Opinião

Liderar por mediação: O papel do Império do Meio

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Mediar o conflito é uma ação de liderança pungente. O fim da guerra e a paz aos ucranianos, todos, que foram violentados nas suas vidas quotidianas é um imperativo global. A República Popular da Ucrânia é um estado soberano desde 1918.

A Europa Comunitária, tal como os EUA, devido às sanções impostas, às tomadas de posição unânimes e à condenação das ações violentas e ilegítimas não têm possibilidade de mediar o conflito. Tomaram parte dele e não têm condições para ficar no meio, para negociar um meio, e um fim à guerra.

A única potência que pode intermediar o conflito e pôr fim à guerra é, neste momento, a China. Goste-se ou não da solução, o Império do Meio tem as condições para o fazer. Portanto, todos os olhos devem estar voltados para a China. E até a pressão diplomática deve ser feita sobre a China.

Porém, a China transporta consigo pelo menos 3 questões complexas: Taiwan, um tabuleiro de xadrez económico e uma face.

Taiwan dista 180 quilómetros da China continental. Usam a mesma língua (mandarim) e pertencem às mesmas origens. Os regimes políticos são obviamente diferentes. Taiwan é pequeno mas altamente interessante em termos de produção industrial. De veículos a tecnologia, de aço a energias eólicas, Taiwan tem-se posicionado como uma pequena força global. Apetecível para a China, obviamente.

Aplicam-se a Taiwan, como na Ucrânia, os teóricos princípios das origens comuns e, porque não, do pensamento “somos todos Russos” ou “somos todos Chineses”. Porém, tal como na Ucrânia, a história da Rússia de Kiev está normalmente mal contada – a Ucrânia é muito mais país há muito mais tempo que a Rússia – também a história de Taiwan está nas várias descrições mal formulada.

O tabuleiro de xadrez económico, a segunda questão, é altamente complexo. A China não pode perder a Europa e os EUA. A China pouco ganha com a Rússia. Porém, a Europa e os EUA também não podem perder a China. E Putin sabe bem disso. A China tem-se posicionado como potência equidistante do conflito e o que é certo é que as duas abstenções na ONU sobre o conflito Rússia-Ucrânia, apesar de não simpáticos para com um povo oprimido e subjugado, não deixam de ter o seu valor quando se tratar de intermediar. Se for o caso. E mesmo o não reconhecimento pela China da anexação da Crimeia pela Rússia poderá fazer ecoar questões de coerência.

Convém não esquecer que a posição neutral e abstencionista da China foi sublinhada com declarações de Wang Yi, ministro das relações exteriores, ao afirmar concomitantemente que o seu governo apoia “a soberania, independência e integridade territorial de qualquer país”. De resto, discurso já ouvido aquando da anexação da Crimeia.

Finalmente, há uma questão de face. Xi Jinping e os chineses valorizam, apesar de tudo, os apertos de mão que vão dando. E as relações que vão estabelecendo. E recentemente o aperto de mão foi para Putin, com juras de amor eterno.

Dito isto, parece-me que os americanos estão dispostos a aceitar a paz que vier e um pacote razoável das condições de Putin. E penso que Putin já o entendeu e com isso faz o seu jogo. Aceitação essa em troca de uma não aproximação excessiva de Rússia e China pois ainda vigora a já antiga teoria de Kissinger, i.e., de que deixá-los aproximarem-se muito não é bom para o equilíbrio global.

Há, porém, alguns factos novos na equação. Kissinger e a sua teoria datam de uma época em que a China não tinha o poder económico de hoje e não tinha formulado de forma explícita a sua intenção de ser a primeira potencia global. Isso hoje é mais que notório. Se bem que a ideia de deixar a Ucrânia em paz é a ideia que melhor colhe, a vontade da Rússia será pelo menos anexar algumas das suas partes. O lado Oriental, por exemplo. A curto prazo isto poderá resolver o conflito. Os EUA cederem. E a China intermediar nesse sentido.

Porém, a divisão da Ucrânia em dois não é uma solução de médio-longo prazo. Se o lado Ocidental da Ucrânia já alimentava um ódio explícito a Putin, o lado Oriental nutria alguma simpatia pró-Russa. Porém, o atual estado das coisas leva à óbvia conclusão de que Putin cometeu o maior erro que podia ter cometido ao esmagar também o lado que não lhe era hostil. Isto dito, Putin apenas conseguiu unir as duas Ucrânias e torná-las numa nação única de uma vez por todas. E é certo que, ganhe ou não a contenda, não contava também com um chefe de estado como Volodymir Zolensky que, diga-se o que se disser, mostrou força, capacidade de comunicação e mobiliação e resiliência. E uniu muito a Ucrânia.

Putin cometeu demasiados erros através de uma ambição que o cegou. Desvalorizou a liderança de Zolensky e a sua resistência psicológica, desvalorizou a Ucrânia, ostracizou e chacinou um povo e, no desespero, está a matar civis uns atrás de outros. Se a ética, até na guerra, deveria imperar, ela foi totalmente engavetada. Nem sequer me vou dedicar, aqui, aos erros logísticos que vêm nos livros e que Putin tem cometido. Demasiados anos sem guerra levam a pensamentos pouco claros pelo lado de Putin e a um desconhecimento do seu kernel estratégico: má análise, má formulação e um conjunto de erros básicos de ação.

Aqui chegados importa concluir. A China poderá ter um papel determinante nesta guerra. E se a isso somarmos a ideia de que quer subir a potencia número um do mundo, nada há como intermediar um conflito destes, com estas proporções, para se afirmar como capaz de ser também polícia do mundo. Um papel que outrora era americano mas que, pela via diplomática, pode bem dar mais uma vitória ao governos chinês.

Goste-se ou não da solução, simpatize-se ou não, a verdade é que a liderança deste conflito me parece que virá do lado da capacidade de intermediação. E essa está toda, todinha, com o Império do Meio (China). E muito pouco com a ONU que muito tem debatido mas pouco tem, efetivamente, feito na prática para intermediar o conflito. De outra forma, já teria “exigido” a presença de duas comissões de negociação, Russa e Ucraniana, em terreno seu. Ou teria viajado ao encontro de cada um dos líderes e proposto condições para a paz.

 

Nota final: Apoio desde a primeira hora a paz na Ucrânia e a sua libertação. Juntei-me a www.wehelpukraine.org para ajudar a Ucrânia através de uma meta plataforma de encontro procura-oferta que seja capaz de servir os ucranianos em fuga; habitação, trabalho, condições de vida e saúde. E também os russos, o povo russo que sofre com os embargos que o afetam muitíssimo mais que às oligarquias que pululam pelo Kremlin. Junte-se a nós. Neste momento estamos com mais de 300 voluntários.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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