Entrevista/ “A silly season pode ser também um período estratégico para reforçar a autonomia e a confiança nas equipas”

Ana Correia, Human Resources & Employer Branding Lead da Zühlke Portugal

“Um dos erros mais comuns é não planear com antecedência as ausências e sobrecarregar os colaboradores que permanecem a trabalhar, sem o devido reconhecimento ou suporte”, alerta Ana Correia, Human Resources & Employer Branding Lead da Zühlke Portugal, a propósito dos desafios que as empresas enfrentam no período de férias.

Manter a produtividade no período de férias de verão, altura em que muitos colaboradores ususfruem do seu descanso anual, pode ser um desafio para as empresas, mas também um “período estratégico para reforçar a autonomia e a confiança nas equipas” já que pode ser um momento “propício à reflexão, ao planeamento e à criatividade, visto que tende a haver uma redução no número de reuniões e uma menor pressão diária”.

A análise é de Ana Correia, Human Resources & Employer Branding Lead da Zühlke Portugal, que em entrevista ao Link to Leaders fala do impacto que a frequentemente apelidada de silly season, ou seja, as férias de verão, pode ter no dia a dia das empresas, na sua produtividade, nos resultados financeiros e na gestão das equipas.

Normalmente associadas a uma fase de menor produtividade, as férias de verão são um desafio para as empresas e para os colaboradores que ficam. Como podem as empresas contornar positivamente esta época?

A silly season pode ser, para muitas empresas e equipas que continuam a trabalhar, um período desafiante. Contudo, este é também um momento propício à reflexão, ao planeamento e à criatividade, visto que tende a haver uma redução no número de reuniões e uma menor pressão diária. Isto deve ser visto como uma oportunidade para empresas e colaboradores, pois cria-se espaço para um maior foco, permitindo avançar com atividades que exigem maior concentração ou recuperar aquelas tarefas que vão ficando para segundo plano ao longo do ano.

Ao mesmo tempo, a silly season pode ser também um período estratégico para reforçar a autonomia e a confiança nas equipas, incentivando até o desenvolvimento de novas competências, já que muitos profissionais assumem temporariamente tarefas fora do seu âmbito habitual. Ao garantir uma transição de responsabilidades de quem vai para quem fica, é possível assegurar que todos os temas são devidamente encaminhados, contribuindo positivamente para o negócio e para o crescimento do talento.

“(…) acredito que uma cultura flexível deve ser promovida ao longo de todo o ano”.

Promover uma cultura de trabalho flexível durante esta altura pode ser a estratégia adequada?

Não só nesta altura, acredito que uma cultura flexível deve ser promovida ao longo de todo o ano. Horários flexíveis e um modelo de trabalho híbrido, por exemplo, ajudam a facilitar a conciliação da vida pessoal e profissional, algo que é, atualmente, uma prioridade para muitos profissionais. Ao mesmo tempo, demonstram confiança e promovem a motivação e o bem-estar das pessoas, concedendo-lhes liberdade para trabalharem onde e quando se sentem mais produtivas.

Estabelecer esta cultura torna ainda a proposta das empresas mais atrativa, o que permite atrair e reter o talento, algo particularmente importante tendo em conta o atual cenário de escassez de talento.

Enquanto consultora, quais os principais desafios que a Zühlke identifica nas empresas na chamada silly season?

Naturalmente, nesta altura assistimos a uma mudança natural no ritmo de trabalho, o que torna a colaboração entre equipas ainda mais necessária e relevante. Diria, por isso, que um dos principais desafios é precisamente manter o alinhamento entre todas as pessoas, mesmo com uma menor disponibilidade.

Do lado dos gestores de pessoas, é fundamental compreender e delinear as tarefas mais importantes, gerindo sempre expecativas e milestones a cumprir antes ou depois das férias. Ao mesmo tempo, é também importante realizar um bom planeamento das ausências com antecedência, de forma a alinhar e priorizar o que não pode mesmo parar nestas alturas.

“(…) muitas empresas não aproveitam esta fase para escutar os seus colaboradores e adaptar processos com mais flexibilidade (…)”.

E quais os erros que a empresas continuam a fazer no que se refere à gestão dos seus talentos nesta altura do ano?

Um dos erros mais comuns é não planear com antecedência as ausências e sobrecarregar os colaboradores que permanecem a trabalhar, sem o devido reconhecimento ou suporte. Outro erro frequente é assumir que este é um período “parado” e, por isso, não investir na motivação, comunicação e alinhamento com as equipas que ficam.

