está em Alcântara, e que voltou para Portugal. Acho que esse movimento está a ser criado. Mas eu também nunca diabolizo a ideia, porque acho que isso é perigosíssimo. Acho que todos os jovens que têm uma experiência no estrangeiro, é ótimo. A questão é poderem voltar, e voltarem. Agora, a minha função é criar oportunidades para que os jovens não precisem de sair. Porque muitas delas, como era o caso da Sílvia, era um bocadinho como o meu caso quando sai do Técnico. Para ter uma boa oportunidade, tínhamos que ir lá para fora.
Neste momento, já começamos a ter oportunidades cá dentro para as pessoas poderem fazer a sua escolha. Mas eu não critico nada quem foi para fora. Eu fui para fora e voltei, outros foram para fora e voltam, etc. E acho que é bom esta diversidade. Acho que o mundo está-se a tornar muito perigoso porque as pessoas já estão todas a isolar-se cada uma no seu país.
Mas as empresas portuguesas também têm que ser um bocadinho mais proativas no sentido de darem aliciantes suficientes para que eles se mantenham cá…
Temos aqui classes diferentes de empresas. Estas scaleups, estas empresas tecnológicas, já têm níveis de salários muito atrativos. Portanto, não acho que isso hoje seja o problema. Acho é que há toda uma outra parte da nossa economia que não tem esses salários atrativos e que continua a ter salários muito baixos. E isso é um problema. Obviamente que um enfermeiro ganha muito mais lá fora do que ganha cá. Mas talvez uma pessoa a fazer Web3 tenha uma melhor qualidade de vida em Lisboa do que tem lá fora. Porquê? Porque aqui a vida, de certa forma, ainda é mais barata e ele está com um salário de França ou de Inglaterra…há quase o efeito inverso porque eles cá conseguem ter uma vida melhor do que se vivessem em Londres ou em Paris, em que tudo é muito mais caro.
Há preocupação da Câmara, nos projetos em que se envolve com as start-ups e com os concursos que são feitos, em haver sinergias e aproveitar as inovações a favor da própria cidade?
Sem dúvida. Nós temos uma Assembleia de Cidadãos, outros chamam Conselho de Cidadãos, em que temos feito uma experiência em tempo real muito interessante que é pôr 50 lisboetas, que não têm a ver com partidos nem com associações e que são escolhidas aleatoriamente – nós mandamos mais de 20 mil cartas para todas as freguesias-, e que durante dois dias vêm trabalhar na Câmara para desenvolver ideias para a cidade. E às vezes apanhamos pessoas estrangeiras que estão cá, que se inscrevem e que depois trabalham connosco para implementar a ideia na cidade.
A ideia da plataforma para o emprego dos imigrantes vem desse Conselho de Cidadãos. Estávamos a desenvolver uma plataforma com uma empresa privada e os cidadãos questionaram porque é que não fazíamos esta plataforma em várias línguas, porque é que não fazíamos isto dedicado aos imigrantes que chegam e que às vezes não sabem para onde se virar.
Esta ideia da plataforma para o emprego dos imigrantes, que, aliás, já tem 6 mil ofertas de emprego, surge dessa interação com os cidadãos porque acredito verdadeiramente que o que se passa hoje no afastamento das pessoas com a política é que as pessoas não conseguem perceber como é que podem participar e isso afasta-as da política. Portanto, estas ideias do Conselho de Cidadão são muito diferentes daquilo que eram os Orçamentos Participativos porque os Orçamentos Participativos eram quase uma escolha binária entre, será que no bairro queremos isto ou queremos aquilo. Aqui não. No Conselho de Cidadãos é vir para a Câmara trabalhar no desenvolvimento de uma ideia de raiz e depois implementá-la e vê-la crescer. E isso tem sido uma experiência muito boa que temos feito na Câmara.
“Ao criarmos riqueza e emprego podemos cuidar dos mais vulneráveis da sociedade”.
Que projeto é que gostaria de implementar na cidade ao nível de empreendedorismo e que ainda não teve hipótese de colocar em marcha? Um sonho para concretizar?
