Entrevista/ “O turismo sustentável é uma necessidade e não mais uma opção”

Luigi Cabrini, PCA do Global Sustainable Tourism

Luigi Cabrini, presidente do Global Sustainable Tourism, esteve em Portugal para participar no Smart Funchal. Com uma vida dedicada ao turismo global nas Nações Unidas, o italiano falou ao Link To Leaders sobre a sustentabilidade do turismo e as perspetivas de evolução das cidades inteligentes.

O presidente do conselho de administração do Global Sustainable Tourism, conselheiro do Secretário-Geral da Organização Mundial de Turismo e ex-representante do Alto Comissariado para os Refugiados em Madrid esteve no Funchal em maio para participar como orador do Smart Funchal -Cities & Tourism Summit.

O Link To Leaders falou com o líder sobre o trabalho que desenvolveu nas Nações Unidas, o turismo, a sustentabilidade e o que prevê para o futuro, bem como sobre as cidades inteligentes.

Foi jornalista, trabalhou em instituições humanitárias e hoje dedica-se ao turismo sustentável. Quais as principais lições que aprendeu em todas estas “vidas”?
De facto, tive a oportunidade de fazer diferentes coisas na minha vida, todas elas em áreas de que gostava e com as quais estava comprometido. Como jornalista, trabalhei na edição italiana da revista Rolling Stone, tendo escrito sobre o movimento antinuclear que, na época, no início dos anos oitenta, estava a envolver muitas pessoas. Depois integrei o programa de desenvolvimento das Nações Unidas e de seguida o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ao qual dediquei quase 20 anos da minha carreira. Finalmente, juntei-me à Organização Mundial do Turismo, como diretor para a Europa e, de seguida, como responsável pelo desenvolvimento do turismo sustentável. Todos estes cargos me trouxeram a oportunidade de fazer coisas alinhadas com as minhas próprias ideias e princípios, pelo que vejo uma certa continuidade entre eles, mesmo tendo sido bastante diversificados.

Entre 1982 e 2002 foi responsável pelo programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, assistência e proteção dos refugiados, tendo representado a posição da Guatemala, México, Somália, Paquistão, Polónia e Espanha. São os refugiados uma ameaça à paz na Europa? O que pode ser feito para resolver esta questão em países como a Grécia, Espanha e França?
De facto. Testemunhei uma das maiores crises humanitárias depois da II Guerra Mundial. Penso que o número de refugiados a entrar na Europa é apenas superado pelo número de refugiados criados pela II Guerra Mundial. Estes são uma grande crise na Europa. Foi assim durante o conflito na Jugoslávia no início dos anos 90, mas sem que o número de refugiados tivesse chegado ao dos refugiados sírios que estão a fugir deste horrível e terrível conflito nos seus países.

Não acredito que se trate de uma ameaça à paz na Europa, como referiu na questão, mas está claramente a colocar um enorme stress sobre os governos e as pessoas. No entanto, estamos a ver países que estão a responder com grande generosidade, como a Grécia, por exemplo, país que atravessou recentemente uma crise económica. Sei, por exemplo, e estivemos recentemente lá, que existe um projeto de turismo sustentável em Lesbos, que está hoje a receber centenas ou milhares de refugiados sírios.

Sim, é um facto que tal está a colocar a Europa em stress. Por outro lado, compare a percentagem de refugiados na Europa com a população europeia e compare-a com a existente em países como a Jordânia ou o Líbano, por exemplo. Vemos que a percentagem continua a ser bastante reduzida e que, neste sentido, existe capacidade para os integrar.

Vejo com grande preocupação certos países, como a Hungria por exemplo, que estão a fechar as suas fronteiras e a construir muros, o que vai contra uma norma internacional muito básica que diz que a proteção internacional a pessoas que estão a fugir da guerra e da perseguição é uma obrigação.Claro que, e concluo, será importante resolver o problema na origem. Existe hoje uma tentativa a decorrer sobre o conflito na Síria, mas, como sabe, existem tantos interesses políticos e geopolíticos por trás… Vamos ver. Vamos esperar que as conversações chegam a alguma conclusão, mas de facto é muito preocupante, muito triste ver tantas famílias, crianças e mulheres desejosas de fugir.

Esqueci-me de mencionar os que vêm da Líbia, principalmente para Itália. Três mil destes morreram afogados no ano passado no Mediterrâneo. Isto é um facto terrível. Penso que os países desenvolvidos, embora tal possa implicar um esforço e alguma pressão sobre a sua sociedade, têm de fazer o máximo que puderem para honrar as suas obrigações internacionais e receber os refugiados.

