Opinião
A escolha é sua

As escolhas que fazemos – já o sabemos – têm impacto. Até uma não decisão tem implicações. E mesmo que falemos de coisas aparentemente simples, como reorganizar os vários ecrãs e as apps no nosso smartphone, podem ser bem mais prementes, profundas e de resultados dramáticos (positivos ou negativos) do que imaginávamos à primeira vista.
Quando algo no ecossistema muda, podemos ficar indiferentes ou podemos mudar também. À recente alteração do ecossistema (no meu caso iOS) com a possibilidade de ajustar aos ecrãs do telemóvel vários widgets, dei por mim numa primeira fase a resistir. Raios, querem lá ver! Então já estou tão habituado a esta organização e já sei onde está cada ícone que até de olhos vendados lá chegaria. Para quê mudar? Só para complicar a vida.
Mas depois refleti um pouco mais no que isto poderia significar – mais do que poder mexer com a “casa”, pensar um pouco no que isto poderia impactar na nossa vida fez-me ir procurar informação.
Ao que se prova, organizar as nossas apps no telemóvel não é um tema tão inócuo assim. Foram dezenas de estudos feitos nos últimos anos referenciados na pesquisa que fiz. E no final, conseguimos perceber algumas conclusões.
As pessoas organizam as suas apps essencialmente segundo estes princípios:
- Por frequência de uso (com os mais usados nos primeiros ecrãs).
- Por relação de uso (juntando nos ecrãs e entre apps aquelas que são para fins iguais).
- Por questões de usabilidade (por exemplo colocando no fundo do ecrã apps mais usadas para estarem mais facilmente acessíveis com o polegar).
- Por questões estéticas (organizando por similitudes gráficas de forma a criar uma harmonização dos ecrãs).
- Ou por questões externas (por exemplo pela ordem com que já vinham instaladas por defeito, ou pela ordem de instalação ou até por ordem alfabética).
Seja como for, e mais uma vez, o impacto destas decisões não é neutro na nossa vida. Desde os estudos locais da Marktest ou internacionais como o da Deloitte, os indicadores variam, referindo que diariamente recorremos entre 50x a 60x aos smartphones e entre 2h30 a 3h30 (consoante países ou grupos etários e atividade profissional).
Portanto, se o ecrã que abre é por defeito o primeiro, então que impacto pode isto ter nas 2h a 3h por dia do que vê, do que lê, do que faz e do que o/a inspira, motiva, enerva, pressiona ou relaxa? Para além das apressadas notificações, ao abrir a janela luminosa coloca sempre visíveis em primeira mão aplicações sociais a lembrá-lo/a de quantas mensagens e interações esperam por si, absorvendo mais e mais tempo para lá voltar? Ou ‘empurra’ essas apps para pastas e para ecrãs mais distantes, colocando assim outras apps em primeiro e ‘forçando-se’ assim a ver outro tipo de informação? E que apps devem ser essas, que queremos passar a ver mais?
Se algo temos falado de 2020 é que este ano nos possa ter mostrado o que de mais essencial queremos e valorizamos da vida. E ainda que uma reflexão aparentemente fútil ou menos premente como esta de organizar as apps no smartphone possa parecer deslocada da reflexão profunda, pense no entanto nos próximos 365 dias e nas 2h a 3h/dia da sua vida. Se 1/3 do tempo passado em frente do smartphone for de uso fora do trabalho, então a escolha que fizer de quais as apps e widgets que coloca à sua frente mais vezes vai certamente tornar a sua vida menos stressante e quem sabe mais interessante.
Dê uma oportunidade à reflexão. Nestes dias de pausa merecidos, num momento de manta, sofá, chá na mão e telemóvel na outra, obrigue-se a sair da rotina e reequacionar o status-quo. Mexa no que tem à sua frente. Estamos a falar do que pode impactar 300 a 600 horas da sua vida no ano que vem. Não é coisa pouca.