Entrevista/ “Temos a sorte de trabalhar com clientes que têm uma visão futurística do mundo”

Maria Peres, Head of Operations da Valispace

“A indústria aeroespacial é entusiasmante, desafiante e extremamente estimulante. Temos a sorte de trabalhar com clientes que têm uma visão futurística do mundo e que trabalham diariamente para melhorar a forma como vivemos”, afirmou Maria Peres, Head of Operations da Valispace, em entrevista ao Link To Leaders, revelando a intenção da empresa alemã, com escritório em Lisboa, de expandir-se para outras áreas de negócio.

A Valispace, plataforma que ajuda os engenheiros no desenvolvimento de produtos complexos como satélites, foguetes e robôs, foi certificada recentemente pelo Great Place to Work como um dos melhores locais para trabalhar em Portugal, na categoria entre 20 a 50 colaboradores.

Atualmente, a empresa alemã com escritório em Portugal presta apoio interdisciplinar às várias equipas de engenheiros de empresas como Airbus, BMW, ESA, Momentus e Masten Space Systemsm. Ao digitalizar, padronizar e integrar todos os documentos, manuais de utilizador, relatórios de teste e fichas de dados de produtos complexos, a Valispace reduz os custos de desenvolvimento de hardware entre 20% a 30%.

A empresa foi fundada em 2016 pelos engenheiros Marco Witzmann, Louise Lindblad e Simon Vanden Bussche, e dois anos depois foi reconhecida pela Forbes como uma das 100 start-ups mais inovadoras da Alemanha.

Que balanço faz deste cerca de quatro anos de operação no mercado português?
A empresa cresceu bastante nos últimos quatro anos – começámos com cinco pessoas e somos 40 neste momento. Este crescimento deve-se, sobretudo, ao ambiente empreendedor e dinâmico que encontramos em Lisboa, em específico na Startup Lisboa, que foi onde ficámos incubados cerca de dois anos e meio. Estar inserido num ambiente permitiu ganhar um grande impulso e apoio no desenvolvimento da equipa e produto. Estar num espaço que entende as necessidades de pequenas empresas é crucial para um crescimento sustentável, dado que podemos usufruir de parcerias estratégicas e apoio legal e financeiro.

Quais têm sido os maiores desafios?
Cada fase de crescimento da empresa apresenta desafios próprios. No início, o desafio era desenvolver um produto que atraísse clientes. Criar uma reputação no nosso meio e manter a qualidade do produto foi dos desafios mais importantes que enfrentámos. Encontrar o market fit perfeito demora o seu tempo e depende de uma gestão eficaz da nossa visão para o produto e das exigências impostas pelos clientes. Atualmente, pretendemos expandir a nossa liderança na categoria de ferramenta de Gestão de Informação de Engenharia (EIM). A nível de desenvolvimento da equipa, estamos constantemente a tentar encontrar o equilíbrio entre o crescimento sustentável do produto e da equipa.

Também, com cada nova ronda de investimento, surgem novas expectativas da parte dos investidores, dos clientes e da equipa, pelo que saber geri-las é bastante desafiante, mas recompensador, especialmente quando recebemos feedback positivo. Este ano, fomos certificados pelo Great Place to Work e ficámos satisfeitos em saber que 97% da equipa afirmou identificar-se com a missão, visão, objetivos e valores da empresa. Este reconhecimento vem confirmar que a empresa consegue enfrentar os desafios sem comprometer a visão e princípios que nos têm guiado até ao momento. Com o crescimento da equipa, os maiores obstáculos passam pela criação de novos processos e gestão do trabalho e desenvolvimento pessoal e profissional dos membros de equipa.

“Dado que Portugal também atrai talento estrangeiro, temos conseguido construir uma cultura bastante diversificada, assegurando desta forma que nos mantemos imparciais em relação aos mais diversos tópicos”.

Qual tem sido a estratégia para o mercado português?
O foco no mercado português tem sido no recrutamento de talento para a equipa. Portugal é reconhecido por ter um ensino superior de qualidade e foi com base nesta premissa que concentrámos os nossos esforços na atração e retenção de talento português. Dado que Portugal também atrai talento estrangeiro, temos conseguido construir uma cultura bastante diversificada, assegurando desta forma que nos mantemos imparciais em relação aos mais diversos tópicos, desde processos de recrutamento à seleção de membros de equipa para cargos de liderança.

É-nos importante manter uma cultura de empresa assente na divergência de opiniões e ideias sem termos de comprometer os valores que servem como pilar da mesma. Ter um escritório em Lisboa significa ter acessibilidade a ótimo talento, entretenimento para os nossos team buildings e uma qualidade de vida inigualável noutra capital europeia. Quem tem este sol e este mar, tem tudo!

