Opinião
Penso que uma das principais razões pelas quais a canção cujo título introduz este texto teve tanto sucesso prende-se com a mordaz evidência que traduz o espírito de um povo tão acostumado a deixar para amanhã aquilo que bem podia fazer hoje.
É um fado recorrente do nosso país este hábito de procrastinar nas ações e decisões, de atrasar o que poderia ser feito já, protelando o avanço e estagnando o progresso tão necessário para quem já de si se vê limitado – também beneficiado em algumas coisas, é verdade – pela quase insularidade a que está remetido num extremo da Europa.
Estando atento às notícias sobre as grandes obras, estruturantes para o nosso país, basta citar alguns exemplos desta máxima para vermos que o nosso malogrado Variações era, para além de um génio musical adiantado para o seu tempo, um estudioso natural do comportamento humano do nosso país, seus costumes e idiossincrasias. Assim, veja-se os três grandes exemplos – outros haverá, claro está – que têm pululado pelas notícias ao longo dos últimos anos: as ligações de alta velocidade (muito em berra agora), o novo aeroporto de Lisboa e a completa reestruturação do porto de Sines e parques logísticos adjacentes.
Não será novidade para ninguém que as obras elencadas revestem-se de crucial importância para o nosso país, tocando novamente aqui na tecla da insularidade relativa do mesmo, permitindo dotar o território nacional de infraestruturas adaptadas a centralizar neste eixo atlântico uma miríade de atividades económicas e criar a verdadeira noção de plataforma giratória que abasteça os mercados do sul da Europa a vários níveis.
Neste mundo global marcado pelas atuais guerras, Portugal tem na sua natureza periférica uma oportunidade incomensurável de se tornar num centro estável para criar rotas alternativas tão importantes para a atual economia europeia e mundial, conectado diretamente ao continente onde se insere, mas também aos continentes americanos e africano. Mas as oportunidades são como muitas outras coisas na vida, podem só passar uma vez. E não é de estranhar que outros se aproveitem da parcimónia dos nossos decisores para se colocarem numa posição privilegiada para capitalizar sobre a nossa inação e agarrarem as oportunidades que não duram.
É nesse sentido que urge combater a lógica do “é p’rá amanhã”, aumentando o grau de eficácia na tomada de decisões e avançando mais rapidamente com a aprovação, adjudicação e conclusão de obras que sem dúvida beneficiarão as gerações vindouras, aquelas a quem tantas vezes nos esquecemos que serão as herdeiras do que agora não for feito (e que motivadas pelo desânimo com o estado geral da nação, emigram em números avassaladores, sem esperança no futuro que este Portugal lhes oferece).
Sabe-se que há muitos interesses por detrás das opções que terão de ser tomadas quanto às questões da alta velocidade e especialmente do novo aeroporto, ninguém é ingénuo quanto a esse facto. Mas retomando algo que tantas vezes se houve na gíria, até uma má decisão consegue em si conter mais méritos do que uma não decisão. E deixar para amanhã é inevitavelmente um salto de fé e um convite a que o amanhã possa já não existir, pelo menos não com as oportunidades de hoje.








