Opinião
O que é que gostavas de ser quando fores grande?
Esta é uma pergunta que muitas vezes é feita às crianças desde tenra idade. Lembro-me de ser pequenina e ouvir os meus amigos responderem coisas como cabeleireira, bombeiro, hospedeira, médica ou professora.
Não paravam muito para pensar e esta era muitas vezes uma resposta instantânea e fácil, sem grande reflexão ou análise. Na sua essência, remetiam a sua escolha a processos muito simples, que estavam associados às brincadeiras que gostavam de ter.
Com o passar dos anos, este processo, aparentemente simples, ganha toda uma complexidade e a pressão aparece logo no 9.º ano. Há que escolher uma área, decidir se se quer seguir o ensino técnico-profissional, artístico ou científico-humanístico. E dentro deste último surge a questão da área: Artes, Humanidades, Ciências Socioeconómicas ou Ciências e Tecnologia.
Passada que está esta primeira etapa, assumamos que com sucesso, eis que surge uma escolha ainda mais definitiva: o curso superior! Se a coisa parecia complexa aquando da escolha da área, para muitos jovens, este é o momento mais difícil. Entre a pressão da média do secundário, os exames nacionais e a aproximação do momento da escolha, estamos perante um cocktail de emoções.
Todos os que, como eu, têm filhos no 11.º ano, começam agora a sentir a ansiedade crescente dos seus filhos, com a aproximação dos exames. Muitos dos jovens até entraram descontraídos no 10.º ano, mas arrancaram para o 11.º ano já com a preocupação das médias e das notas dos exames. E para muitos deles, a ansiedade começou a partir do momento que tiveram que decidir em que exames se inscrever. Especialmente porque ainda não têm claro que curso vão tirar.
Daquilo que é a minha experiência a trabalhar com jovens nos programas da Shape Your Future, o mais surpreendente é o nível de complexidade que o processo de decisão ganha e o quão pouco relevante passa a ser a resposta à pergunta “o que queres ser quando fores grande?”. Os nossos jovens estão preocupados em não desiludir os pais, em agradar aos seus pares e em conseguirem ter uma profissão que lhes permita ganhar dinheiro. Não é desprezível que a resposta à pergunta “tens algum medo ou fobia que te impeça ter uma profissão?” a resposta seja ‘“não conseguir ganhar dinheiro”.
Esta questão, sendo verdadeiramente importante, está muitas vezes a impedi-los de desenvolverem autoconhecimento relativamente aos seus valores, interesses e competências e como é que as podem alavancar numa profissão.
Muitos deles, logo no 10.º ano optam pela área de Ciências e Tecnologias, porque é a que deixa mais opções em aberto, esquecendo-se que não gostam de Ciências, nem de Físico-Química. O resultado óbvio desta escolha é terem médias baixas e fecharem até as portas que podiam ter abertas, se tivessem ido para uma área que estivesse alinhada com as suas competências e interesses.
É ainda de realçar que, de acordo com os dados da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, cada vez mais estudantes estão a desistir do ensino superior público após o primeiro ano do curso.
Perante este cenário talvez seja importante estimularmos os nossos jovens a fazerem as perguntas certas e a voltarem à sua essência:
- com que brincavas quando eras pequeno?
- o que é que te faz perder a noção do tempo?
- o que fazes sem esforço?
- como é que os teus amigos te descrevem?
- aprendes melhor a fazer ou a estudar?
- o que gostarias de mudar no mundo?
É também importante ajudá-los a perceber que não estão sozinhos, e que a dúvida faz parte do processo da gestão de uma carreira ao longo da vida. Se não o fazem, gostava de convidar os pais que me leem a partilharem aquilo que é o vosso dia a dia com os vossos filhos. O que fazem, com que dilemas se deparam, de que se orgulham mais, de que se orgulham menos, o que poderiam ter feito de diferente, entre outros temas que julguem relevantes.
Recentemente em conversa com um jovem, que tinha tido a oportunidade de estudar numa das melhores universidades na sua área, estava agora cheio de dúvidas relativamente às suas escolhas e a ter muita dificuldade em lidar com a complexidade do contexto laboral. Segundo ele, aquilo por que estava a passar era o resultado de três aspetos: baixo autoconhecimento, pouca exposição ao mundo laboral (em casa e na universidade) e dificuldade em gerir em frustração. E também porque passou a estar mais focado na pergunta “o que é que os outros esperam de ti?”, ao invés de se questionar ‘‘o que é que eu quero ser quando for grande?”








