Opinião

Velhos são os trapos! Contratar qualidade ou contratar quantidade “digital”?

Rui Ribeiro, Head of Consulting & Technology na Auren Portugal

Na minha carreira profissional sempre tive a oportunidade de liderar equipas, tal como a possibilidade de as recrutar.

Durante os mais de 25 anos de atividade profissional, tive diversos colegas, hierarquicamente superiores ou inferiores na organização, sempre preocupados para que o recrutamento fosse com pessoas jovens, fundamentalmente na casa dos 20 anos (algumas exceções com 30-35), com a justificação de “temos de fazer crescer as pessoas”, “tecnologicamente atualizados”, “os mais velhos já trazem muitos vícios” ou “os mais novos incorporam a nossa cultura”, entre outras recomendações para evitar a contratação de pessoas mais velhas.

Nos meus primeiros anos de liderança de equipas, ouvia e “achava” que de facto esta era uma linha de raciocínio adequado e compreensível. Até porque como docente universitário vejo e reconheço o potencial das novas gerações. Contudo, houve um fenómeno que mudou consideravelmente a minha forma de enquadrar esta cultura empresarial de contratação: uma visita em turismo aos EUA em 2008! Porquê? O simples facto de ver pessoas de idade acima dos 60 e até mais, alguns já em plena reforma, como rececionistas de museus, em equipas de atendimento ao cliente de lojas de centros comerciais ou em equipas de operações internas. Este facto fez-me colocar em causa todo um modelo de atuação, que até então tinha. Em conversa com algumas dessas pessoas mais velhas, percebi que tinham sido contratados precisamente pelo seu elevado grau de experiência, conhecimento, histórias para contar e, mais importante como me explicaram sabiamente “fazer crescer os mais jovens mais rapidamente e com menos erros que já nos ocorreram”, tal como mostrar-lhes “que não há empresas perfeitas, por muito que queiram mudar”.

Desde então, vou analisando (com outra perspetiva) a qualidade dos serviços prestados ou produtos entregues por várias empresas, em particular nas áreas tecnológicas e de consultoria. E a realidade é que, tendo nos últimos 14 anos sido essencialmente consumidor empresarial de serviços tecnológicos e de consultoria, continuei a assistir aos mesmos erros que via em projetos no século passado, alguns em que eu próprio participei.

Muitos desses problemas são de inexperiência pura!

Equipas demasiado jovens, sem o coaching adequado, sem vivência de realidade empresarial, sem metodologias de trabalho … apenas por falta de experiência, apesar da grande e fundamental energia dos mais jovens.

Quantas vezes você não se deu com situações que poderiam ter sido evitadas, com desgaste em tempo e custos para os vários intervenientes, apenas porque estávamos com uma equipa apenas constituída por elementos jovens, sem “a mala da vida”, pese embora atualizados tecnologicamente e digitalmente?

Quantas vezes viu uma tarefa feita por um jovem demorar 1 mês, quando poderia ter sido feita por um mais sénior em 1 semana? Ou seja, alguém quis ser “poupadinho” e não percebeu que saiu mais caro.

E nada contra profissionais jovens, mas a experiência ganha-se com o tempo, aprende-se com outros que já fizeram o mesmo ou similar, e é fundamental para a melhoria da qualidade de serviço entregue pelas empresas, com a incorporação das atualizações tecnológicas e digitais trazidas por esses mais jovens.

Nesta sequência de análises pessoais empíricas, as quais são também suportadas nalguns estudos estruturados, como um estudo recente da OCDE sobre o tema (“Promoting an Age Inclusive Workforce: Living, Learning and Earning Longer” – 2020), entendo que um dos segredos da sustentabilidade das empresas, para além da sua visão, liderança e modelo de negócio, está na capacidade de garantir um equilíbrio interno para conseguir garantir crescimentos de equipas com a experiência e a juventude, ou seja, com um alicerce fundamental de integração e partilha da experiência com os mais novos. O estudo da OCDE, atrás indicado, confirma dois fenómenos que assumia empiricamente, mas neste caso são confirmados com dados concretos: a incorporação de colaboradores mais seniores aumenta a produtividade e a retenção de talento nas empresas.

Contratar quem tenha 40 ou 50 anos não deve ser uma exceção, mas uma normalidade, tal como são as contratações fundamentais de jovens de 20 e poucos anos.

Acima de tudo, contratar qualidade é muito melhor que contratar hoje apenas quantidade “digital”!

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Rui Ribeiro

Rui Ribeiro

Atualmente é professor da Universidade Lusófona e consultor de Transformação Digital, tendo tido várias atividades profissionais, entre as quais Head of Consulting & Technology na Auren Portugal, diretor-geral da IPTelecom, diretor comercial da Infraestruturas de Portugal S.A., diretor de Sistemas de Informação na EP - Estradas de Portugal S.A. e Professional Services Manager da Sybase Inc. em Portugal. Na academia é diretor executivo da LISS – Lusofona Information Systems School, e docente da ULHT. Rui Ribeiro é doutorado em Gestão... Ler Mais..

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