Como funciona o Conselho Global de Turismo Sustentável (GSTC) enquanto organização?
O Conselho Global de Turismo Sustentável tem a sua origem em 2007, quando um grupo de organizações parceiras se juntaram para desenvolver o primeiro conjunto de critérios para hotéis e operadores turísticos. Existia uma grande diversidade de parceiros, como a Organização Mundial do Turismo (UNWTO), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Programa Rainforest Alliance, o Fundo Mundial para Natureza (WWF), organizações não-governamentais, universidades, entre muitos outros. O GSTC tornou-se oficialmente uma organização em 2010.

Como trabalhamos? A primeira coisa a dizer é que, de momento, não temos um escritório físico. Cada um de nós está num país e num continente diferente. Eu vivo em Madrid, o CEO mudou-se de São Francisco para Banguecoque, enquanto que o diretor-geral está sediado em Taiwan e o diretor técnico vive em Amsterdão. O GSTC é, de facto, uma organização global e os seus membros refletem a universalidade das nossas atividades.

Para além do reduzido secretariado que referi, há um grupo mais extenso de membros do conselho de administração, em representação de importantes organizações de turismo e de empresas que contribuem voluntariamente com as suas ideias, pensamentos e trabalho intelectual em diferentes programas que estamos a desenvolver, como na acreditação de programas certificados, avaliação de destinos, formação, entre outros.

Como vê o turismo sustentável? Quais são os seus principais desafios?
Acredito que o turismo sustentável é uma necessidade e não mais uma opção, uma vez que os dados do turismo internacional e do turismo doméstico continuam a aumentar: 1235 milhões de turistas internacionais e 5 mil milhões de turistas nacionais em 2016. Se queremos continuar a desenvolver um setor que gera emprego e benefícios sociais e económicos, temos de garantir que é potenciado o impacto positivo e reduzido o impacto negativo.

Existem vários aspetos, e não apenas o do impacto no ambiente, que é fundamental, como existirem boas condições de trabalho para os que trabalham no turismo, o empoderamento das comunidades onde o turismo se desenvolve e o respeito pela cultura e pela autenticidade. Temos de ver a sustentabilidade como a outra face da moeda do crescimento do turismo, uma não pode existir sem a outra. É por isto que sentimos que precisamos de criar um corpo como o GSTC, que estabelece e gere os padrões mundiais para tornar o turismo mais sustentável a nível global.

Como é que vai evoluir nos próximos anos a agenda da sustentabilidade nas viagens e no turismo? Quais são as tendências?
Nos últimos anos, temos visto tendências que apoiam o turismo sustentável. Por outro lado, também o aumento do reconhecimento a nível internacional com, por exemplo, a declaração de 2017 como o ano internacional do turismo sustentável pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Há também um crescente interesse e compromisso por parte de grandes empresas turísticas. A TUI, a maior operadora na Europa, é um membro ativo do GSTC, bem como o grupo Intercontinental e por aí em diante. As grandes empresas privadas percebem que, se querem continuar com o negócio, terão de cuidar da riqueza em que está assente o turismo, que são as comunidades de recursos naturais, a autenticidade cultural, etc.

Hoje os desafios são muitos, porque nem todos percebem o que é necessário para ser capaz de desenvolver o turismo sustentável. Continuam a existir muitas áreas em que é seguida uma abordagem a curto-prazo em vez de uma a longo-prazo, pelo que é importante que o setor privado, o setor público e as organizações internacionais continuem a desenvolvê-lo. Por outro lado, que se procurem líderes, líderes políticos, líderes no setor privado, que de facto sigam pelo caminho de um turismo mais sustentável.

Qual a parte mais desafiante quando se trabalha num organismo das Nações Unidas, como é o caso da UNWTO?
Bem, para mim foi muito interessante trabalhar na Organização Mundial do Turismo (UNWTO). Integrei a organização em 2002 e, nessa altura, era representante do Alto Comissariado para os Refugiados em Madrid e secretário da UNWTO, que tem sede em Madrid.

Comecemos pelas coisas boas do UNWTO. É um organismo das Nações Unidas, pequeno, mas cujo aspeto positivo é tornar o seu conselho muito flexível, para conseguir dar resposta às necessidades governativas e de outros membros. Quando comparado com muitos outros organismos das Nações Unidas, penso que é muito menos politizado. Tínhamos nas nossas reuniões, quando era diretor da Europa, um representante da Arménia e do Azerbaijão que, como sabe, têm um longo conflito latente entre si. No entanto, eram representados conjuntamente em termos turísticos, cujo representante falava com ambos e conseguiam encontrar interesses comuns.

