Entrevista/ Um português em Silicon Valley que quer revolucionar a área de RH

Hélder Silva, cofundador e CEO da Newton.AI

Hélder Silva é cofundador da Newton, uma start-up sediada em Silicon Valley que promete revolucionar a área dos recursos humanos. Nesta entrevista, para além de falar do percurso da empresa, toca em assuntos como uma possível aquisição e deixa alguns conselhos aos fundadores portugueses que se queiram mudar para o ninho de inovação norte-americano.

A Newton é mais um exemplo de como a inteligência artificial pode facilitar o dia a dia. A tecnologia desenvolvida pelos dois cofundadores, Hélder Silva e Rui Costa, permite que os líderes de empresas ou departamentos de recursos humanos que tenham a intenção de recrutar um novo colaborador criem uma shortlist de possíveis candidatos em apenas alguns minutos – algo que demoraria dias a uma empresa deste género. O sistema funciona igualmente na situação oposta, ou seja, quando um utilizador está à procura de emprego.

Este processo é feito através de um chatbot que funciona no LinkedIn e no Facebook e que comunica naturalmente com as pessoas que o estejam a utilizar. Apesar disto, o cofundador acredita que o sistema criado não vai substituir os humanos.

Atualmente, a start-up já recolheu 400 mil dólares (350.000€) em investimento, mas a ronda ainda está aberta com o objetivo de angariar cerca de um milhão de dólares (880.000€).

Como surgiu a ideia para este sistema?
Eu e o Rui Costa, cofundador da Newton, tivemos inicialmente uma ideia que era desenvolver uma plataforma que serviria de rede alumni e que conectasse as comunidades de antigos alunos – seria um aperfeiçoamento do LinkedIn for Higher Education. Entretanto, passámos sensivelmente seis a sete meses a desenvolver este projeto, tivemos alguma aceitação por parte de algumas faculdades, nomeadamente a Nova de Lisboa, a Católica do Porto e a Oxford University, mas depois verificámos que o processo de decisão destas organizações era muito demorado.

Por outro lado, como éramos dois developers havia dificuldade em dar conta do recado porque não tínhamos contratos assinados, estávamos a ter imenso trabalho e não havia qualquer tipo de retorno financeiro. Durante esse processo, fomos contactando com os centros de carreira e com as comunidades alumni e percebemos que havia um gap enorme na área das carreiras que podíamos colmatar.

A partir daqui começámos a fazer alguma investigação para ver como podíamos melhorar aquilo que já existia. Explorámos imensas soluções e fomo-nos apercebendo que, numa fase inicial do recrutamento, o problema era o match perfeito entre o candidato e as ofertas de emprego. Seria excelente se conseguíssemos desenvolver algoritmos de recomendação que colmatassem essa situação. Fizemos mais investigação, começámos a desenvolver a plataforma e os algoritmos e vimos que o entrave estava no processamento de linguagem natural. Isto significa que temos uma oferta e que para fazer milhares de recomendações em segundos temos de perceber o que está lá escrito. As máquinas são incríveis a perceber números.

Qual foi o passo seguinte?
Desenvolvemos então algoritmos de linguagem natural e deep learning e tentámos perceber o que está lá escrito e o que é a singularidade entre palavras. Por exemplo, quando empresas de IT em Silicon Valley recrutam, um dos requisitos mínimos é a licenciatura em ciência da computação ou relacionadas. Outra coisa que temos de perceber é quais são os requisitos mínimos. Se alguém estiver a pedir competências em bases de dados e numa determinada tecnologia – sejam três anos de experiência, o nível de senioridade ou a localização – é preciso entender muito bem o que está lá escrito. Isso traz outro problema, que é a ambiguidade da linguagem. Outro exemplo – Newton: não só é o nome da empresa, como também é uma localização dos Estados Unidos, o que significa que nós temos de perceber o contexto da palavra na frase. E isto é extremamente difícil de trabalhar. De um ponto de vista técnico, há algumas empresas que tentam uma abordagem de deep learning por si só, mas que não resolve o problema. Basicamente, o que esta tecnologia faz é converter um documento (um artigo de jornal, currículo ou uma oferta de emprego) num vetor e consegue perceber, em relação aos outros documentos, qual é a proximidade entre eles e faz uma recomendação através disso. O deep learning serve essencialmente para fazer uma primeira filtragem.

Como é que isto funciona na prática?
Imaginemos que um engenheiro de software está à procura de trabalho em São Francisco. Vai aqueles agregadores de empregos online e pesquisa: “software engineer, São Francisco”. Vão-lhe aparecer cerca de 11 mil resultados. Nós usamos uma primeira camada de deep learning para filtrar para 300 e depois uma segunda camada, que é de processamento de linguagem natural, para perceber o que está lá escrito e se estamos a fazer uma boa recomendação ou não. Portanto, passámos de 11 mil para 300 e, posteriormente, para 5 ou 10 ofertas, que são as que se adequam melhor ao candidato. Isto funciona da mesma forma para as empresas que estiverem à procura de colaboradores.