O sonho é continuar a ter realmente a Fábrica de Unicórnios, que ainda tem vários edifícios para desenvolvermos, e depois continuar a lançar estes centros de tecnologia verticais – já temos quatro, espalhados pela cidade, mas vamos ter mais -, para ir atraindo talento. No fundo, a Fábrica de Unicórnios começou só no Beato e agora já temos em Alvalade, no Técnico, com o Centro Tecnológico do Técnico, e tudo isso faz parte desse movimento da cidade da inovação.
A nossa melhor estratégia para o futuro tem a ver com posicionar-nos como uma cidade de inovação porque essa é a única maneira de criar riqueza e emprego. Ao criarmos riqueza e emprego podemos cuidar dos mais vulneráveis da sociedade.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há muitas cidades que têm uma parte da inovação, mas depois têm pessoas a dormir na rua. Acho que Lisboa nesse aspeto, apesar dos problemas que temos, e que é um problema de dia a dia, somos das cidades que consegue combater melhor o problema, comparado com qualquer outra dessas cidade. E nessas cidades isso está a criar imensa fricção social como é o caso de São Francisco, nos Estados Unidos, e outras cidades, em que há uma fricção social enorme porque não se cuidou desta outra parte, da envolvência.
O que é que Lisboa pode fazer pelo empreendedorismo a nível nacional? Ou seja, qual é o peso que Lisboa tem naquilo que pode ser o empreendedorismo português, na dinamização da economia portuguesa? Quem diz Lisboa diz o Porto e as principais cidades nacionais.
No fundo, o peso económico de Lisboa é enorme comparado com o resto do país. Nós vamos buscar efetivamente o talento lá fora, mas também vamos buscar o talento a muitos portugueses que se tornam lisboetas e que vieram de outros lados.
Aqui o ponto é como é que nós, Lisboa, podemos conectar-nos e sermos um bocadinho o centro do que estamos a fazer com outras cidades. É o caso da nossa ligação com Braga, ou caso da nossa ligação com Cabo Verde. Por exemplo, temos trabalhado muito com Cabo Verde para conseguir ter lá uma primeira iniciativa de uma Fábrica de Unicórnios. Lisboa pode ser o agregador de muitas destas coisas. Nós somos um bocadinho o centro, ou o pilar, e conseguimos ligar-nos a todo o país e depois à Europa.
Aqui o ponto é como é que nos ligamos à Europa e como é que a Europa vem aqui financiar e olhar para estes projetos que, no fundo, já estão tratados a nível da Fábrica de Unicórnios.
Quando eu era Comissário Europeu, por exemplo, quando chegava aos países tinha um bocadinho de dificuldade em avaliar quais eram os bons e os maus projetos. Nós [Fábrica de Unicórnios] somos um filtro, quem passa pela Fábrica de Unicórnios já tem um selo de qualidade para o financiamento. É um selo de qualidade no sentido em que já é uma garantia de qualidade para a União Europeia. E, portanto, nisso eu penso que podemos ter um papel muito grande, ser um ponto para as outras cidades também se juntarem a nós.
Pela sua explicação, percebe-se que a sua ambição não é só a nível nacional, mas está de olhos postos na Europa…
Sem dúvida, porque no fundo hoje a Europa é escala. Aliás, hoje o que se passa com muitos jovens europeus é que a dificuldade na Europa em termos de burocracia, em termos de regulamentos dos vários países – que é um dos pontos que o Mário Draghi quer mudar com um estatuto europeu da empresa que seja igual para todos -, leva-os a ir para os Estados Unidos porque têm um mercado maior e só precisam ter um tipo de regulamento ou de lei para todo o país.
E Lisboa tem que estar posicionada nesse avanço. Ou seja, para passar de uma start-up para uma scaleup é preciso ter escala e para ter escala é preciso ter gente e, portanto, Portugal só tem uma hipótese que é estar a fazer algo para um mercado de mais de 400 milhões de pessoas.
