Opinião
Um Português no Luxemburgo

O Snr. José António é sapateiro. Daqueles que faz sapatos. Com a sua velha máquina e com um conjunto de sovelas e pequenas ferramentas que herdou do seu tio, ele consegue produzir 10 pares em 100 horas de trabalho. Vende-os por 1000 euros, sem dificuldade, a lojistas seus conhecidos.
O Snr. José António não sabe que a sua “produtividade” é de 10 euros por hora. O que o Snr. José António sabe é que o dinheiro lhe parece pouco. Por isso decidiu emigrar para França. Pegou na velha máquina e nas velhas ferramentas e lá foi ele. Uma vez em Paris, em casa de um sobrinho, continuou a produzir os mesmo 10 pares de sapatos cada 100 horas. Conforme suspeitava, conseguia agora vendê-los por 2000 euros. Ele não se deu conta, mas a sua “produtividade” aumentou, sem mais nem menos, para 20 euros por hora. Os sapatos são os mesmos, nada mudou a não ser o mercado em que agora exerce a sua profissão. Um cliente luxemburguês, maravilhado com os sapatos do Snr. José António, decidiu então convidá-lo a ir para o Luxemburgo. Para o convencer resolveu facilitar-lhe a vida prometendo-lhe uma máquina nova, com motor elétrico, capaz de cortar em metade o tempo de fabrico de cada par de sapatos.
O nosso amigo, agora chamado de “bottier”, pensou que nada tinha a perder e meteu-se à estrada no seu recém-adquirido Renault Twingo. Uma vez no Luxemburgo o nosso amigo vimarenense constatou que a máquina elétrica era, realmente, uma maravilha. Conseguia despachar 20 pares de sapatos em 100 horas de trabalho e vendê-los ao preço de Paris ou seja, 4000 euros no total. Num espaço de três meses, a “produtividade” do Snr. José António passou de dez euros por hora em Guimarães para 40 euros por hora no Luxemburgo. O Snr. José António não melhorou as suas qualificações, não mudou de materiais, não alterou o desenho dos seus sapatos. Apenas mudou de mercado, num primeiro momento e, quando foi para o Luxemburgo, aceitou um investimento de capital no seu negócio.
O exemplo é grosseiro, mas serve para sublinhar umas quantas verdades que parecem esquecidas do nosso comentariado económico que tende a culpar os nossos profissionais da sua baixa produtividade. Em primeiro lugar, a produtividade mede-se em dinheiro e não em quantidades produzidas. O que conta não é o número de sapatos fabricados, mas o valor que se cobra por eles. Em segundo lugar, fatores independentes do trabalhador, como o valor atribuído a um determinado tipo de trabalho variam segundo os mercados.
Em Paris, um sapateiro é um “bottier” e o seu trabalho é melhor pago que em Portugal. Por isso os sapatos são mais caros em França e os sapateiros ganham mais. Finalmente, uma mesma pessoa se tiver capital para investir na sua profissão pode ver a sua produtividade aumentar substancialmente. No exemplo do Snr. José António, foi o investimento numa nova máquina de coser que lhe permitiu dar o salto final. Em cada passo que deu, o nosso homem continuou o mesmo, trabalhando as mesmas horas e fazendo o que sabia: sapatos.
Da próxima vez que ouvirmos culpar os portugueses pela sua baixa produtividade não esqueçamos isto: por cá, a nossa produtividade é das mais baixas da Europa. Mas, no Luxemburgo, onde são quase 25% da força de trabalho, os portugueses são os trabalhadores mais produtivos da União Europeia.