Opinião
“Todos, todos, todos?”

Se alguma coisa tem tornado os jornalistas perplexos nestes últimos dias é quando resolvem fazer a pergunta sobre a eleição do novo Papa e de quem será o eleito, vários entrevistados responderem que a escolha principal é do Espírito Santo que inspira os Cardeais na sua escolha.
De facto, seria aliciante poder fazer uma sondagem à boca da urna para apontar favoritos ou então fazer debates televisivos com os cardeais mais elegíveis. Tudo isto faz parte do funcionamento do mundo atual – social e político –, e, portanto, falar da inspiração do Espírito Santo soa como algo mais do que anacrónico… completamente irreal até.
No entanto, o Espírito Santo atua muito mais de forma humana do que se possa imaginar. Numa verdadeira campanha de troca de ideias e de dar a conhecer personalidades distintas, os Cardeais vão estar reunidos para falarem entre si dos grandes temas da atualidade, do mundo e da Igreja. São as chamadas Congregações Gerais. Consta que terá sido pelo discurso feito pelo então Cardeal Bergoglio sobre a Igreja das periferias que o colégio Cardinalício terá decidido em peso votar nele para ser o Papa Francisco. Vários filmes fictícios, feitos ao longo dos anos sobre o Conclave, mostram como, por vezes, um simples discurso muda radicalmente o sentido de voto. Ora cá temos o Espírito Santo a agir por via humana. Além do mais, os Cardeais votam por decisão pessoal e não por influência popular e muito menos mediática. E assim o novo Papa é quase sempre uma “surpresa” para todos. Quem entra Papa sai cardeal, diz o “ditado”.
O que mais me surpreende é o desconhecimento histórico com que se olha hoje em dia para o passado. Parece que a Igreja só foi Igreja com Francisco, esquecendo-se o papel de grandes papas como João Paulo II ou João XXIII, só para referir alguns, e sem desvalorizar de forma alguma Bento XVI ou Paulo VI. Recordo-me do papel extremamente relevante que João Paulo II, Papa da minha juventude, teve na igreja, nos jovens e no mundo com características pessoais muito próximas de Francisco. É de facto o Espírito Santo que dá à Igreja o Papa que a Igreja precisa em cada momento.
Estamos, internamente na Igreja, perante uma situação curiosa e que diz muito da realidade do mundo de hoje. Apesar da Igreja acreditar firmemente neste papel do Espírito Santo, continua a haver fações contra e a favor do Papa. Chego a ouvir pessoas dizer o meu Papa era x ou y. Ou seja, o Espírito Santo só pensa bem se escolher um Papa que defenda as ideias que eu defendo! É tão difícil aceitar que o Espírito sopra na Igreja, hoje e sempre, e a envia no sentido que Deus quer… Por isso a frase “todos, todos, todos” tem um significado muito profundo. Estamos dispostos a aceitar o Papa, seja ele qual for, que a Igreja precisa hoje ou queremos que seja alguém à nossa imagem e semelhança?
Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.