Vão expandir-se para Portugal e para o Japão. Tendo em consideração que estão em causa redes muito complexas, vão mudar para as línguas nativas destes dois países?
Sim, já estamos a fazer isso. Para a linguagem japonesa estamos a treinar os algoritmos e a fazer afinações. No caso de Portugal, o processo vai ser mais longo e vai demorar mais algum tempo.

“Apesar de [Portugal] já não ser o ‘El Dourado’ em termos de facilidade de recrutamento, há menos concorrência do que nos Estados Unidos e a estrutura de custos também é relativamente inferior.”

Também querem ter uma equipa de developers em Portugal?
Sim, a parte de desenvolvimento será feita em Portugal. Apesar de já não ser o “El Dourado” em termos de facilidade de recrutamento, há menos concorrência do que nos Estados Unidos e a estrutura de custos também é relativamente inferior. Portanto, faz-nos todo o sentido ter a equipa de desenvolvimento cá.

Como é que se posicionam no mercado? Como uma empresa de recursos humanos ou uma ferramenta para esse tipo de empresas?
Trabalhamos como se fossemos uma empresa de recursos humanos (RH). Por exemplo, no Japão, o nosso investidor [Will Group] é uma das maiores empresas de RH de toda a Ásia e, nesse mercado em específico, vamos fazer uma parceria com eles. Por outro lado, nos Estados Unidos, temos start-ups em Silicon Valley que levantaram uma seed round ou uma série A, que não têm um departamento de RH e que recorrem aos nossos serviços para ser mais rápido e ter uma estrutura de custos menor. Começámos assim, mas, entretanto, estamos a adquirir alguns clientes maiores, como a Nike Innovation. Não fizemos um esforço especial para adquirir grandes clientes, até porque, depois da experiência dura que tivemos do primeiro projeto, decidimos, para já, deixar os grandes clientes um bocado de fora porque a tomada de decisão é muito demorada e iríamos acabar por cometer os mesmos erros.

Tendo em conta que se posicionam como uma empresa de recursos humanos, são o exemplo perfeito de um caso em que a inteligência artificial substitui a mão de obra humana…
Achamos que o fator humano no recrutamento é essencial. Não os queremos substituir. Eles têm uma missão muito específica, são muito bons a fazerem aquilo que fazem e devem-se focar numa segunda fase dos candidatos, que é a culture fit da empresa e perceber se o candidato tem as soft skills necessárias para a posição em questão. Aquilo que nós desenvolvemos é uma ferramenta de apoio e decisão numa fase inicial.

Tendo em conta que grandes grupos nesta área estão a adquirir start-ups para modernizarem as suas operações, já receberam alguma proposta de aquisição?
Acho que estamos bem posicionados para sermos adquiridos pelo nosso investidor [japonês]. Eles investem massivamente em start-ups tecnológicas que sejam disruptivas na área de recrutamento e acho que podemos ser adquiridos daqui a dois anos.

“Diria até que a nível europeu, e não só em Portugal, os empreendedores tentam ser demasiado perfecionistas.”

Sendo um empreendedor português em Silicon Valley, quais são os benefícios e as diferenças entre ter uma empresa sediada no ninho de inovação norte-americano ou numa cidade portuguesa, por exemplo?
Essencialmente networking e mentalidade. O que Silicon Valley nos traz é um pensamento muito americano, que é tentar falhar muito rápido e aprender com isso. Diria até que a nível europeu, e não só em Portugal, os empreendedores tentam ser demasiado perfecionistas. Tentam criar uma coisa espetacular e incrível e depois, quando dão por isso, passaram-se alguns meses e continuam a desenvolver sem nunca terem feedback do mercado. O mindset de Silicon Valley é criar uma coisa mínima, colocá-la no mercado, falar com os clientes e depois vai-se crescendo em cima disso.

Foi isso que eu e o Rui [o outro cofundador] fizemos. Criámos um monstro e depois começámos a perceber que estava muito grande e que se calhar não era nada daquilo que o público queria. Portanto, abrimos uma folha de excel, contactámos empresas e candidatos, percebemos aquilo que fazia, ou não, sentido incluir e construímos em cima disso.

Que conselhos é que daria aos empreendedores portugueses que se querem mudar para Silicon Valley e começar um novo projeto?
Primeiro conselho seria irem para lá com uma ideia previamente validada e com, pelo menos, um MVP [minimum viable product]. Aprendam, vão lá dois ou três meses, façam o máximo de contactos empresariais possíveis e não vão para fazer pitches ou para tentar levantar dinheiro porque isso não vai acontecer. E, da minha experiência e daquilo que vi dos meus colegas de aceleradora, os empreendedores devem-se focar no cliente. Os investidores querem ver tração e retorno financeiro e isso é conseguido com uma carteira de clientes.

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