Entrevista/ “Vender o restaurante seria aniquilar uma parte de mim”

Sandra Barata, proprietária do Restaurante Girassol

Psicoterapeuta de formação, Sandra Barata trocou o consultório pelo restaurante dos pais. Desde 2009, lidera o Girassol, um espaço localizado no Montijo com mais de 50 anos de história, que combina a tradição da gastronomia portuguesa com técnicas modernas e um conceito de hospitalidade centrado nas pessoas.

Sandra Barata cresceu entre tachos, aromas e os clientes do Girassol, que sempre foi mais do que o restaurante da família. “Eu cresci no Girassol, e por isso de alguma forma, o Girassol para mim era uma questão de identidade, as pessoas conheciam-me como `Sandra do Girassol´ – esta foi a identidade que foi criada desde a escola primária”, recorda.

Após anos dedicados à psicoterapia, decidiu deixar o consultório em Lisboa para abraçar o projeto dos pais. Com formação em cozinha e pastelaria, Sandra Barata modernizou a carta do restaurante, criou uma zona lounge, reinventou sobremesas e lançou o vinho da casa, mas procurou sempre manter a essência do espaço que se tornou numa referência gastronómica na região.

E quer continuar a inovar: “O próximo passo será na pastelaria, vamos começar a fazer algumas coisas muito especiais para as pessoas poderem levar para casa e oferecer. Entre elas, os bombons”, revela.

Que memórias da infância ainda hoje inspiram os seus pratos?

As ervas frescas que a minha mãe usava e que enchiam a cozinha dos aromas dos mais variados e que continuam a ter predominância em tudo o que faço. Mas a verdadeira inspiração está na cozinha portuguesa típica, a qual procuro muito em famílias tradicionais como por exemplo, a famosa sopa de lebre do Palácio de Rio Frio que adaptei numa receita. A verdadeira inspiração vem do norte de Portugal, dos produtos de proximidade e do país vizinho: Espanha.

“Eu divirto-me a criar coisas novas quer na cozinha ou na pastelaria, e para além disso, existem as pessoas, e onde existem pessoas, existe sempre possibilidade de fazer terapia”. 

Antes de se dedicar ao restaurante, foi psicoterapeuta. Como foi a decisão de largar tudo e assumir uma outra área e dedicar-se ao Girassol em pleno?

Não foi fácil, mas foi uma decisão rápida! Apesar de ter o meu consultório em Lisboa, sempre tive ligada ao restaurante. Mudava ementas e cartas de vinhos, formei a equipa com tudo o que sabia e estava presente nos fins-de-semana. Eu cresci no Girassol, e por isso de alguma forma, o Girassol para mim era uma questão de identidade, as pessoas conheciam-me como “Sandra do Girassol” – esta foi a identidade que foi criada desde a escola primária. Vender o restaurante seria aniquilar uma parte de mim. Não foi uma decisão fácil porque eu gostava muito do que fazia, mas o Girassol sempre apelou à minha criatividade. Eu divirto-me a criar coisas novas quer na cozinha ou na pastelaria, e para além disso, existem as pessoas, e onde existem pessoas, existe sempre possibilidade de fazer terapia.

De que forma a sua formação em psicoterapia a influencia na forma como lida com a equipa e com os clientes?

Ajuda-me muito, na realidade, a gerir as expetativas dos vários membros da equipa e a conseguir lê-los em termos de saber se estão ou não bem. Outra coisa que faço é potenciar as suas qualidades colocando-os em posições onde se sintam mais felizes e realizados. Por exemplo, contratei uma miúda para a cozinha, mas senti que na realidade ela gostava mesmo da pastelaria. Mudei-a de posição para a pastelaria, onde ela se sente muito mais feliz. E como somos uma família consigo sentir quando alguém não está no seu melhor, e consigo ajudá-los muitas vezes até em termos familiares.

“(…) na gestão fazemos o pagamento assim que chega a mercadoria, ‘não temos nada no restaurante que não seja nosso’ – era o lema do meu pai”.

Que ensinamentos dos seus pais considera mais importantes e procura manter na cozinha e na gestão do restaurante?

Principalmente na gestão do restaurante e na relação com fornecedores e clientes. Fazer com que sejam parceiros e que se sintam em casa. Temos fornecedores com mais de 40 anos. Alguns já são os filhos que nos visitam. Por outro lado, na gestão fazemos o pagamento assim que chega a mercadoria, ‘não temos nada no restaurante que não seja nosso’ – era o lema do meu pai. Até aos dias de hoje assim é…

Como consegue equilibrar a tradição da gastronomia portuguesa com técnicas modernas e sofisticação nos pratos?

Sim, por exemplo, aquilo que as nossas avós faziam na panela de ferro durante a noite, nós fazemos com um Ronner e chama-se hoje cozinhar em Sous-Vide. O nosso rabo de boi é feito a baixa temperatura numa placa que compramos para o efeito, que mantém a temperatura de cozedura constante durante toda a noite. São dois processos idênticos, mas o segundo agora é muito mais controlado. O tempero é igual ao tradicional, mas as técnicas permitem-nos controlar a consistência daquilo que vai para a mesa em termos de qualidade e sabor, no ponto certo.

