Opinião

A chamada Taxonomia Ambiental, não é só ambiental!

Margarida Couto, presidente do GRACE

Nos termos da Taxonomia Ambiental Europeia (Regulamento (UE) 2020/852), que entrou em vigor já há dois anos, só podem ser consideradas (e reportadas como) ambientalmente sustentáveis pelas empresas as atividades que cumpram determinados requisitos. Um desses requisitos tem natureza eminentemente social e foi finalmente dado a conhecer o documento que propõe os requisitos que terão de ser observados na matéria.

Com efeito, para que uma determinada atividade possa ser considerada sustentável, a mesma tem de ser levada a cabo em conformidade com as “salvaguardas mínimas” estabelecidas no artigo 18.º da Taxonomia, disposição que exige a criação, por parte das empresas, de procedimentos, que assegurem o cumprimento (i) das Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais; (ii) dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos; (iii) das 8 convenções da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho; e (iv) da Carta Internacional dos Direitos Humanos.

No passado dia 11 de julho, a Plataforma sobre Finanças Sustentáveis (organismo que aconselha a Comissão Europeia em muitas das matérias do European Green Deal) submeteu a consulta pública o projeto do há muito esperado, e já atrasado, “Relatório sobre as Salvaguardas Mínimas da Taxonomia”, documento que contém orientações detalhadas sobre o que as empresas terão de fazer para poderem afirmar que desenvolvem os seus negócios em conformidade com ditas salvaguardas mínimas.

E, no que se refere ao cada vez mais relevante tema – de cariz social – do respeito pelos direitos humanos, talvez para surpresa de alguns, o Relatório é claro em “exigir” quer a implementação de processos adequados de diligência devida (due diligence), quer a aplicação adequada desses processos.

Ou seja, contrariamente ao que porventura muitos antecipariam, o que este Relatório nos diz é que, para cumprir as salvaguardas mínimas, não basta que uma empresa adote políticas internas ou disponha de documentos que reflitam as Diretrizes da OCDE, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos ou as convenções da OIT. Pelo contrário, o Relatório afirma de forma explícita que existe um mal-entendido em relação ao que realmente significa o cumprimento das salvaguardas mínimas, indicando ser necessário que as empesas implementem ativamente processos de diligência devida e reportem esses processos. E di-lo com uma clareza cristalina – “O primeiro passo para avaliar o cumprimento das salvaguardas mínimas é compreender se uma empresa reporta sobre a abordagem adotada em termos de diligência devida. Se isso não suceder, um elemento central dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos está em falta e a empresa não pode ser considerada como estando em cumprimento das salvaguardas mínimas.”

Em suma, a implementação de procedimentos de diligência devida em matéria de direitos humanos está no centro da conformidade de uma empresa com as salvaguardas mínimas. Isto significa, na prática, que as empresas que não tenham procedimentos adequados (ou que não os tenham de um todo!), serão consideradas em incumprimento dessas salvaguardas, com a pesada consequência de nenhuma das atividades económicas por si desenvolvidas poder ser considerada como “ambientalmente sustentável”, à luz da Taxonomia. E com a agravante de que este estatuto “de incumprimento” será mantido até que a empresa demonstre que os seus processos de due diligence foram suficientemente desenvolvidos, a ponto de tornar pouco provável a verificação de uma violação de direitos humanos, laborais, etc. Se dúvidas houvesse de que a Taxonomia não é “apenas” ambiental, digamos que elas ficam agora dissipadas!

A consulta pública a que o Relatório foi submetido terminou no dia 22 de agosto, sendo esperada uma versão definitiva do mesmo em setembro ou outubro e a adoção de um texto final pela Comissão Europeia até ao final do ano.

Dado que as obrigações de reporte de informação de sustentabilidade ao abrigo da Taxonomia se aplicarão, já a partir de 2024, a todas as empresas que não sejam PME (e a partir de 2023 às empresas cotadas), e tendo em atenção que são infelizmente muitas as que ainda não dispõem de Políticas de Direitos Humanos e, menos ainda, de processos de due diligence – não apenas definidos como efetivamente aplicados! – este é um tema ao qual há que dar imediata atenção. E, dada a magnitude da empreitada, já não é cedo para começar!

No GRACE, estaremos ao lado dos nossos associados, também neste passo da sua jornada de sustentabilidade, o qual, no contexto ESG, vemos como sendo tanto um passo do “E” quanto do “S”, mas também do “G” – sem um bom sistema de governo, as salvaguardas mínimas da Taxonomia não conseguirão ser cumpridas!

*Presidente do GRACE em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados

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Margarida Couto

Margarida Couto

Margarida Couto é licenciada em Direito e pós-graduada em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Integra a Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados (VdA) desde 1988, sendo a sócia que lidera a área de prática de Telecomunicações, Media e Tecnologias da Informação e a área de prática do Terceiro Sector e Economia Social. É a sócia responsável pelo Programa de Pro Bono e de Responsabilidade Social da VdA, presidindo ao Comité Pro Bono... Ler Mais..

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