Opinião

A Filosofia nas nossas vidas

Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital

Como pai de três, estando a filha do meio a caminho de concluir o 9.º ano e decidir o seu caminho pelo Ensino Secundário, eis-me pela segunda vez na condição de apoiar este momento do percurso académico e pessoal.

Mas se no caso do mais velho a decisão foi óbvia, com ela as opções estão em aberto. E a pergunta surgiu: todos os agrupamentos têm português e língua estrangeira como obrigatórias (curiosamente a matemática só é obrigatória em dois agrupamentos) …mas porquê a filosofia?

O meu amigo Luís costuma dizer nalguns encontros de apaixonados pelas leituras de vários tipos: “quando tenho dúvidas nalguma coisa o que faço é simples: recorro sempre à filosofia, a essência de tudo”. E não podia estar mais de acordo.

Este “philos” (amor) pela “sophia” (sabedoria) pode antes ser aligeirado numa forma mais simples que por vezes muito falta aos dias de hoje, seja nas conversas de café ou em redor das políticas debatidas e legisladas anualmente no Parlamento. Falo do pensamento crítico. E é por isso que a filosofia tem de facto todo o sentido como base estrutural do pensamento (ou assim tentei eu convencer a jovem ao meu lado de sobrolho carregado e desconfiado…).

Aprender a questionar suposições, saber avaliar argumentos para a formação de opiniões fundamentadas, desenvolver a estrutura do discurso, expor um pensamento de forma clara e persuasiva.

Se há base para as soft skills de que tanto se fala no mundo dos recursos humanos numa empresa, ela é a filosofia. Mas infelizmente ela precisa de um departamento de marketing. Seria bom fazer uma ‘joint-venture’ com a equipa do Chat-GPT ou da I.A. …

A sua conotação deteriorou-se e afundou-se, redundando na imagem clássica das estátuas de pensadores gregos, nos textos densos e aparentemente confusos ou entediantes, na ideia pré-concebida de que é algo apenas de interesse escolástico. Pena. Muita pena. Lembro-me bem dessa mistura a balançar entre o confuso, desinteressante e entusiasmante, tudo na mesma aula, nos meus tempos de secundário. Mas é inegável o contributo para a nossa formação de vida e ao pensamento crítico que tem de nos acompanhar e tanta falta faz, entre programas eleitorais impraticáveis, feeds de redes sociais com promessas duvidosas, artigos no topo de resultados de pesquisa que é preciso contestar sem achar que o Google sabe tudo.

Bem sei que não é tão sexy recomendar o “A Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han, quanto o novo do Haruki Murakami, mas são 50 páginas de uma reflexão que já se tornou um clássico mais que pertinente nos dias de hoje.

Vivemos como seres humanos submersos poderosamente ao nosso cérebro límbico, às nossas emoções que nos guiam tantas vezes de forma poderosa e certeira, mas outras tantas que precisam ser abanadas para duvidar do que nos diz aquela app, aquele livro, aquela opinião no podcast. Numa sociedade há mais de um século mergulhada cada vez mais no entretenimento, a razão vir ao de cima para reequilibrar e nos ajudar a orientar por entre essa chuva de emoções folclóricas constantes, disparadas como fogos-de-artifício em todos os ecrãs para onde olhamos, tal é mais do que necessário, é indispensável, ou mesmo vital.

Poderei não ser completamente bem-sucedido quando a filha me trouxer os desabafos ante os exames de filosofia e perguntar pela enésima vez “para que é que isto me vai servir”; ou quiçá, quando entusiasmada por um professor, me começar a confrontar com a dialética exacerbada de um adolescente agora empoderado pelo poder do contraditório filosófico. Mas será por uma boa razão. E uma que espero perdure.

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Ricardo Tomé

Ricardo Tomé

Ricardo Tomé é Diretor-Coordenador da Media Capital Digital, empresa do grupo que gere a estratégia e operação interativa para as várias marcas – TVI, TVI24, IOL, MaisFutebol, AutoPortal, etc. – com foco especial na área mobile (Rising Star, MasterChef, SecretStory) e Over-The-Top (TVI Player), bem como ativação de conteúdos multiscreen em todas as plataformas e realizando igualmente a ponte com o grupo PRISA nas várias parcerias: Google & YouTube, Facebook, Twitter, Endemol, Shine, entre outras. Foi, até 2013, coordenador da... Ler Mais..

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