Opinião
Vestir a camisola (ou camiseta)
“Sei, por experiência própria, como pode ser fácil ou difícil “vestir a camisola” de uma organização. Pessoalmente, não consigo conceber a ideia de fazer parte de uma qualquer organização sem “vestir (e suar) a sua camisola”. Quando essa vontade esmorece, então chegou o momento de a despir e de seguir um novo rumo. Afinal, “camisolas” há muitas e, com alguma sorte e persistência, alguma outra me há-de servir.”
Pouco tempo após a minha chegada a São Paulo, onde vivi e trabalhei por alguns anos, tive uma reunião de trabalho na sede de um grande banco brasileiro, na imponente Avenida Paulista.
Rapidamente a comitiva do banco presente na reunião se apercebeu do meu sotaque lusitano, o que gerou uma curiosidade natural sobre a minha presença no Brasil, pelo que acabei por partilhar com todos os presentes, em traços muito gerais, um pouco da minha carreira e de como ali tinha ido parar.
Em jeito de retribuição, o diretor do banco, um homem sénior e com uma postura formal, mas muito cordial no trato (como, aliás, é apanágio do povo brasileiro), comentou logo de seguida que entrara para o banco há 30 anos, mantendo-se interruptamente em funções desde então.
Ao que eu, de imediato, retorqui “Você veste mesmo a camisola do banco!”.
Gerou-se, instantaneamente, um enorme silêncio na sala, logo seguido de uma (contida) risada geral, menos da minha parte, que não entendi o motivo de tal reação…até que um dos meus colegas me sussurrou ao ouvido que no Brasil “camisola” significa “pijama de mulher”.
Não sendo essa reunião em Lisboa, como era habitual até há pouco tempo, mas em São Paulo, o correto teria sido dizer “Você veste mesmo a camiseta do banco!”.
Este foi apenas mais um passo, entre vários outros, na minha adaptação linguística ao português do Brasil, certamente útil para os anos que se seguiram.
Lembrei-me de partilhar este divertido episódio como forma de introduzir o tópico deste texto, relacionado com a conhecida expressão portuguesa “vestir a camisola”.
Esta expressão é habitualmente utilizada para descrever alguém que se mantém por um longo período de tempo ao serviço de uma organização, empresa ou instituição, ou que, permanecendo por um período não tão longo, é capaz de estabelecer com aquela uma forte conexão ou sincronismo emocional.
A “camisola”, em sentido figurado, mais não é do que as ações ou comportamentos alinhados com a visão, missão, propósito, cultura e valores da organização (parafraseando Ken Gielen).
Existe uma outra expressão, relacionada com a primeira, que é a de “suar a camisola”, normalmente associada a alguém que muito se esforça e dá o melhor de si naquilo que faz.
“Vestir a camisola” ou “suar a camisola” de uma organização, seja esta de que natureza for, é um processo dual, dependente de forças e dinâmicas provenientes de duas partes distintas:
- Uma primeira, associada à forma de liderança e de gestão da própria organização, na forma como esta é capaz de envolver, capacitar, incentivar ou motivar os seus colaboradores, com o impacto que daí pode resultar para o bem-estar destes e, concomitantemente, na sua vontade em “vestir e suar a camisola” dessa organização; e
- Uma segunda, de alguma forma dependente da primeira, a meu ver, associada às pessoas que colaboram nessa organização, desde logo nos seus legítimos gostos e vontades individuais, mas também na atitude e determinação que, livremente, decidem imprimir nas suas ações e comportamentos em prol dessa organização.
Claro está, que apenas uma “camisola” vestida poderá ser suada. Ou seja, é preciso, em primeiro lugar, haver uma predisposição para se vestir uma “camisola”, por via da conjugação bem-sucedida das acima referidas forças e dinâmicas, para que pessoas comprometidas, motivadas e alinhadas com a visão, missão, propósito, cultura e valores de uma organização, possam, por sua vez, suá-la.
Com base na informação disponível (mais ou menos científica), parece ser evidente que a maioria das pessoas por esse mundo fora não veste verdadeiramente a “camisola” das organizações onde trabalha, limitando-se (e isso não é pouco) a cumprir com as funções que lhes são atribuídas ou confiadas, mas sem a dita conexão ou sincronismo emocional que referi anteriormente.
Sei, por experiência própria, como pode ser fácil ou difícil “vestir a camisola” de uma organização (empresarial, no caso), e como isso depende, em boa medida, do seu propósito, cultura de trabalho e dinâmica de liderança e de gestão.
Dito isto, pessoalmente não consigo conceber a ideia de fazer parte de uma qualquer organização sem “vestir e suar a (sua) camisola”, pelo que se ou quando a vontade de o fazer possa, eventualmente, esmorecer, então terá chegado o momento de a despir e de seguir um novo rumo.
Afinal, “camisolas” há muitas e, com alguma sorte e persistência à mistura, alguma outra me há-de servir.