Opinião
Os robots podem receber medalhas?
Enquanto profissionais, fomos sempre habituados a avaliar e a avaliarem o nosso trabalho. Somos melhores profissionais quanto mais conseguimos dominar os processos de negócio, produzir resultados positivos repetidamente e criar confiança na entrega destes. Ou seja, no nosso mundo, os melhores profissionais são os que mais previsivelmente e eficientemente entregam resultados. Admitamos, o paradigma do sucesso profissional valoriza-nos quanto mais próximos estamos dum robot, no que toca à previsibilidade e eficiência, certo?
Estamos já longe da experiência laboral da Revolução Industrial, onde se exigiam processos mecânicos e o sr. Ford se queixava de lidar com seres humanos quando só queria um par de mãos. Contudo, hoje dominar um processo é o paradigma de sucesso profissional e justamente, porque significa um maior e mais continuado impacto positivo na estrutura de negócio. Mas também este paradigma mudará, essencialmente por duas razões (pelo menos).
Uma primeira passa pela própria transformação constante dos processos, que nos impede de dominar um processo durante um período relevante de tempo – o aparecimento de novos equipamentos, técnicas e mudanças constantes de contexto obrigam a que todos os especialistas reaprendam-nos continuamente. E esse é um trabalho constante.
A segunda razão decorre da primeira – inteligências artificiais e robots começarão a realizar tarefas administrativas e tratarão das tarefas repetidas e previsíveis. E a utilização destas tecnologias aumentará porque conseguem ser mais eficientes e previsíveis na entrega de resultados. Até que gradualmente a maioria das tarefas repetitivas e administrativas serão realizadas por robots e inteligências artificiais. Entre muitas outras coisas, isso significará que deixaremos de ter tantos empregos focados na execução e muitos mais empregos orientados à supervisão e orientação. E que orientaremos tanto máquinas como pessoas para objetivos que não se circunscreverão à rapidez e eficiência – pois doutra forma não seria necessária essa mesma supervisão.
Paradoxalmente, acredito que o foco na supervisão dos processos e não na sua execução despertará um maior interesse com temas de responsabilidade social que têm sido arredados do nosso quotidiano. Porque o propósito dos processos é, na sua génese, sempre a nossa satisfação enquanto ser humano, cidadão, consumidor, colega, gestor ou líder. O funcionamento da sociedade, a forma como comunicamos, como queremos crescer enquanto indivíduos, como queremos garantir princípios como a igualdade de oportunidades, igualdade de género, justiça social, solidariedade social… Todos estes temas terão de ser efetivamente trabalhados por profissionais e enquadrados para que os processos automatizados se orientem verdadeiramente para os pressupostos da nossa felicidade.
Filosofia, sociologia, antropologia são as disciplinas que ganharão uma maior visibilidade, porque elas estudarão os princípios desse novo modelo de sucesso profissional, desses novos desafios de crescimento económico – responder às responsabilidades éticas, ecológicas e restantes causas sociais e cívicas que definirão a nossa felicidade social. Surge assim um modelo de sucesso profissional orientado aos valores e não aos processos, onde o alinhamento dos objetivos da organização e dos consumidores com o dos cidadãos é executado pelo profissional – que deixa de ser tanto um executante e mais um coordenador. Cada vez mais, teremos profissionais com um propósito e enquadramento social.
Por isso, faz sentido uma aposta na educação destas disciplinas – não apenas porque correspondem a profissões do futuro, mas porque já no presente começamos a sentir a necessidade da ética no exercício da função política, da privacidade nas relações económicas, da humanidade nas soluções tecnológicas. Como por exemplo, nas inteligências artificiais que estamos a educar e que irão ser a maior força laboral do nosso futuro. E que precisam de conhecer estes valores e de orientar os seus processos a eles e por eles – doutra forma, corremos riscos de extinção.
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Head of Marketing no IT People Group, Luís Bravo Martins trabalha com Realidade Aumentada desde 2013. É o autor do livro “A Realidade Morreu – Viva a Realidade Aumentada”, um manual de introdução ao tema, agora na 2.ª edição. Com 20 anos de experiência em multinacionais, consultoras e start-ups, é ainda copresidente do capítulo português da VR/AR Association, a maior associação profissional de Realidade Virtual e Aumentada, com mais de 4500 membros.