Entrevista/ “Todos estamos conscientes que não estamos a preparar bem os alunos para os desafios do futuro”

João Baracho, diretor executivo do Center of Digital Inclusion

Ser um projeto português de referência no setor da inovação social, reconhecido internacionalmente e implementado em diversos países, é a ambição do Center of Digital Inclusion. O seu diretor executivo, João Baracho, explica como e faz o balanço dos 10 anos de atividade.

O Center of Digital Inclusion (CDI) é uma organização não governamental de inclusão social, digital e de inovação com presença em vários países, e que está a completar 10 anos de atuação em Portugal. O Apps for Good é talvez um dos seus projetos mais conhecidos, mas como frisa João Baracho, diretor executivo do CDI, a abrangência de atuação do Centro é muito mais diversificada, todos com uma meta comum: transformar vidas pela tecnologia.

Como explica João Baracho na entrevista ao Link To Leaders, o CDI tenta conciliar vontades, estratégias e agendas públicas, de forma a que a inovação social seja uma realidade e não apenas uma expressão romântica que está na moda. Este profissional salienta ainda que “a liberdade permitida pela tecnologia acarreta novas e grandes responsabilidades, perigos e oportunidades”.

Dez anos depois, que balanço faz da atividade do CDI em Portugal?
Um balanço naturalmente positivo não apenas pelo impacto nas comunidades onde atuámos, mas também pelo que aprendemos e pelo sentimento permanente de que estamos a contribuir para melhorar as condições de vida das comunidades em que atuamos. Os prémios e reconhecimentos que obtivemos enchem-nos de orgulho, mas sem dúvida que a nossa maior fonte de motivação continua a ser a constatação, à posteriori, do impacto que tivemos nas pessoas com que colaborámos. E uma amostra deste impacto está a ser publicada nas nossas redes sociais numa “podsérie” com episódios de 10 minutos que sai todos os dias 10 de cada mês às 10 horas da manhã. Vejam!

Ao longo deste período, o que destaca?
O nosso percurso tem sido sempre marcado por um posicionamento diferenciador, inovador e por vezes conscientemente desafiador do “status quo”. Fomos sempre maioritariamente apoiados pelo setor privado e gerimos os nossos projetos de forma profissional e séria adotando práticas empresariais certificadas e rigorosas.

Investimos sempre na avaliação da nossa atividade, tendo na equipa os nossos maiores críticos. Demos a maior importância ao voluntariado, tendo sempre em atenção o equilíbrio do que deve ser feito por voluntários e o que deve ser remunerado, valorizando ao máximo o esforço de cada um e evitando que o trabalho oferecido seja a causa de exclusão de alguns.

Tivemos sempre presente que o setor social serve para complementar a atividade dos outros setores (administração pública e empresas) e não para corrigir o que esses setores façam menos bem. Gerimos as nossas pessoas sempre com a ideia de que a passagem pelo nosso projeto tem de ser valorizador do seu curriculum e que as principais competências para fazer parte da equipa são a alegria e o gosto pelo que fazemos. E finalmente temos sempre como objetivo que os nossos parceiros e financiadores tenham o retorno esperado do seu investimento no nosso projeto, seja através do alinhamento com os seus objetivos de sustentabilidade, seja na promoção e notoriedade da sua marca ou atividade, ou ainda na motivação dos seus colaboradores.

E quanto a projetos?
E estamos muito orgulhosos dos nossos projetos: o Apps for Good envolveu já mais de 653 escolas, formou mais de 1.200 professores e envolveu mais de 25 mil alunos. Além disso ganhámos um Prémio Unesco para a melhoria da performance dos professores, fomos reconhecidos pela União Europeia como uma prática inspiradora na educação tecnológica e estamos a planear a estratégia de expansão nacional e internacional.

Quanto ao Centro de Cidadania Digital de Valongo tornou-se uma referência no setor da inovação social e da inclusão digital apresentando projetos únicos e estruturantes. Dou como exemplo o lançamento do novo projeto de gaming Inclusivo que pretende eliminar o estigma negativo do gaming apresentando-o como potenciador de competências fundamentais para os empregos do futuro.

“(…) a grande dúvida é se conseguiremos atingir o objetivo de tornar as nossas propostas em políticas públicas”.

Qual o impacto social dos projetos do CDI no nosso país? Estão a conseguir cumprir o vosso objetivo de “transformar vidas através da tecnologia”?
Estamos sem dúvida a transformar vidas pela tecnologia. A avaliação de impacto que fazemos em colaboração com o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e com a Social Data Lab demonstram não só o impacto e os resultados obtidos, mas também a pertinência das nossas propostas para transformar os modelos atuais.

E não nos preocupamos apenas com as metodologias, mas também com a sua aplicabilidade em termos económicos. Por isso, a grande dúvida é se conseguiremos atingir o objetivo de tornar as nossas propostas em políticas públicas. Mas definitivamente é para isso que trabalhamos afincadamente tentando conciliar vontades, estratégias e agendas públicas, de forma a que a inovação social seja uma realidade e não apenas uma expressão romântica que está na moda.

Da vossa experiência no mundo do ensino, acha que as escolas estão a preparar bem os alunos para os desafios do futuro? 
Todos estamos conscientes que não estamos a preparar bem os alunos para os desafios do futuro. Mas isto não se deve a falta de vontade de professores, alunos e Governos. O modelo está estabelecido há muitos anos e a sua mudança implica reformas fraturantes e complexas de colocar em prática nas democracias atuais.

Os problemas fundamentais são comuns a todos os países evoluídos: qualificação e valorização da carreira dos professores, ligação do ensino ao mundo real, ensino liderado pelo aluno, integração da tecnologia transversalmente a todas as disciplinas, etc. A nossa missão no Apps for Good é a de contribuir para criar o embrião dessas mudanças tão necessárias.