Os gelados caseiros, o vinho Girassol e a produção futura de queijo próprio são exemplos de inovação. Qual é a visão por trás destas iniciativas?

Os gelados foram uma inovação implementada durante a pandemia, e tiveram a ver com a qualidade dos mesmos face ao preço injustificado que passaram a ter. O que era chamado de gelados artesanais, eram na realidade industriais e aromatizados com muitos corantes. Tento que na minha casa as pessoas percebam a diferença do que é realmente artesanal e industrial, e as pessoas percebem quando comparam os nossos gelados com os outros. Para além disso, nós servimos sempre um gelado a acompanhar uma sobremesa, e consoante a sobremesa eu invento um gelado.

É nesta área que mais me divirto e onde a minha capacidade criativa é posta à prova. Já fiz gelado e sorbets de tudo. O mais estranho que fiz foi um sorbet de batata-doce, que ficou delicioso! Outro o gelado de Madalena, o de laranja com flor de laranjeira, o de ovos moles com whisky Macallan que fazemos para a nossa tarte de Whisky… O de Folha da figueira para a tarte de figo…

Quanto ao vinho, era ter uma marca nossa, que nos identificasse e que fosse de encontro àquilo de que a maior parte dos clientes gostam a um preço razoável! E funcionou muito bem, 80% do vinho vendido é o nosso!

“(…) eu herdei um restaurante com 50 anos de história, já era reconhecido na região, e depois é o passa palavra o mais importante”.

O restaurante está numa zona fora da cidade, o que torna mais difícil atrair clientes. Que estratégias implementou para superar este desafio?

Não implementei nenhuma estratégia em especial e muitas em geral. Mudei a ementa para uma ementa com muitas entradas diferentes, mudei o serviço na sala e para isso contratei um consultor para formar e dinamizar a equipa, equipei-me com todos os novos equipamentos que me permitiram inovar e reforçar a consistência da equipa da cozinha. Esta, bem como a equipa de sala, fez muita formação este último ano.

As redes sociais também foram um canal de difusão, atualmente muito importante, o que nos fez chegar às camadas mais jovens e para elas introduzimos também a nossa carta de cocktails. Fiz um lounge em que as pessoas podem esperar a ouvir música e a tomar uma bebida ou comer alguma coisa. No fundo é fazer com que toda a experiência desde que o cliente chegue seja o mais agradável possível.

Quando crio qualquer coisa na cozinha procuro criar coisas únicas e diferentes do que existe em Portugal. Para além disso, eu herdei um restaurante com 50 anos de história, já era reconhecido na região, e depois é o passa palavra o mais importante.

A filosofia do Girassol parece muito centrada na experiência do cliente e na liberdade de cada um. Como define o conceito de hospitalidade que aplica no dia a dia?

Defino-o como uma hospitalidade esclarecida! Os meus empregados conhecem a maior parte dos clientes, tratam as pessoas pelo nome e sabem as suas preferências. São atentos e atenciosos e escolhidos e formados para lidarem com pessoas. Aqueles que não são conhecidos são tratados como se fossem! Fazer com que o cliente se sinta em casa é a nossa missão principal! Por isso não trabalhamos com turnos de 2 horas. O cliente fica connosco até achar que está na hora de sair e não antes.

Para si, o que significa gerir um restaurante com tradição familiar e ao mesmo tempo inovar e modernizar constantemente?

Significa um desafio permanente! As pessoas precisam de novidade, mas também temos de manter os nossos pratos que fizeram história, como é o caso do rabo de Boi Estofado em Vinho Tinto, da Empada de Perdiz ou do Cabrito Estonado.

A nossa primeira referência é a cozinha tradicional portuguesa e assim no vamos manter por tributo às nossas raízes culturais e ao que de melhor se faz de norte a sul do país, mas depois vou introduzindo novidades um tanto ou quanto ibéricas, nas entradas como os ovos rotos de cabineiros, os nossos famosos croquetes e outras tantas que vão mudando consoante a estação do ano. Depois temos os pratos, mais modernos, como o Lombo de Novilho com Foie Gras, a Lagosta com Beurre Blanc de Cítricos, etc. E os nossos arrozes são fenomenais. Há toda uma variedade para todos os tipos de clientes.

Quais são os próximos passos para o Girassol em termos de inovação e oferta gastronómica?

O próximo passo será na pastelaria, vamos começar a fazer algumas coisas muito especiais para as pessoas poderem levar para casa e oferecer. Entre elas os bombons.

Que conselhos daria a quem quer transformar um restaurante familiar, mantendo a essência e inovando?

Não existe sucesso sem investimento! A formação dos empregados e a nossa própria são a chave. Investigação, outro elemento importante. Os hábitos de consumo estão a mudar. E precisamos conhecer as tendências! Por outro lado, não desvirtuar a essência do que já era! E isso de alguma forma é honrar o legado que nos deixaram!

Como gostaria que os clientes se lembrassem do Girassol daqui a 10 anos?

Como o melhor restaurante de cozinha tradicional portuguesa que conhecem!

 

 

Comentários

Artigos Relacionados