Pode ser também para dentro, mas para dentro é sempre limitado. Nós somos 10 milhões, a Europa são mais de 400 milhões. Há uma ideia na inovação que é central: sem escala não há inovação. Ou seja, pode haver ideias novas, mas como é que elas se transformam, como é que elas vão vingar… é fundamental a escala e, por isso, Portugal precisa tanto da União Europeia porque a União Europeia é que nos pode dar esse sentido de escala.
“Temos estado em ligação também com outros países, como é o caso de França com a Station F (…)”.
Com dois anos de Fábrica dos Unicórnios, com imensos acordos, parcerias, programas de aceleração e iniciativas desenvolvidas, quais são os próximos investimentos? O que é que está em agenda para o projeto de Fábrica dos Unicórnios?
Temos as partes físicas, o edifício que temos da Fábrica do Pão e outros edifícios que vão ter que ser desenvolvidos. Isso é importante, mas sobretudo é continuar. O programa mais importante é o das scaleups que é um programa que já teve seis edições, por onde já passaram 40 empresas. E as empresas que passaram por esses programas conseguiram levantar no mercado de capitais mil milhões.
E isso é o maior orgulho que eu tenho porque estarem ao nível de levantar capital de mil milhões é porque já são empresas que contam. Já conseguiram passar de start-up a scaleups senão não tinham conseguido levantar no mercado este tipo de valores.
A minha ideia é agora também escalar. Temos estado em ligação também com outros países, como é o caso de França com a Station F, que é outro grande centro de inovação em Paris. Portanto, é continuar a desenvolver internacionalmente estes laços, por um lado, tentando ser o ponto de âncora para outras cidades portuguesas e também para países como Cabo Verde, e depois fazendo a ancoragem com aquilo que é o projeto europeu do European Innovation Council, que é o maior projeto de inovação da Europa e que pode ser uma fonte de financiamento para estas empresas.
Se elas levantarem estes montantes e tiverem clientes europeus acho que podemos ter em Portugal, e em Lisboa neste caso, uma criação de emprego enorme. Temos 14 unicórnios, já temos 70 empresas tecnológicas e vamos contando o número de empregos que elas vão anunciando e já vão em 16 mil. Ora 16 mil empregos numa cidade como Lisboa é um número muito interessante. São muitos postos de trabalho e são postos de trabalho do futuro, são postos de trabalho qualificados, em que as pessoas vão ser bem remuneradas e podem contribuir para a cidade.
Em relação à sua pergunta, é continuar a escalar, a abrir e a tornarmo-nos realmente um centro de inovação não só europeu, mas mundial. Acho que devemos ter essa ambição não só europeia, mas mundial e temos tudo para o fazer.
“(…) o Web Summit continua a ser muito importante porque é um ponto de encontro anual”.
Qual o impacto que ainda tem hoje em dia, e qual o impacto que perspetiva no futuro, para o Web Summit?
O Web Summit é um projeto fantástico. Hoje já estamos noutro patamar, mas o Web Summit continua a ser muito importante porque é um ponto de encontro anual. A minha ambição era que desse ponto de encontro anual depois pudéssemos ter o talento a ficar cá, como foi o caso que já falei do Hossein Jalali, do Iraque, que veio ao Web Summit e montou cá a empresa. E é isso que talvez, durante alguns anos, nos faltou. Tínhamos o Web Summit em que as pessoas vinham e iam-se embora. A questão é como retemos esse talento em Lisboa, porque isso é que fará a diferença na cidade.
Hoje a grande concorrência no mundo é entre cidades, não é entre países. As pessoas não escolhem ir para o país A, B ou C. Escolhem ir para a cidade A, B ou C. E isso é muito diferente. Portanto, essa concorrência entre cidades, que é salutar, mas ao mesmo tempo é aquilo que depois define o sucesso económico até do próprio país. Lisboa é uma âncora do crescimento para todo o Portugal.
Então o Web Summit continua a ter um peso importante e a ser uma porta de abertura ao mundo?
