E depois do Web Summit? Start-ups angolanas estão bem e recomendam-se
Empreendedores angolanos garantem que estar na maior feira tecnológica do mundo é sempre positivo, quer pela exposição, quer pelo “networking”. Conheça as start-ups que estiveram a representar Angola no Web Summit e o que andam por aí a fazer.
O Web Summit não foi uma conferência, foram 21 conferências, 663 oradores, 2 mil jornalistas. Foram intervenções em palco para falar de segurança nas redes sociais, de música, de empreendedorismo, de investimento, de media, de inteligência artificial. Foram três dias e meio, 53.056 pessoas, quatro pavilhões da FIL para 1.490 start-ups, sendo que só quatro eram angolanas. No final, o que ficou para estas start-ups que vieram do outro continente?
Falámos com a Appy Saúde, a My Happy Lunch Box, a Sheshe e a Tupuca sobre como foi estar no maior evento de tecnologia e inovação do mundo e ainda tivemos tempo para perceber como transformam as adversidades que encontram em Angola em oportunidades, e como estão a entrar no radar do empreendedorismo a nível mundial.
Appy Saúde: a revolução nos cuidados de saúde
A Appy Saúde, pensada e desenvolvida em Angola, nasceu da necessidade de ajudar o utilizador a encontrar um medicamento, a saber qual o seu preço e até a fazer a sua reserva (durante 24h). Serve também para a divulgação de médicos e escalas de serviço, com os respetivos horários.
Em pouco mais de um ano, a Appy Saúde veio mudar por completo a experiência dos cidadãos angolanos no acesso a informações de saúde, reunindo numa única plataforma dados atualizados sobre esses serviços. Hoje liga 30 mil utentes a 2 mil farmácias e 200 médicos, em 18 províncias de Angola.
Pedro Beirão é o fundador da Appy e veio a Lisboa à procura de investidores e potenciais fornecedores de soluções tecnológicas. Os primeiros contactos foram satisfatórios, pelo que a ambição de replicar a aplicação noutros países é cada vez maior: “Estamos a resolver um problema em Angola, mas vemos que existe o mesmo problema em Moçambique, na Namíbia ou na África do Sul. Desenhámos a nossa solução não só a pensar em Angola, mas em África como um todo”.
O responsável garante que a presença, pelo segundo ano consecutivo, no Web Summit é “compensadora” e mostra-se satisfeito com o retorno. Se tudo correr bem, vai voltar no próximo ano, garante.
“Realizámos vários encontros com diferentes entidades e as perspetivas de parcerias e negócio são excelentes. Estamos também em contacto com alguns investidores com quem estamos em negociação. É realmente uma plataforma fantástica para start-ups e inovação. O facto de ter a aplicação da conferência, em que podemos entrar em contacto com todos os participantes, incluindo speakers, torna o Web Summit uma plataforma aceleradora de negócios. Enquanto uma das poucas start-ups africanas presentes no evento (apenas 25 participaram este ano) e a única BETA africana de Saúde, vemos que existe ainda um potencial gigantesco a explorar nesta conferência. Esperamos continuar a participar do Web Summit nos próximos anos”, revela.
Neste momento, os promotores estão a reforçar as parcerias comercias, com vista a aumentar a rede e a preparar a expansão da Appy Saúde. Em breve, vamos poder encontrar mais parceiros na plataforma a fornecer serviços de saúde – para além da reserva de medicamentos, vai ser possível fazer a marcação de consultas).
De acordo com Pedro Beirão, a Appy Saúde tem respondido a um dos desafios apontados no Relatório de Saúde Regional Africano 2014 da OMS – A saúde das pessoas: o acesso a medicamentos essenciais (informação sobre medicamentos, preço e disponibilidade).
My Happy Lunch Box acredita que somos o que comemos e está de olho em Portugal
Grão com veggies no forno e molho tzatziki e hummus de abóbora e, para finalizar, um brownie de batata doce com ganache de chocolate. Esta é uma das sugestões de menu do My Happy Lunch Box que foi lançado em abril de 2017, em Luanda.
Para quem ainda não conhece o conceito, o My Happy Lunch Box é um serviço de entrega de comida saudável, catering e workshops, que veio oferecer uma opção saudável aos almoços dos angolanos. A entrega de refeições é feita das 12h às 14h e prioriza, na maioria dos casos, produtos frescos, produzidos localmente e/ou da estação.
