Opinião

Ver pela fechadura ou pela janela

Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital

Nos anos 90 um engenheiro da NASA a trabalhar no Challenger disse a propósito da disputa de ideias e argumentos “se eu vir que não tenho Data para suportar o que eu digo, nem vale a pena dar a minha opinião, porque a do chefe será sempre aceite à frente da minha”.

Mais do que debater se o ‘chefe’ é quem manda ou quem sabe, por experiência, mérito ou não, importa sublinhar aqui o espaço à abertura de ideias, partilha de reflexões, confronto e debate. Uma casa em que não haja espaço à liberdade construtiva de ideias, será uma casa condenada a seguir na direção definida pelo que se vê pelo buraco de uma fechadura em vez de por uma janela.

O problema é que muitas das decisões baseadas na experiência são-nos por via da repetição. Decisões que vezes após vezes tomadas face a circunstâncias similares se tornaram cristalizadas e perfeitas, repetíveis e incontestadas. Este “comportamento aprendido demasiadas vezes”, como é conhecido, torna-se útil pela rapidez de decisão, previsibilidade e experiência, mas também fatal nalgumas poucas, nessas em que as circunstâncias apontavam detalhes de diferença, mas que foram ignorados.

Não ter equipas alerta, despertas, atentas ao pormenor e capazes de ver e avisar sobre o que notam de detalhe pode ser diferente é perder uma oportunidade de encontrar uma melhoria ou evitar um desastre. Habituar todos à repetição e à subserviência será perigoso demais.

Perante a grande máxima “In God We Trust, All Other Must Bring Data”, encerra-se uma crença de que apenas esta informação apurada pode sustentar uma decisão sensata ou, pior, uma partilha de um receio, crença ou sentido de decisão. Se assim for, retiraremos de todo o processo o lado humano que ainda hoje consegue fazer a diferença. Porque é de facto rica a capacidade de “sentir” uma orientação ainda que em cada um de nós não consigamos apurar de onde veio a conjugação de factos, informação e prática.

Ninguém está a dizer para ter em conta e decidir com base em ‘achismos’, mas em promover a consciência ativa, o espírito crítico e a atenção criativa perante as tarefas em curso e os objetivos a atingir. Definir como apenas válidas as vozes que se fazem munir de factos comprovados fará com que essas procurem mais tempo, demoradamente, validar-se com números que por vezes trarão os mesmos já tarde demais. E, sem esquecer, o enviesamento de terem sido vistos os números que apenas profetizavam a ideia já tida.

Ao invés de ignorar as ideias, opiniões e considerações técnicas (não falo aqui das sentimentais), veja como consegue estimular uma cultura de partilha, de reflexão, de aviso, sem que para tal cada um sinta que a seguir terá de comprovadamente justificar numericamente o que o faz antever um problema ou sentir uma oportunidade como se estivesse num tribunal. A abertura da hipótese é em si mesma a maior riqueza. Depois do debate, aí sim, procure-se a Data que enriquecerá o processo de decisão e a clarificação.

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Ricardo Tomé

Ricardo Tomé

Ricardo Tomé é Diretor-Coordenador da Media Capital Digital, empresa do grupo que gere a estratégia e operação interativa para as várias marcas – TVI, TVI24, IOL, MaisFutebol, AutoPortal, etc. – com foco especial na área mobile (Rising Star, MasterChef, SecretStory) e Over-The-Top (TVI Player), bem como ativação de conteúdos multiscreen em todas as plataformas e realizando igualmente a ponte com o grupo PRISA nas várias parcerias: Google & YouTube, Facebook, Twitter, Endemol, Shine, entre outras. Foi, até 2013, coordenador da... Ler Mais..

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