Opinião

Uma aventura, várias histórias e lições

Tiago Rodrigues, gestor e investidor

Do Tejo ao Guadiana, pai e filho, 500 quilómetros a pedalar e muitas histórias para contar. Porque as verdadeiras viagens não se medem em quilómetros, mas em memórias partilhadas – nem servem apenas para chegar a um destino, mas para descobrir o caminho.

Neste último Verão fiz-me à estrada – no verdadeiro sentido da palavra – e, na companhia do meu filho, 30 anos mais novo, percorremos de bicicleta mais de 500 quilómetros, entre a foz do rio Tejo, junto à Costa de Caparica, e a foz do rio Guadiana, em Vila Real de Santo António.

Foram vários dias a pedalar ao longo da costa a sul do Tejo, com as suas paisagens deslumbrantes, serras silenciosas, caminhos inóspitos e sítios cheios de vida.
Uma aventura com muitas histórias para sempre relembrar. Algumas marcantes, que aqui partilho.

  1. A magia do desconhecido

Boa parte do percurso foi feito fora de estrada, por caminhos de terra e por lugares a que, provavelmente, jamais voltaremos – uns inóspitos, outros deslumbrantes.

Aqueles dez a quinze quilómetros antes da chegada à Carrapateira, contornando a serra de Espinhaço de Cão, no Algarve, são algo que não consigo descrever: a natureza selvagem, a beleza, o silêncio, a total ausência de presença humana – só mesmo passando por lá para se perceber essa sensação.

A saída de Porto Covo, com vista para a ilha do Pessegueiro, o sinuoso trilho entre os arbustos antes da Zambujeira do Mar, a chegada à praia de Odeceixe e a passagem pelas belíssimas rias de Alvor e da Formosa ficaram igualmente na memória. Assim como a simbólica chegada ao nosso destino final, com direito a mergulho no Guadiana.

O Portugal rural, parado no tempo, esteve presente em toda a sua autenticidade, apenas interrompido pelo contraste da impactante (e difícil de atravessar) zona industrial de Sines e pelo urbano e movimentado litoral sul algarvio.

  1. A tormenta de Aljezur

Depois de quase 80 quilómetros percorridos, desde Porto Covo até Aljezur, já em terras algarvias, a nossa satisfação era evidente.
O percurso – Porto Covo, Milfontes, Zambujeira do Mar, Odeceixe, Aljezur – tinha sido mais fácil do que o esperado. As inclinações que o GPS nos havia mostrado na véspera pareciam exageradas.

Até chegarmos à subida para o castelo de Aljezur, no caminho para a Praia da Arrifana.
Aquela meia dúzia de quilómetros finais levou-nos à exaustão e fez-nos recordar que nunca se deve celebrar antes da linha de chegada.

  1. Quando nem os Santos ajudam

No trajeto entre a Carrapateira e o Cabo de São Vicente, e, mais adiante, entre Sagres e Vila do Bispo, fomos brindados com fortes rajadas de vento, habituais no Barlavento algarvio.
Descidas que pareciam subidas, bicicletas a balançar e equilíbrio difícil de manter, os alforges a pesarem cada vez mais. Nunca as descidas me custaram tanto.

Lembrei-me então da expressão “a descer, todos os Santos ajudam”, mas naquele dia nem todos juntos foram suficientes para contrariar o vento forte, dificultando sobremaneira a nossa tão desejada chegada a Lagos.

  1. Manuel, o improvável salvador

Manhã bem cedo em Lagos, prontos para partir rumo a Vilamoura, e o sistema de mudanças da bicicleta do meu filho partiu-se.

Pesquisas, telefonemas, recomendações: todos diziam o mesmo – “falem com o Sr. Manuel”. A única condição: ter paciência e esperar que ele apareça. O Sr. Manuel, septuagenário, gosta de fazer a sua caminhada matinal antes de abrir o seu pequeno estaminé. Sorte não ser fim-de-semana.

Esperámos. Cerca das 10h, o Sr. Manuel, vagaroso, lá chegou à sua oficina: um espaço pequeno, escuro e sujo, com manchas de óleo, peças e bugigangas espalhadas um pouco por todo o lado.

Quinze minutos depois, a bicicleta estava como nova e pronta a rolar.

Sem a preciosa ajuda do simpático e prestável Sr. Manuel, a nossa viagem teria acabado por ali. Uma demonstração do enorme valor do verdadeiro conhecimento prático, rústico, passado de geração em geração, infelizmente em vias de extinção.

  1. A armadilha da confiança

Nos primeiros dias seguimos o plano à risca: controlo de esforço, pausas programadas e ingestão regular de líquidos e nutrientes.
À medida que o corpo se habituava, a confiança foi crescendo, assim como a tentação de ignorar as regras e os limites físicos.

No último dia, pedalámos cerca de 60 quilómetros, de Vilamoura a Tavira, praticamente sem parar. O sol aquecia, as centenas de quilómetros já percorridas começavam a pesar e o corpo começou a ceder.

Quando finalmente parámos, estávamos no limite da exaustão, mas tínhamos ainda algumas dezenas de quilómetros pela frente até ao nosso destino final.
Foi ali que percebemos que o excesso de confiança pode transformar-se numa armadilha.
A humildade e a disciplina são tão importantes quanto a força: na bicicleta e na vida.

  1. Querer é poder

Jamais havia pedalado mais de 40 quilómetros num mesmo dia em toda a minha vida; numa das etapas percorremos 110 quilómetros carregados com alforges e mochilas.
Mais do que uma prova física, foi uma lição sobre a força que surge quando temos um propósito – neste caso, uma aventura para sempre relembrar entre pai e filho.
E não pude deixar de recordar um lema que me é tão querido: “Querer é Poder”.

  1. O caminho que fica

No final de uma viagem como esta, percebemos que o destino importa menos do que o caminho – e, sobretudo, com quem o fazemos.
Mais do que os quilómetros percorridos, as subidas vencidas ou as paisagens deslumbrantes, o que permanece é a cumplicidade construída a cada pedalada, a entreajuda silenciosa, o riso partilhado depois do cansaço e a emoção de viver algo que ficará entre pai e filho.

Esta aventura foi muito mais do que um desafio físico: foi uma viagem de partilha, descoberta e ligação.
E talvez seja essa a maior lição de todas – que as melhores viagens não se medem em quilómetros, mas em memórias partilhadas.

E é por isso que ao escrever estas palavras, meses volvidos, sinto-me, meu querido filho, como estando novamente a pedalar ao teu lado pelos deslumbrantes caminhos que juntos percorremos.

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Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

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