Os menus são semanais e estão disponíveis na página de Facebook e do Instagram. Cada refeição tem um custo de 2.500 Kz (cerca de 7 euros) e 1.000 Kz (aproximadamente 2,80 euros) por cada sobremesa.
“Este conceito nasceu de uma brincadeira. A aposta numa alimentação saudável é algo que já fazemos há algum tempo. Então, resolvemos tentar o mercado angolano e tem sido um serviço muito requisitado. Neste momento somos uma marca. Os angolanos sabem e conhecem-nos”, conta Tukula da Silva, CEO e cofundador da My Happy Lunch Box, referindo que “de segunda a sexta-feira elaboramos para a entrega ao almoço mais de 1200 pratos e 400 sobremesas por mês”.
Em fase de desenvolvimento do site, a My Happy Lunch Box vai, em breve, passar a estar também disponível no serviço de entregas Tupuca, mas não pretende ficar por aqui. A aposta num novo canal de distribuição em Angola tem sido outras das preocupações. Por isso, a start-up vai passar a disponibilizar os seus menus também no Candando Hipermercado. “Já falámos com o Miguel Osório e eles estão super interessados em começar a ter os nossos produtos. Não têm nenhum produto sem glúten ou sem açúcares refinados, por exemplo”, afirmou.
Mais recentemente o empreendedor esteve presente no Web Summit com um duplo objetivo: não só para dar a conhecer os serviços da start-up, como também revelar que irá comercializar os seus menus saudáveis, confecionados com produtos da época e biológicos, em Portugal.
“No princípio de 2019, vamos instalar uma cozinha industrial no Beato/ Marvila – ainda estamos a negociar o espaço. A nossa cozinha vai produzir os pratos que vão ser entregues pela Uber Eats e pela Glovo. Cada prato vai ter um QR code que vai permitir ao consumidor saber a origem do produto, para que tenha a certeza de que não está a consumir nada industrializado, ou seja, que tudo vem da terra e direto do produtor”, revelou Tukula da Silva ao Link To Leaders.
Até lá, vão continuar o desafio de “mudar a mentalidade dos angolanos, que estão habituados ao fungue, ao tradicional e não conseguem conceber uma alimentação completamente diferente. Neste momento, queremos tornar o negócio rentável, uma vez que não é a nossa fonte de rendimento”.
Sheshe quer vestir o continente africano
Os tecidos africanos e os seus padrões vão muito além de peças de roupa. Contam uma história passada de geração em geração. São cores vivas, são padrões com movimento que marcam a diferença. São personalidade em tecidos que se envolvem com a pessoa e o seu quotidiano. “E quem veste é assim: são pessoas livres que sabem o que querem e gostam de deixar a sua marca onde quer que passem, são pessoas decididas e divertidas”.
Começa por nos dizer Amélia Armando, uma das fundadoras da Sheshe, que foi criada em 2014 e que sofreu um rebranding em 2017. Virada para o e-commerce, a Sheshe vende artigos de moda e beleza de marcas africanas.
“Temos como atividade principal a venda de artigos de moda e beleza de marcas africanas, uma ideia que surgiu do notável potencial que a moda e a cultura africana têm, bem como da sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento do continente e para um mundo mais rico culturalmente”, explica Amélia Armando.
Neste momento a empresa, que investiu 12 mil dólares (cerca de 11 mil euros), conta com seis marcas angolanas, mas o objetivo é expandir e conseguir ter produtos de outros pontos do continente. “A ideia é ter o continente africano todo representado no site da Sheshe e educar o povo angolano e africano para este novo conceito”, acrescenta.
Esta foi a primeira vez que estiveram no Web Summit. O objetivo era dar a conhecer a Sheshe e fazer networking. E a missão foi bem-sucedida: “Já encontrámos aqui muitas pessoas que nos apresentaram muitas ideias e soluções que nos interessam, marcámos alguns encontros.Tentámos prender a atenção o máximo que conseguimos”, conta a jovem que garante que Angola está a saber aproveitar a nova vaga de lançamento de projetos.
Para a profissional de IT, existe agora um boom de empreendedorismo que acaba com aquele modelo tradicional que havia em Angola: “todos pensavam que acabavam a faculdade e que iriam ter um trabalho no Estado, mas o Estado não pode empregar todas as pessoas e a crise agravou ainda mais a situação. As pessoas estão agora a procurar alternativas, pelo têm surgido projetos inovadores”.
