Opinião

A ciência não é para mulheres!?

Anabela Possidónio, Integral Coach

Recentemente estive a reler com detalhe o estudo Program International Student Assessment (PISA). O PISA decorreu em 79 países e envolveu 600.000 alunos de 15 anos de idade.

Este estudo propõe-se avaliar o nível de proficiência dos alunos em leitura, ciência e matemática. No último ano em que foi realizado (2018), cujos resultados foram apresentados no final de 2019, debruçou-se essencialmente sobre a componente de leitura.

Uma das conclusões que nos deve deixar a pensar é que para a média dos países da OCDE, 90% dos jovens não consegue distinguir um facto de uma opinião. Este resultado em si mesmo é bastante preocupante, especialmente se tivermos em consideração que com a proliferação de redes sociais e da internet, é fundamental a capacidade de fazer uma análise crítica, porque é essa análise que nos permite distinguir um facto de uma fake news. Essa mesma capacidade é essencial para que tenhamos sucesso num mundo em que cada vez mais somos bombardeados com informação.

Quando olhamos para os dados relativamente a Portugal, os mesmos são positivos em várias dimensões, mas houve um dado, menos positivo, que me chamou a atenção. Dos jovens que tiveram uma melhor performance na componente de ciências e/ou de matemática do teste, 50% dos rapazes tem intenção de prosseguir os estudos na área de ciências ou engenharia, sendo que essa percentagem é de apenas 15% no caso das raparigas.

Este dado é ainda mais preocupante, quando percebemos que o gap de género é o maior de todos os países onde o estudo foi feito, pelo que urge que reflitamos sobre as razões que estão por detrás deste número.

Algumas das questões que nos devemos colocar são:

– Porque é que esta diferença é tão acentuada?
– O que estaremos a fazer de errado, enquanto sociedade, para estarmos a desperdiçar este manancial de talento?
– Estará o sistema educativo, no sentido alargado do termo, ou seja, incluindo a educação que é dada em casa, a ‘empurrar’ as raparigas para profissões mais tradicionais, associadas ao conceito de cuidar?
–  O que devemos fazer para expor as raparigas às áreas de ciências e matemática?
– Como as podemos motivar?
– Será que são as próprias raparigas que inconscientemente cometem auto-sabotagem e assumem que estas são profissões de homens?
– Como é que lhes mostramos o potencial destas áreas num contexto mais amplo daquilo que é o futuro do trabalho?

Creio que o número de questões é interminável e que, tal como eu, os que estiverem a ler este artigo devem ter um conjunto de questões e ideias que poderão ajudar a endereçar esta questão.

Do meu lado, nos inúmeros contactos que tenho com jovens, faço questão de os ajudar a perceber as suas verdadeiras motivações, o que fazem bem, o que as faz feliz, e como é que isso se liga à profissão que podem vir a ter. Gosto também de explorar os seus preconceitos e como é que isso pode influenciar as suas escolhas. Assim como o papel da família e o quão pressionadas se sentem para seguir determinada profissão.

Curiosamente, o que me tenho apercebido é que nesta faixa etária, para lá de não se conhecerem, tanto as raparigas como os rapazes têm pouca noção de quais vão ser as profissões do futuro, não tomando essa componente em consideração no processo de escolha. Aliás, não deixa de ser curioso que, de acordo com o PISA, 50% dos jovens faz recair a sua escolha em 10 profissões, tipicamente associadas ao século XX.

Gostaria ainda de referir que, nas minhas interações com os jovens, é bastante comum que me digam que gostavam de ser engenheiros, enquanto muito raramente obtenho essa resposta de uma rapariga.

Será este um resultado direto de “ser bastante difícil ser aquilo que não conseguimos ver?”

A ser assim, temos que dar maior visibilidade às cientistas e engenheiras. Para além disso, é responsabilidade de todos nós motivarmos as jovens para estas áreas (a começar em casa), garantindo que as raparigas entendam que engenharia e ciências não fazem parte do clube do Bolinha em que “menina não entra”!

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Anabela Possidónio

Anabela Possidónio

Anabela Possidónio é fundadora e diretora-geral da Shape Your Future, que tem como missão ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais. Assume também o cargo de diretora-geral da Operação Nariz Vermelho. Tem uma vasta carreira corporativa de mais de 25 anos, onde assumiu posições de liderança em diversos setores (Saúde - CUF; Educação - The Lisbon MBA; Retalho - Jerónimo Martins e Energia - BP), em diferentes países (Inglaterra, México, Espanha e Portugal) e empresas... Ler Mais..

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