Opinião

1.200 kms depois

Tiago Rodrigues, gestor e investidor

Há momentos em que a vida nos pede silêncio. Não aquele que vem da falta de palavras, mas o que nasce da necessidade de escutar o que a voz interior tem para nos dizer. Este meu período sabático trouxe-me algo que não cabe num currículo: tempo. Descansei e dormi quanto quis. Quase não li nem escrevi. Almocei vezes sem conta com vista para o mar. E corri, nadei e pedalei 1.200kms que marcam, simbolicamente, esta etapa da minha vida, agora terminada.

Quando no final de 2024 cessei funções na empresa onde havia trabalhado por quase quatro anos, que incluíram dois exigentes processos de reestruturação e de venda, sentia-me física e mentalmente exausto. O último ano e meio havia sido brutalmente intenso, a vários níveis. Seguramente o período mais excitante, mas também o mais exigente e desgastante de toda a minha carreira.

Foi, pois, com um certo alívio, mas com uma contida satisfação, que chegava, finalmente, a primeira e tão desejada (quanto necessária) pausa na minha carreira de cerca de 25 anos.

No início vieram os planos, mas cedo percebi que o melhor plano era mesmo o de não ter planos. Optei por escutar a minha voz interior, para que esta me fosse sussurrando o que lhe apetecia fazer. Nunca havia pensado em desfrutar de um período sabático, nem sequer conseguia imaginar como me sentiria numa rotina tão diferente daquela a que me fui habituando em mais de duas décadas.

Vivemos numa época em que a velocidade é regra e a produtividade é medida à exaustão. Trabalhamos muito, quiçá demais, ligamo-nos a tudo e a todos, mas, paradoxalmente, afastamo-nos de nós próprios. É por isso que, para muitos, um período sabático surge não como luxo, mas como uma necessidade.

Fazer uma pausa prolongada no trabalho é também um ato de coragem. Coragem para sair da zona de conforto, para abdicar de um salário certo e para enfrentar a pergunta que tememos: “E agora, quem sou eu sem o meu trabalho?”.

Durante anos, vivi ao ritmo das reuniões, dos voos e das metas. Decidir parar não é simples. Há sempre receios: o que será da carreira? Quem sou eu quando não tenho um cargo a apresentar? Mas a verdade é que, quando a vida pede pausa, ignorar o apelo pode ser mais arriscado do que o aceitar.

Fazer uma pausa profissional é também um convite a reencontrarmos a nossa essência – aquilo que nos move quando a agenda profissional deixa de mandar.

Há momentos em que a vida nos pede silêncio. Não aquele silêncio que vem da falta de palavras, mas o que nasce da necessidade de respirarmos fundo e escutarmos o que a nossa voz interior nos anda a tentar dizer. Foi assim que percebi que precisava de um período sabático.

Trata-se de um tempo de silêncio, de escuta, de redescoberta. É a oportunidade de estar mais com a família sem olhar para o relógio, de olhar para dentro e perceber o que queremos mudar. É também um espaço para descansar sem culpa – e isso, por si, já é transformador.

Este período sabático trouxe-me coisas que não cabem num currículo. Trouxe-me tempo – esse luxo silencioso que nos devolve a capacidade de olhar e escutar com atenção.
Não é uma experiência sem custos. É preciso lidar com o desconforto de não ter respostas para tudo. Mas é precisamente nesse espaço de incerteza que a vida se reorganiza.

Hoje acredito que um período sabático é uma pausa que nos ensina que avançar não é sempre andar mais depressa – muitas vezes, é simplesmente saber parar.
Durante este período, recentemente terminado, o telefone tocou menos, muito menos. Os emails, exceto o spam, que nunca falha, praticamente desapareceram.
Houve como que um silêncio, saudável e desejado é certo, mas ao mesmo tempo inesperado.

Confirmou-se, creio, algo que partilhei no meu artigo “Somos, temos ou estamos?” de março de 2023, no qual escrevi que “A vida é uma lição, ao longo da qual aprendemos que a importância que as pessoas com quem nos cruzamos nos dão provém, quase sempre, daquilo que “temos” ou de onde “estamos” e não do que “somos” – exceção feita à família, aos amigos e, amiúde, a algumas pessoas que nos apreciam e valorizam pelo que “somos”. Quando se está numa posição influente e se tem poder de decisão as mordomias tendem a ser muitas, mas experimentem deixar de o ter”.

Foi interessante constatar como esta minha perceção se revelou de alguma forma certeira. Sem que daí resulte qualquer mágoa, diga-se.

Ao longo desta minha pausa, descansei a mente e dormi tanto quanto me apeteceu. Quase não li nem escrevi, simplesmente porque não me apetecia fazê-lo. Almocei demoradamente e vezes sem conta com vista para o mar. E corri, nadei e pedalei como há muito tempo não o fazia.

O título que escolhi para este artigo, “1.200 kms depois”, simboliza a forma como para sempre recordarei esta etapa da minha vida.

Os 1.200 kms que totalizam os 350 kms que corri, os 100 kms que nadei e os 750 kms que pedalei ao longo deste período e que tanto me ajudaram a encontrar o silêncio que a minha voz interior me pedia.

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Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

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