Apesar de venderem só online – registam 400 a 500 visitas mensais no site -, a cofundadora não descarta dos planos a aposta numa loja física. No entanto, até lá têm tentado solucionar os constrangimentos que têm tido com os pagamentos das peças que comercializam. Com a ajuda de uma empresa indiana, estão a tentar o pagamento com um QR code que permite, depois de digitalizado com o telemóvel, concluir a compra.
“Neste momento temos visitantes de outros pontos, mas atualmente só estamos a vender para Angola, porque só podemos receber pagamentos locais. O Paypall, por exemplo, não trabalha com bancos angolanos. Estamos a tentar resolver as questões dos bancos ou ter outra conta bancária noutro sítio para podermos trabalhar com Paypall e vender para fora”, reforça Amélia Armando.
Tupuca: a Uber das entregas em Angola que quer ser uma Amazon
Começou com a entrega de comida de vários restaurantes em Luanda, mas agora podemos encontrar na plataforma uma variedade de produtos de supermercados, farmácias e outros fornecedores.
A Tupuca foi fundada em 2015 por quatro jovens empreendedores e é hoje uma start-up em franca expansão, com 50 mil utilizadores registados – só de Luanda -, que correspondem a mais de 160 mil entregas efetuadas, e mais de 100 funcionários. A Tupuca conta com 120 restaurantes ativos na plataforma, e mais de 460 lojas registadas na lista de espera.
É a primeira app que oferece serviços de takeaway em Angola e, com apenas dois anos e meio no mercado, já viu crescer as suas entregas de 400 para mais de oito mil por mês. Atualmente, a empresa começa a dar os primeiros passos para a entrega de outros produtos, como compras de supermercado, farmácia, entre outros, e nem o trânsito em Angola, que é dos piores de África, é entrave para o seu sucesso.
“Em 2015, enquanto terminava um Mestrado em Empreendedorismo Social em São Francisco, na Califórnia, comecei a explorar soluções locais de entrega de refeições ao domicílio na Bay Area. Às vezes por necessidade, outras por conveniência (não querer sair de casa ou da universidade) e outras vezes simplesmente por preguiça”, começa por contar Wilson Ganga, um dos cofundadores da Tupuca.
“Com um dos sócios a residir em Luanda, o Patrice Francisco, tratamos de todos os assuntos, como estudos de mercado e partilhámos esta ideia de crescimento do negócio. Então, comecei a desenhar nos Estados Unidos a primeira empresa angolana de entrega de refeições ao domicílio, onde os pedidos são feitos online através de uma app móvel”, acrescenta.
Encomendar na app da Tupuca é simples. Basta descarregar a aplicação na App Store ou na Google Play Store, navegar entre os vários restaurantes e selecionar uma refeição. Depois é só adicionar o endereço e escolher entre take-away ou entrega ao domicílio. “Costumamos dizer: submeta a encomenda e o restaurante prepara, a Tupuca entrega, o cliente paga e bom apetite!”, revela o jovem. O custo de entrega pode variar até aos 500 Kz (cerca de 1,41 euros), dependendo da distância.
Wilson Ganga garante que sabe onde quer chegar: “Os nossos objetivos são ser sempre a empresa de referência no mercado angolano no setor de entregas e crescer de maneira sustentável, tornando-nos numa referência na África Subsariana”.
A empresa está já a preparar a sua expansão para Benguela no início do próximo ano, mais concretamente em janeiro. Para os ajudar nesta missão, estão a realizar uma nova ronda de investimentos, visando captar novos investimentos.
O projeto contou inicialmente com 40 milhões de Kz ( mais de 112 milhões de euros) de investimento de Wilson Ganga, Patrice Francisco e Erickson Mueri. Mas não ficou por aqui: “Depois entraram Venture Capitalists angolanos que ajudaram o negócio a crescer mais e agora estamos a preparar-nos para mais uma ronda de investimento”, conta Wilson Ganga.
Atentos a tudo o que se passa à sua volta, os empreendedores marcaram presença no Web Summit pelo terceiro ano consecutivo e de Lisboa “levam coisas boas. Tentamos sempre perceber o que é que os outros estão a conseguir fazer no país deles e tentamos implementar no mercado angolano”, afirma Ganga.
Aos empreendedores que também querem lançar um projeto, o jovem deixa um conselho: “Tenham foco, uma equipa motivada e sejam líderes. Os fundadores devem ser os primeiros a chegar e os últimos a ir embora. A maior dificuldade que ainda temos é saber o que realmente queremos, mas quando soubermos então vamos descobrir a pólvora”.