A arte de ser um líder inconsistente

O leitor pode questionar: “Mas afinal, falamos frequentemente sobre consistência e coerência, e agora introduzimos a inconsistência?”. Na realidade, são duas faces da mesma moeda.

Embora pareçam opostas, elas estão intrinsecamente conectadas. Um líder consistente é aquele que honra a sua palavra, cumpre os seus compromissos e toma decisões claras e bem fundamentadas. No entanto, hoje quero explorar a outra “face da moeda da liderança” – a inconsistência como uma ferramenta de liderança também.

A arte de ser um líder inconsistente não se trata de ser incoerente ou agir de forma aleatória ou impulsiva. Na verdade, esta característica contextualizada pode trazer benefícios tanto ao ambiente de trabalho quanto à própria liderança.

Muitos manuais de liderança dizem que ser consistente é ser eficaz. E sim, ser consistente é muitíssimo importante, sobretudo em aplicação de estratégia e tomada de decisões. Neste artigo, quero explorar algo menos discutido: a arte de ser inconsistente. Na minha experiência, a inconsistência também tem o seu valor e pode ser uma ferramenta muito poderosa para motivar e inspirar pessoas e equipas.

Imagine um líder capaz de adaptar as suas emoções como um camaleão, extraindo o melhor de cada indivíduo. Esta habilidade de leitura quase enciclopédica das nuances de cada liderado está positivamente correlacionada com a capacidade de motivar e inspirar. Conhecer profundamente os seus liderados e ajustar a sua abordagem conforme as particularidades de cada membro é fundamental na arte da boa liderança.

Quero compartilhar a minha experiência sobre como a inconsistência pode ser benéfica. Cada pessoa é um universo único, com emoções, reações e personalidades distintas. À luz dessa tamanha diversidade, a consistência pode, muitas vezes, revelar-se inadequada. Um bom líder deve possuir a arte de se adaptar a cada indivíduo, reconhecendo as suas particularidades e ajustando a sua abordagem conforme as necessidades e características de cada pessoa.

Vamos descobrir como a flexibilidade, que pode parecer inconsistência, pode transformar a sua liderança!

Um dos meus autores favoritos, Steven Bartlett, afirma que “Grandes líderes são fluidos, flexíveis e cheios de variações. Eles assumem a forma necessária para completar sua motivação”. Esta citação captura perfeitamente a essência de um líder adaptável. Não se trata de ser errático ou imprevisível, mas sim de possuir a flexibilidade para se ajustar às necessidades específicas de cada situação e pessoa. Não é sobre anular-se, mas, pelo contrário, ter a capacidade de “mergulhar” no mundo de cada liderado, navegando pelas suas águas, sejam elas tranquilas ou turbulentas, e saber como potencializar todo o seu talento.

A psicologia comportamental oferece-nos ferramentas valiosas para compreender que cada indivíduo tem características próprias. Conhecer profundamente cada um dos membros da equipa — os seus hábitos, gostos e até episódios da vida familiar — é fundamental para liderar e motivar de forma eficaz.

Não podemos aplicar uma abordagem única e esperar que funcione igualmente bem para todos. A liderança eficaz exige um profundo conhecimento das individualidades, motivações, paixões e necessidades específicas das pessoas. Portanto, uma consistência rígida do tipo one-size-fits-all é, na maioria das vezes, uma receita para o insucesso, desmotivação, abandono e desenraizamento. Perdemos as pessoas! Perdemos a energia e o talento, que estão contidos nas particularidades de cada elemento, fundamentais para uma liderança forte e genuína!

Ser flexível como líder também requer ser humilde e ter capacidade de aprendizagem constante. Isso significa estar sempre disposto a ouvir os outros e considerar diferentes perspetivas e ideias. Não é sobre ter todas as respostas, mas sim sobre criar um ambiente colaborativo onde todos possam contribuir para o sucesso da equipa. Esta abordagem permite também construir relações mais fortes com os liderados, gerando confiança mútua e uma maior sensação de pertença.

Por fim, a flexibilidade na liderança também envolve adaptar o estilo de liderança ao contexto e às necessidades da equipa. Nem todas as situações exigem o mesmo tipo de liderança. Às vezes, é necessário ser firme e assertivo, enquanto outras situações podem exigir um líder mais empático e orientado para a escuta ativa. Saber identificar essas diferenças e ajustar-se adequadamente pode fazer toda a diferença no sucesso da liderança.

Durante a minha carreira, tive a oportunidade de liderar equipas diversificadas e interagir com pessoas de várias origens, personalidades e perspetivas. Cada uma dessas experiências ensinou-me algo valioso sobre a natureza humana e sobre como nos conectamos uns com os outros.

Lembro-me de um cliente que uma vez me disse: “Sabe, Sónia, o que aprecio em si é a sua enorme capacidade de “ler” as pessoas, e com isso, quase adivinhar o que as move e assim identificar bons talentos e desenvolver suas competências”. Essas palavras ficaram comigo, pois refletem um aspeto fundamental do meu estilo de liderança.

Somos seres complexos, movidos por impulsos, medos, desejos e inseguranças. Já pensou em como a consistência, por si só, pode ser inadequada para inspirar paixões, motivar e incentivar a ação nas pessoas e equipas? É essencial compreender a dinâmica de cada indivíduo e adaptar a nossa abordagem para desenvolver o melhor de cada um.

A liderança exemplar inspira e guia com empatia, reconhecendo e valorizando a singularidade de cada indivíduo. Já reparou como cada membro da sua equipa traz algo especial à mesa? É essa diversidade que fortalece o grupo.

A inconsistência nas relações humanas permite aos líderes adaptarem-se, serem flexíveis e compreenderem profundamente os indivíduos que compõem uma organização. Reconhecer que cada pessoa é única é essencial para uma boa liderança. Afinal, ser um líder inconsistente é, na verdade, ser um líder adaptável e atento às necessidades humanas.

Portanto, da próxima vez que ouvir que a consistência é a chave para uma boa liderança, lembre-se de que a verdadeira eficácia reside na capacidade de adaptação e na valorização da individualidade de cada membro da sua equipa. Afinal, é nas diferenças que encontramos nosso verdadeiro potencial, inovamos, somos criativos e inspiramos com propósito.

Esta abordagem adaptável permite-nos não apenas sermos mais eficazes como líderes, mas também mais humanos e compassivos. Cada situação e cada indivíduo requer uma resposta única e flexível. Neste contexto, lembrar das palavras de Ralph Waldo Emerson pode ser extremamente inspirador: “A foolish consistency is the hobgoblin of little minds”. Desta citação ressalta que a flexibilidade e a adaptabilidade são sinais de uma mente grande e são essenciais para uma liderança verdadeiramente eficaz.