Entrevista/ “Tentar negar que a IA está a mudar o mundo vai matar as empresas”
“A Inteligência Artificial responsável deve ser, acima de tudo, justa e transparente, preocupada com o ambiente e de confiança”, afirma o cofundador e diretor de tecnologia da Unbabel. João Graça fala de IA, do seu impacto, de regulação e da estratégia de desenvolvimento da Unbabel.
“Adquirir empresas e clientes faz parte da nossa estratégia e provavelmente teremos mais algumas aquisições a acontecer já durante o próximo ano”, revelou João Graça em entrevista ao Link to Leaders. O confundador da Unbabel, plataforma portuguesa de Language Operations (LangOps), sustentada por inteligência artificial (IA), que ajuda empresas a proporcionar uma experiência multilingue em escala, acredita que 2024 vai ser um ano de expansão bastante interessante para a empresa, que continua o seu percurso de inovação no desenvolvimento de novas soluções e de expansão geográfica.
Enquanto líderes do consórcio Center for Responsible AI, o diretor de tecnologia da Unbabel defende que “a IA não vai substituir as pessoas, mas é uma ferramenta que pode tornar as pessoas melhores”, e que “deve existir regulação, mas esta não pode impedir o desenvolvimento”. João Graça fala de algumas das inovações que a sua plataforma está a encetar e aborda a relação entre a IA generativa e regulação. Deixa um alerta: “tentar negar que a IA está a mudar o mundo vai matar as empresas”.
Como é que a Unbabel, enquanto plataforma de Language Operations (LangOps), se está a destacar no mercado?
LangOps é uma nova abordagem para resolver os problemas de tradução. O que estamos a fazer na Unbabel é exatamente apresentar esta nova abordagem, que produz melhores resultados em termos de qualidade, escalabilidade, eficiência e custo para o cliente, diferenciando-nos de outras empresas. A nossa plataforma de Language Operations oferece uma abordagem diferenciada ao conteúdo e à comunicação multilingues e proporciona às empresas transparência e controlo sobre todos os aspetos de linguagem nos seus negócios. No fundo, acontece uma melhoria das tecnologias, nomeadamente no que se refere ao machine learning, que se tornou bastante mais eficaz e está presente em todo o processo. Estas tecnologias permitem que sejam desenvolvidas ferramentas para criar novos processos, que geram o mesmo resultado, mas a uma escala muito maior.
“(…) o fator mais importante que as empresas devem exigir é a observabilidade”.
Quais os cuidados que as marcas/empresas devem ter para assegurarem serviços de tradução de alta qualidade?
Neste momento, o fator mais importante que as empresas devem exigir é a observabilidade. As tecnologias de avaliação de qualidade vieram revolucionar a forma como as empresas podem avaliar a qualidade das traduções em tempo real e representam uma mudança significativa em relação ao passado, quando a deteção de erros ocorria muitas vezes após a entrega da tradução ao cliente.
Hoje em dia, não há nenhum motivo para uma empresa não saber em tempo real a qualidade da tradução que está a utilizar. O que a plataforma de LangOps oferece é isso mesmo, a possibilidade de ter mais controlo sobre as traduções e identificar e corrigir erros imediatamente, garantindo precisão e consistência.
Este ano têm feito várias aquisições como a alemã EVS Translation e mais recentemente a israelita Bablic. O que é que esses projetos trouxeram à Unbabel?
No caso da EVS Translation, a aquisição fez parte de uma estratégia de crescimento inorgânico da Unbabel. Ao adquirirmos empresas de tradução mais tradicionais, conseguimos servir os clientes dessas empresas com a mesma qualidade, mas com uma eficiência maior e a um custo mais baixo.
Já a Bablic foi a única aquisição que a Unbabel fez por tecnologia. Esta empresa israelita tem um produto que permite resolver um problema muito difícil, que é a tradução de websites – a porta de entrada para as empresas se começarem a localizar. A Bablic tem uma solução espetacular para isso e percebemos que era mais benéfico para nós fazermos esta aquisição do que tentarmos desenvolver a solução internamente.
“(…) provavelmente teremos mais algumas aquisições a acontecer já durante o próximo ano”.
A vossa estratégia de crescimento passa por novas aquisições?
Sim. Estas aquisições são, efetivamente, uma estratégia eficiente de crescimento da Unbabel. Adquirir empresas e clientes faz parte da nossa estratégia e provavelmente teremos mais algumas aquisições a acontecer já durante o próximo ano.
Globalmente, qual é atualmente o vosso target?
Os nossos clientes estão divididos em cerca de 50% americanos e 50% europeus. Temos como objetivo, no futuro, atacar outros mercados, mas não é algo que esteja a acontecer neste momento.
Recentemente, afirmaram querer estar no mercado da tradução profissional. O que estão a fazer nesse sentido?
Nós sempre estivemos no mercado de tradução profissional. No entanto, estivemos muito focados no vertical de apoio ao cliente e neste momento estamos a expandir-nos para outros verticais, como o marketing, descrições de produtos, relatórios financeiros e websites. O nosso objetivo é continuar a aumentar o leque e cobrir todos os tipos de conteúdos. Estamos, assim, a construir produtos para atacar um conteúdo de cada vez. Ou seja, quando se passa de customer service para marketing, por exemplo, é preciso ter mais alguns cuidados com as integrações necessárias ou com conteúdos mais longos – e a Unbabel está a desenvolver o produto para isso.