Muito importante. Acho que nós somos essa porta de abertura, a porta principal. Depois obviamente as outras cidades também fazem o seu papel e têm os seus projetos que eu gosto muito, seja no Porto, seja em Braga. São projetos incríveis, com o caso de Braga, com o Carlos Oliveira que tem feito um trabalho incrível na inovação.
“Não se conseguem salários mais altos só por decreto. Conseguem-se salários mais altos se investirmos na inovação”.
Qual o cunho pessoal que gostaria de deixar no empreendedorismo em Lisboa e, num âmbito mais alargado, a nível nacional?
São dois. Do ponto de vista político, que as pessoas percebam a importância da inovação como a única maneira que temos de criar emprego sustentável e emprego qualificado. Falamos muito que em Portugal os salários são baixos, e é verdade, então a única solução que temos para eles serem mais altos é a inovação. Não temos muitas outras. Não se conseguem salários mais altos só por decreto. Conseguem-se salários mais altos se investirmos na inovação. E, por outro lado, este legado da Fábrica de Unicórnios, que é um legado que deixa à cidade um nível de ambição diferente. A ambição de que podemos chegar lá, de que não devemos nada aos outros. Aliás, os outros querem vir para cá.
Quando eu falava na Fábrica de Unicórnios, muita gente dizia que em Portugal só temos sete unicórnios e, neste momento, temos o dobro em Lisboa. Às vezes dizem-me, “mas não são portugueses”. Eu não quero saber se são portugueses, eu quero é que eles cá estejam. Isso é que é importante.
Acho que aí conseguimos dar uma lição de que a questão aqui não é quantos unicórnios é que produzimos em Portugal, mas quantos é que cá temos para produzir futuros outros. E hoje Lisboa tornou-se um centro atrativo para essas pessoas virem.
Também me preocupa, e para mim é importante, que tenhamos um país que funcione, que não crie entraves às pessoas virem para cá para desenvolverem as suas ideias. E isso não depende de mim. Depende do Governo. É muito importante que tenhamos a consciência de que é importante cuidar destas pessoas e que quando vêm para cá o pior que pode lhes acontecer é terem uma má experiência em Portugal.
E a nível governamental, acha que está a ser feito o que é necessário para que isso aconteça? Ao nível de incentivos fiscais e todo um conjunto de coisas que podem ser um aliciante. Vamos no bom caminho ou não?
Acho que esteve muitos anos no mau caminho, mas tenho muita confiança que o ministro da economia, que é uma pessoa que conhece muito bem este mundo, possa ter força em relação ao ministro das finanças para este equilíbrio, para conseguirmos continuar nesse caminho. Mas acho que até mais do que o incentivo fiscal, que é importante, é retirar a burocracia.
Quem escolheu vir para cá não veio especialmente a pensar num grande desconto fiscal, mas vieram porque querem estar, porque se sentem bem em Lisboa. O que eles querem é não ter entraves burocráticos e nós temos historicamente esta burocracia muito grande que se instalou no país e que desanima as pessoas. Ainda há um caminho a percorrer, mas acredito. Este Governo tem estado a tomar medidas e, aliás, um dos pacotes económicos que o ministro Pedro Reis lançou tem muito a ver com isso.
Podemos dizer que a Fábrica de Unicórnios é o seu cunho pessoal?
Sim, acho que sim. Para o bem e para o mal porque na altura foi muito atacado. Fiquei de certa forma espantado pela reação das pessoas e dos ataques, porque acho que eles demonstram que, no fundo, o país estava tão em baixo que as pessoas já não acreditavam. Eu estava a lançar-lhes uma ideia que era demasiado ambiciosa, ou que achavam que nem sequer podíamos ter aquele nível de ambição. E isso na altura até me chocou.
Por outro lado, é verdade que politicamente uma pessoa que se lança a presidente da Câmara falar destes temas, não é aquilo que os assessores políticos achariam melhor. Mas eu acredito verdadeiramente que é mesmo importante para o nosso futuro.