A formação creditada, mas completamente “fora da caixa” que oferecemos aos professores, o aconselhamento do nosso conselho de professores a que chamamos “ninja” e que faz com que o desenvolvimento do programa seja fortemente influenciado com a sua opinião, a colaboração do nosso conselho de alunos “felows” e ainda o apoio institucional da Direção Geral da Educação, são peças fundamentais de um “puzzle” cujo objetivo é a inovação que tanto ansiamos na Educação.

“As novas gerações querem trabalhar e ser clientes de empresas responsáveis e preocupadas com a sustentabilidade”.

A inovação social já ocupa o devido espaço na preocupação das empresas?
Sem dúvida que ainda não, mas a evolução positiva nestes últimos 10 anos tem sido exponencial. As novas gerações querem trabalhar e ser clientes de empresas responsáveis e preocupadas com a sustentabilidade. Este facto cria uma pressão na estratégia empresarial que passou a contar com a necessidade de alinhar a atividade da empresa com a sua capacidade de ser sustentável e socialmente responsável. Como em todas as novas áreas nem todos os gestores estão ainda preparados para este nova realidade e para o que ela implica. Mas o que é certo é que a tradicional página verde e estática dos sites a falar de sustentabilidade passou a ser uma das páginas mais visitadas e dinâmicas na maioria das empresas e um ponto fulcral para o recrutamento e motivação das equipas e ainda para o desenvolvimento da sua atividade.

Referiu que um dos vossos projetos, o Apps for Good, recebeu um prémio da UNESCO. O que contribuiu para este reconhecimento?
O Prémio Unesco foi para nós a confirmação de que, para além do impacto nos estudantes, o projeto influenciava os professores para experimentarem novas metodologias na sala de aula e na gestão dos alunos com a ajuda da tecnologia. Este reconhecimento que premeia a Melhoria da Performance dos Professores foi atribuído, entre outros, pelo nosso trabalho na formação de professores e no apoio permanente que lhes prestamos no desenvolvimento do projeto.

Num mundo em constante mudança é fundamental capacitar todos os cidadãos para os desafios que se colocam no futuro. Como não deixar ninguém de fora?
A evolução é permanente o que significa que a todo o momento surgirão novas barreiras à inclusão de todos. Mas temos de ser otimistas. A evolução tecnológica permite uma crescente simplificação e usabilidade e os novos processos virão sempre a ser simplificados. Acredito por isso que uma Educação adequada será sempre a melhor forma de incluir todos. E neste aspeto o mundo ainda tem uma dimensão assustadora de crianças sem possibilidade de frequentar a escola e onde os “grandes problemas” de países como o nosso ainda não chegam sequer a ser tema.

Qual tem sido o papel dos parceiros do CDI no desenvolvimento da vossa atividade e das vossas iniciativas?
Os nossos parceiros são fundamentais no desenvolvimento de toda a nossa atividade, mas não apenas pela sua contribuição financeira, obviamente indispensável para a nossa operação. Cada vez mais integramos os colaboradores dos nossos parceiros em atividades dos nossos projetos e trabalhamos com os departamentos de Sustentabilidade e Gestão de Talentos como se fossemos uma única equipa.
Estas atividades podem ir desde a mentoria às equipas de alunos até formações diversas, mas sempre numa ótica de voluntariado de conhecimento, isto é, utilizando as melhores e mais adequadas competências dos colaboradores.

” (…) a liberdade permitida pela tecnologia acarreta novas e grandes responsabilidades perigos e oportunidades”.

E qual o potencial da tecnologia na transformação do mundo e das comunidades?
Um papel fundamental nos dias de hoje. Através da tecnologia conseguimos que o conhecimento seja mais global e que todas as profissões possam ser otimizadas e simplificadas. O mundo ficou ao alcance de todos e a criatividade permitida pela versatilidade e usabilidade da tecnologia deu mais liberdade e poder aos mais isolados e excluídos. Resta saber até onde podemos ir, dado que a liberdade permitida pela tecnologia acarreta novas e grandes responsabilidades perigos e oportunidades.

Como vê, no futuro, o papel do CDI no desenvolvimento da própria sociedade?
Como disse, continuaremos a ser um embrião de novos modelos e um laboratório de novas ideias para melhorar as comunidades em que operamos.

Que projetos gostaria de implementar nos próximos anos?
O nosso objetivo principal é o de consolidar e expandir os projetos que vimos concebendo. No Centro de Cidadania Digital pretendemos continuar a consolidar o conceito, de forma a poder ser replicável noutros municípios. Daqui sairão certamente diversos projetos com potencial de expansão. No Apps for Good, e a nível nacional, temos a ambição de chegar a todas as escolas incluindo as dos estabelecimentos prisionais.

No plano internacional temos já um modelo de expansão que nos permite, com custos acessíveis, a implementação noutros países. Mas a grande ambição seria poder chegar a todas as escolas portuguesas espalhadas pelo mundo.

Como vê o CDI daqui a cinco anos?
Um projeto português de referência no setor da inovação social, reconhecido internacionalmente e implementado em diversos países. Além disso uma organização com uma equipa alegre, motivada e dinâmica que consiga valorizar continuamente a competência dos seus colaboradores.

Respostas rápidas:
O maior risco: Perdermos a confiança dos nosso parceiros!
O maior erro: Alguns, mas aprendemos com eles!
A maior lição: Todas as que aprendemos com os nossos beneficiários.
A maior conquista: A forma como nos tornámos nesta equipa alegre unida, reconhecida e determinada na sua missão de mudar vidas pela tecnologia!

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