Ao longo destes últimos dois anos, e depois da primeira integração até agora, temos estado a trabalhar para desenvolver um produto que consiga suportar todos os verticais e temos agora uma solução capaz responder diretamente a quase todos os tipos de tradução.
Os serviços de conteúdo especializado para novos segmentos de mercado (financeiro, jurídico e automóvel…), continuam a ser aposta para a Unbabel?
Claramente. Por exemplo, a EVS é muito forte no mercado financeiro e esta integração acaba também por nos abrir portas. Por outro lado, através do Centro de IA Responsável, liderado pela Unbabel, estamos a trabalhar em soluções específicas para a área da saúde. Nomeadamente, em novos algoritmos de deteção de qualidade focados em identificar erros críticos de tradução e, de seguida, em algoritmos de tradução seguros que nos dão garantia de alta qualidade para esses domínios, onde um erro pode ter consequências drásticas. Ao adaptarmos as nossas soluções a outros mercados, estamos a apresentar uma forte proposta tecnológica que nos distingue da concorrência.
“A regulação de IA devia começar por aqui e ser feita por pessoas que percebem realmente de Inteligência Artificial”.
Como vê a relação entre a IA generativa e a regulação? Como é possível conseguir o equilíbrio?
Para se pensar em regulação é primeiro necessário pensar em encontrar um equilíbrio entre permitir que a inovação continue a acontecer ao mesmo tempo que se protegem os interesses da sociedade. Deve existir regulação, mas esta não pode impedir o desenvolvimento. Acredito, até, que a Inteligência Artificial Generativa não pode ser parada. Está nas mãos de toda a gente e qualquer pessoa consegue, hoje em dia, desenvolver produtos de IA. Além disso, os benefícios da IA serão sempre maiores do que os resultados prejudiciais que possam existir.
O que temos neste momento é espaço para definir diretrizes de ética. Outras indústrias ou áreas da nossa sociedade, como é o caso da medicina, têm guidelines éticas e comissões que definem o que se deve ou não fazer. A regulação de IA devia começar por aqui e ser feita por pessoas que percebem realmente de Inteligência Artificial.
As empresas estão a aderir corretamente às potencialidades da inteligência artificial?
Acredito que é um processo e que podemos ver este cenário por duas perspetivas. Por um lado, estão as empresas cujo core business está relacionado com Inteligência Artificial, como a Unbabel, que estão a evoluir e a melhorar os sistemas que já tinham.
Por outro lado, há várias empresas que veem a IA generativa como algo que permite otimizar processos, mas estão a aderir a velocidades diferentes. Reconhecem a necessidade de incorporar a tecnologia nas operações e sabem que a IA vai ser disruptiva em todas as áreas, sendo necessário começar a entrar neste mundo, mas muitas não sabem como usar ou qual a direção a tomar. No entanto, será uma questão de tempo e penso que já está em processo de adoção.
“A Inteligência Artificial responsável deve ser, acima de tudo, justa e transparente, preocupada com o ambiente e de confiança”.
Lideram o consórcio para a IA responsável, o Center for Responsible AI. Quais devem ser os pilares de uma IA responsável?
A Inteligência Artificial responsável deve ser, acima de tudo, justa e transparente, preocupada com o ambiente e de confiança. São estes os pilares do Centro de IA Responsável e é com base nestes pilares que trabalhamos para criar produtos de IA que nos ajudem a construir uma sociedade mais igualitária. No Centro defendemos também que a IA não vai substituir as pessoas, mas é uma ferramenta que pode tornar as pessoas melhores.
A regulação europeia AI Act está a corresponder às expetativas dos players do setor?
O AI Act é, acima de tudo, um desenvolvimento importante no campo da Inteligência Artificial. Esta regulação é um passo significativo em direção à promoção da confiança e da responsabilidade no uso da IA e uma oportunidade para estabelecer diretrizes claras que poderão beneficiar a sociedade em geral. No entanto, é importante destacar que esta é uma iniciativa desafiante, que precisa de encontrar um equilíbrio entre promover a inovação e proteger os direitos e interesses das pessoas.
Quais os desafios futuros do vosso setor de atividade?
Penso que o nosso setor de atividade vai crescer, porque há cada vez mais conteúdo a ser produzido. No entanto, será necessário perceber como adotar os novos modelos de IA, que fazem coisas maravilhosas, nos nossos workflows, de forma a que continuemos a conseguir trazer valor para o cliente final. Por poucas palavras, temos de nos adaptar à IA. Tentar negar que a IA está a mudar o mundo vai matar as empresas.
“Penso que 2024 vai ser um ano de expansão bastante interessante”.
Como vai ser a Unbabel em 2024?
Penso que 2024 vai ser um ano de expansão bastante interessante. Fizemos estas primeiras integrações, estivemos depois a aprender com elas e desenvolvemos um produto diferenciado, a plataforma de LangOps, que nos permite integrar os clientes de uma forma eficiente e trazer valor acrescido. Agora, estamos a chegar à parte da escalabilidade.
Em termos de tecnologia, acabámos de lançar uma primeira versão do nosso Large Language Model, desenhado para prever a qualidade da tradução e que contribui para traduções cada vez mais precisas. Acredito, acima de tudo, que vamos ver ao longo do próximo ano um grande desenvolvimento de toda a IA que temos vindo a trabalhar.