Além disso, muitas empresas não aproveitam esta fase para escutar os seus colaboradores e adaptar processos com mais flexibilidade, o que pode gerar desmotivação e perda de engagement. Por fim, negligenciar a importância de uma passagem clara de responsabilidades pode comprometer a continuidade e a qualidade dos projetos em curso.

Considerando que o trabalho está a mudar, assim como as necessidades e prioridades dos profissionais, o que sugere às empresas para motivarem os colaboradores que continuam a assegurar o funcionamento das mesmas?

Acredito que promover uma cultura de trabalho flexível é a chave. Na Zühlke, por exemplo, além de modelos de trabalho flexíveis, concedemos às equipas a possibilidade de reduzir o horário de trabalho ou de o condensar, de solicitar uma licença sabática uma vez por ano, um modelo de flexitime (banco de horas) e a flexibilidade de ter uma gestão autónoma do tempo de trabalho e de pausa. Da nossa experiência, estas medidas têm aumentado a produtividade, a motivação, o bem-estar e a felicidade das equipas no trabalho, algo que é essencial para o sucesso dos negócios.

Globalmente, que procedimentos podem as lideranças adotar para assegurar a produtividade, o bem-estar e o equilíbrio?

Como referido, um modelo de trabalho flexível que permita às pessoas trabalhar onde e quando se sentem mais produtivas é uma excelente estratégia para assegurar o bem-estar e o equilíbrio. Ao demonstrarem esta flexibilidade, as empresas ganham a confiança das suas equipas, que se sentem consequentemente mais motivadas e fidelizadas à organização. Além disto, promover uma cultura de escuta ativa, ouvindo as necessidades específicas de cada profissional e adaptando os benefícios, é também uma ótima estratégia a adotar para uma cultura de trabalho mais saudável e produtiva.

(…) na Suíça e na Alemanha, o planeamento antecipado das férias é uma prática consolidada e valorizada (…)”.

Tendo em conta a presença internacional da Zühlke, quais os mercados/países onde a gestão deste período do ano é feita com as melhores práticas e resultados? 

A nossa cultura organizacional é fortemente alinhada entre países, promovendo uma identidade comum assente na confiança, na flexibilidade, na autonomia e no bem-estar das pessoas. Esta consistência permite-nos adotar e partilhar as melhores práticas de forma transversal, aprendendo uns com os outros e adaptando soluções eficazes a diferentes contextos locais.

Por exemplo, na Suíça e na Alemanha, o planeamento antecipado das férias é uma prática consolidada e valorizada, o que permite manter a continuidade dos projetos com uma distribuição equilibrada de responsabilidades. Estas equipas também incentivam a total desconexão durante as férias, assegurando uma cultura de respeito pelo tempo pessoal, algo que tem impacto direto no bem-estar e na motivação das pessoas.

Em Portugal, temos procurado reforçar esta cultura com medidas como a flexibilidade no horário durante o verão, a possibilidade de gerir o tempo de forma autónoma e o incentivo à antecipação e partilha de responsabilidades antes das férias. Este espírito colaborativo e de apoio mútuo tem sido essencial para garantir que as equipas se sentem seguras e valorizadas mesmo em períodos de maior rotação.

Acreditamos que não se trata apenas de adotar boas práticas, mas de viver uma cultura onde o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é promovido de forma genuína e onde cada pessoa tem espaço para recarregar energias e voltar com mais motivação.

Futuramente, com toda a transformação digital em curso, que tendências prevê na relação entre empresas e colaboradores no período de férias de verão, sem que nem uns nem outros sejam afetados?

A digitalização está a transformar profundamente a forma como trabalhamos e colaboramos, e essa tendência vai refletir-se também na forma como vivemos as férias. Prevê-se um aumento na automatização de processos rotineiros, o que permitirá uma transição mais suave durante as ausências. Ferramentas de colaboração assíncrona e documentação acessível vão facilitar também o handover entre colegas e garantir a continuidade dos projetos.

Por outro lado, acredito que haverá um reforço do direito à desconexão, com políticas mais claras e respeitadas, garantindo que os colaboradores possam usufruir verdadeiramente das suas pausas, sem impacto para o negócio. A inteligência artificial também poderá apoiar nesta gestão, ajudando a identificar riscos operacionais e a otimizar recursos de forma mais eficiente.

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