Opinião

Tenho 67 anos. Deixei a minha profissão aos 60 anos. Muitos questionaram essa opção pois como Global President de uma multinacional de marketing e publicidade, a Havas, poderia simplesmente continuar na função até que chegasse a idade natural da reforma.

A atividade em que se inseria a empresa enfrentava então, como ainda hoje, os ventos furiosos da digitalização e da concorrência direta e indireta de nomes como Google, Facebook, Instagram e outros (o Tik Tok ainda nem existia). Lembro-me do dia em que, numa reunião em Nova Iorque fui chamado a substituir o nosso diretor local numa mera missão de representação.

Versava a campanha sobre uma das primeiras tentativas de automação do diagnóstico médico (e que veio a fracassar). Do princípio ao fim da reunião não percebi nada do que à minha volta se discutia. Isto é, entendia as palavras, mas não conhecia os conceitos e ferramentas a que aludiam pois todos eles eram recentes ou estavam ainda em experimentação.

Fui incapaz de acrescentar qualquer valor para o cliente ou para a minha empresa. E percebi que o meu mundo já não era o meu e que, sem me dar conta, estava pregado ao passado que até ali gloriosamente me trouxera. Poucos meses depois, em acordo com o acionista, preparei a minha longa saída – durou mais de um ano e meio – e deixei para outros continuar a missão que me tinha sido confiada. Fiz bem. A empresa mantém-se viva e próspera, tal como outros, antes de mim, a tinham deixado e para a qual dei também o meu contributo.

Assistimos nestes dias ao calvário de Joe Biden naquilo que poderíamos chamar o estertor da vida de um extraordinário político. E penso como é sempre preferível reconhecer a nossa caducidade e como os cemitérios estão cheios de pessoas indispensáveis. Não sou, de todo, alguém que defenda que a idade deve ser um critério de negação de direito ao trabalho, direito esse que está, aliás, consagrado na nossa constituição no seu artigo 58.º que diz, no seu número 1 – “Todos têm o direito ao trabalho”.

Curiosamente, porém, a lei também permite aos empregadores impor a aposentadoria a partir dos 70 anos. O direito ao trabalho é assim o único que tem data de caducidade. Mas há trabalho e trabalho. Quando as paradas são muito elevadas, a idade é manifestamente uma limitação, por muito que me custe admitir. O Presidente de um país não pode ser um ancião titubeante, o CEO de uma multinacional tem que dominar todos os aspetos do seu negócio, incluindo os que ontem surgiram, um Capitão nas trincheiras tem que correr ao lado dos seus soldados, sem perder a passada.

O trabalho dignifica e socializa. Acho que a Constituição acerta quando o define como um direito. Mas o trabalho, por definição, deve acrescentar e não retirar, dar asas e não lastrar. Se a missão está cumprida e a mente não acompanha, o melhor mesmo é passar o testemunho.

* Este artigo foi escrito antes da recente renuncia do Presidente Biden à sua reeleição

Comentários
Ricardo Monteiro

Ricardo Monteiro

Ricardo Monteiro é ex-presidente global da Havas Worldwide e ex-chairman global da Havas Worldwide,empresa de marketing e publicidade com presença em mais de 70 países e líder em Portugal. É speaker internacional, comentador de política internacional e economia na CNN e professor convidado da Porto Business School. Foi administrador não-executivo na Sonae MC, e special advisor no jornal Público entre 2018 e 2022. Ricardo Monteiro é casado com Leonor Jesus Correia, pai de quatro filhos e cinco vezes avô. Os... Ler Mais..

Artigos Relacionados