Também acredito que a UNWTO tem sido, e continua a ser, muito especial para os países em desenvolvimento e para os jovens países que entram no mundo do turismo e veem no UNWTO um espaço em que podem ser conhecidos, ter as suas próprias ideias, as suas próprias estratégias serem ouvidas, pelo que acredito que existem muitos aspetos positivos. Sobre as dificuldades, bem, continua a ser uma organização com membros estatais, pelo que por vezes é preciso ser-se muito cuidadoso com as sensibilidades de certos países.

Outra dificuldade é, claro, o financiamento. Gostávamos de ter a UNWTO com um fundo superior ao que temos, mas temos de conseguir trabalhar com os recursos que temos. Fui membro da equipa do UNWTO durante 12 anos, sendo neste momento conselheiro do secretário-geral, mas mantenho um contacto próximo com a organização.

Como pode o turismo ser uma ferramenta para o desenvolvimento sem causar dano no ecossistema e manter-se sustentável?
Os 41 critérios criados pelo Conselho Global de Turismo Sustentável, enquanto orientações para os operadores de viagens e para a indústria do turismo, tentam abordar quais são exatamente os princípios que têm de ser respeitados, de forma a que o desenvolvimento do turismo aconteça de forma sustentável e sem causar danos no ecossistema e, como já referi, criar um ambiente social e económico saudável. Os quatro pilares são o local, a começar pela gestão, seja dos destinos ou das empresas privadas, e depois os assuntos ambientais ligados à sociedade e à economia. Penso que o caminho para a sustentabilidade é um caminho e, de facto, nunca se chega ao fim. É uma melhoria constante e penso que existe muito espaço para melhorias no arranque, por exemplo ao nível da redução do consumo energético dos hotéis, de uma melhor gestão dos transportes até aos destinos, da regulamentação do turismo nos monumentos mais visitados sob a alçada da UNESCO, e por aí em diante. Há, de facto, diversas formas e, como referi, providenciamos as ferramentas necessárias para o fazer.

É importante que se saiba que, nos últimos 20 anos, o turismo se tem estado a desenvolver a um ritmo muito mais rápido nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos. Em certos países, o turismo é o primeiro ou segundo em termos de setores geradores de riqueza, pelo que é vital que este seja desenvolvido de forma a manter os recursos desses países. Estou a pensar, por exemplo, nas pequenas ilhas, em que os recursos naturais são tão frágeis que, por vezes, o turismo representa a maior e mesmo única fonte de riqueza. Assim, em jeito de conclusão, existem formas de o fazer e nós, enquanto organização, tentamos providenciar as ferramentas que facilitem o caminho para a sustentabilidade, seja para o setor privado ou para o setor público.

Falou sobre os “Critérios Globais para o Turismo Sustentável” no Smart Cities Tourism Summit 2017 em Portugal. Quais as principais mensagens que passou?
Como já referi numa das questões anteriores, sobre quais são os Critérios Globais para o Turismo Sustentável. O último conjunto de critérios foi muito centrado nos destinos. Penso que as Smart Cities, as Smart Destinations, são um novo conceito, um conceito importante, pelo que percebi, nas novas tecnologias, na inovação, na comunicação, para que as cidades se tornem primeiramente mais inteligentes, segundo o meu ponto de vista. Já do ponto de vista do evento, tratou-se da cidade enquanto destino turístico.

Penso que a maioria dos nossos critérios foram, de facto, muito relevantes para o conceito de comunicação, de compromisso entre as diferentes partes. Como referi anteriormente, o recurso às novas tecnologias, as abordagens inteligentes para disseminar a informação, para ser capaz de identificar a evolução nos destinos em tempo real e permitir a reação, por exemplo na gestão dos congestionamentos nos pontos turísticos, facilitarão isso.

Estive recentemente numa importante conferência sobre destinos inteligentes, organizada pelo UNWTO no sul de Espanha, em que foram definidas algumas das linhas mestras. Penso que o evento na Madeira, logo a seguir ao outro grande evento, permitiu criar e elaborar recomendações específicas para destinos como este. A Madeira é uma ilha. Como já referi, penso que a vulnerabilidade das ilhas, como as dificuldades ao nível do acesso, da gestão da água, da energia, e por aí em diante, fizeram com que tivesse sido ainda mais importante que neste evento fossem abordados alguns dos maiores aspetos da sustentabilidade, a partir da perspetiva das novas tecnologias e inovações, bem como da perspetiva da sustentabilidade em geral.

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