Opinião

Flávio Gioia, hoje uma modesta estátua plantada junto ao mar na cinematográfica cidadezinha de Amalfi, terá merecido esta homenagem por agarrar na bússola dos chineses e ajustá-la à navegação na tortuosa costa amalfitana. Não há grandes registos de ter contribuído para uma revolução planetária – mas na sua terra Flávio é o maior.

Há um par de meses, a sempre bem penteada presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou uma nova prioridade para a Europa, a “Bússola para a Competitividade”, apontando o foco dessa competitividade para a indústria europeia. Como Flávio, não quer resolver tudo de uma vez só. Faz bem.

A indústria europeia perde quota no volume de produção mundial há anos sucessivos, de forma galopante e na generalidade das chamadas indústrias tradicionais. Por culpa própria, na sequência dos movimentos de deslocalização da produção, mas também por culpa do mercado, com o impulso da produção na ásia e no continente americano. As consequências hoje são evidentes: perda de autonomia estratégica da Europa, dependente desses produtores, e quebra nas cadeias de abastecimento. Esta “Bússola para a Competitividade”, diz a senhora Leyen, tornará a Europa no líder industrial do planeta no século XXI.

Muitas vezes desconfio da excessiva ambição dos políticos, não neste caso. Há anos que na nossa Core Capital investimos na indústria de produção de bens transacionáveis e, por isso, entendemos a sua força. Os clientes pagam de facto mais por muito mais qualidade, e a indústria europeia oferece-lhes isso mesmo: produção de enorme qualidade, independência estratégica e garantia de controlo das cadeias de distribuição.

Portugal, nesta Bússola europeia, tem a extraordinária possibilidade de relançar e fortalecer a sua base industrial, feita de PME’s maioritariamente familiares cuja proposta de valor única está no saber fazer acumulado de décadas, que depois se vê na qualidade do que produz. Só tem de fazer como Flávio: ajustar a Bússola de Leyen, como ele fez com a dos chineses, às suas necessidades. Fácil?

Se o ministro da economia Pedro Reis for fiel aos princípios económicos que se lhe conhecem, que consistem em acreditar que uma indústria forte, aberta a investimento externo, tem efeito catapulta na economia nacional, sim, é fácil. Mas falta-lhe um instrumento importante: criar um fundo de fundos com dinheiro privado e público cujo foco de investimento se concentre nas prioridades estratégicas dessa agenda de reindustrialização europeia.

Também aqui não é preciso complicar: este fundo deve ser promovido, como no resto da Europa, pelo nacional Banco de Fomento (em Espanha chama-se ICO, por exemplo) em parceria com dinheiro privado trazido por sociedades gestoras de capital de risco competentes. A vantagem do fundo de fundos é, justamente, essa amplitude – não se destina a um objetivo só, mas a todos aqueles cuja política de investimento contribua para o desígnio da reindustrialização. Não é por acaso que a Bússola de von der Leyen promete, sobretudo, flexibilizar e agilizar. Menos regras, maior liberdade e um único foco: fortalecimento das capacidades industriais, com a consequente geração de emprego e alinhamento com as agendas de inovação e de infraestruturas críticas, como a rede de transportes, energia e comunicação.

Portugal, e o ministro Pedro Reis, podem ser o Flávio desta história, aproveitando a dinâmica alheia para acertar o seu caminho. Ainda lhe fazem uma estátua.

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Martim Avillez Figueireido

Martim Avillez Figueireido

Martim Avillez Figueiredo é fundador e sócio senior da CoRe Capital, GP de fundos de private equity. Antes, foi COO do Grupo Impresa e anteriormente Head of Brand do SonaeGroup. Ex-jornalista, foi fundador e acionista do jornal i, eleito Jornal Europeu do Ano e, entre outros cargos, foi diretor do Diário Económico, o principal jornal financeiro português diário. Mestre em Teoria Política (Instituto de Estudos Políticos, Universidade Católica Portuguesa), onde é professor convidado, foi bolseiro da Gulbenkian na Universidade de... Ler Mais..

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