Quem são os principais clientes da empresa em Portugal?
Os principais clientes são empresas da indústria aeroespacial, tais como a Airbus, Clearspace, Momentus e ESA. Tratam-se de empresas multinacionais com equipas que precisam de estar em constante comunicação e colaboração para evitar futuros problemas no desenvolvimento dos seus projetos. Pretendemos agora expandir para outras áreas de negócio, tais como a indústria automóvel, robôs e setor energético, contando já com empresas como a BMW e Volta Trucks no nosso portfolio de clientes.

Quais os desafios que os engenheiros de hardware enfrentam atualmente? E de que forma a Valispace os ajuda?
Os engenheiros de hardware são responsáveis por gerir uma enorme quantidade de dados. Por norma, usam o Excel e outras ferramentas digitais que os ajudam a ter uma visão geral do desenvolvimento dos seus projetos. No entanto, não existia uma solução no mercado que automatizasse o processo de desenvolvimento dos produtos e que fornecesse uma imagem holística dos sistemas a serem desenvolvidos por diferentes equipas.

Um dos maiores problemas que os engenheiros de hardware enfrentam é, como tal, a ineficiência na colaboração e comunicação entre equipas. Usando a Valispace, todas as equipas têm acesso em tempo real aos diferentes sistemas do produto e às modificações que são efetuadas pelas equipas ao longo do dia. Desta forma, os engenheiros são capazes de identificar erros nos cálculos numa fase preliminar evitando assim falhas no sistema no momento de implementação dos projetos.

O que mais a tem surpreendido na indústria aeroespacial?
A indústria aeroespacial é entusiasmante, desafiante e extremamente estimulante. Temos a sorte de trabalhar com clientes que têm uma visão futurística do mundo e que trabalham diariamente para melhorar a forma como vivemos atualmente. Apesar de os engenheiros serem pessoas inovadoras, nem sempre têm acesso às ferramentas certas para desenvolver os seus projetos. Muitas das vezes, encontramos equipas de engenheiros a usar soluções um pouco arcaicas apenas por uma questão de hábito, e por ser ainda uma indústria dominada por pessoas com um nível de senioridade elevado.

No entanto, temos notado uma mudança de mentalidade em relação à forma como se encara o trabalho a nível individual e em equipa nas grandes e pequenas empresas. Tem havido um esforço para implementar novas soluções digitais, que os ajudam a ser mais eficientes e que ponham a colaboração entre equipas no centro de toda a gestão dos projetos.

Quais são atualmente os objetivos da Valispace a nível mundial? E em Portugal?
Os objetivos passam por expandir o negócio para outros setores, mantendo, ainda assim, o foco na indústria aeroespacial, na qual somos especializados. Queremos ser reconhecidos com a ferramenta #1 no mercado dentro da categoria de Gestão de Informação de Engenharia (EIM) e que os nossos clientes nos recomendem a colegas por estarem satisfeitos com a qualidade do produto e apoio técnico que lhes damos. Outro grande objetivo é o de crescer a equipa em Lisboa de forma sustentável, tentando manter os valores que tanto nos caracterizam na base de todas as nossas decisões e mudanças de processos.

Acreditamos na humanização das políticas de trabalho e na automatização de tarefas redundantes, tentando assim providenciar uma excelente qualidade de trabalho e de vida a cada colaborador. O nosso maior desafio será encontrar o equilíbrio entre crescer rapidamente sem comprometer o desenvolvimento de cada um dos colaboradores. Para tal, fazemos o esforço consciente de reconhecer e festejar as conquistas e contributos que cada um faz a nível individual e em equipa. Estamos também certos de que Portugal é o sítio ideal para nos acompanhar neste crescimento, dado que providencia todos os recursos necessários para sermos bem-sucedidos e mantermos uma ligação positiva com cada membro da equipa.

“Os fundos desta nova ronda de investimento serão utilizados para reforçar o nosso crescimento nas indústrias aeroespacial, automóvel e energética, enquanto continuamos a expandir para novos mercados como a robótica”.

Estão a aguardar uma nova ronda de investimento? Qual é o objetivo?
Os fundos desta nova ronda de investimento serão utilizados para reforçar o nosso crescimento nas indústrias aeroespacial, automóvel e energética, enquanto continuamos a expandir para novos mercados como a robótica e os dispositivos médicos. Queremos também aumentar a equipa em Lisboa, até 20 pessoas em 2022, que conta neste momento com 40 pessoas. A Valispace continua, assim, a abordar o mercado de Ferramentas de Engenharia de Sistemas na Europa, que vale cerca de 7 mil milhões de euros.

Como perspetiva o futuro da Valispace e o que podemos esperar de novidades?
Visualizamos a Valispace como sendo o primeiro software que um engenheiro abre assim que começa o seu dia, para visualizar o progresso dos seus projetos. Imaginamos o produto a ser cada vez mais rápido e fácil de usar permitindo, assim, que os engenheiros consigam diminuir o número de tarefas redundantes ao longo do seu dia e aumentar a eficiência e colaboração entre equipas. Queremos que o nosso software seja um produto de referência nos mercados em que estamos presentes e que os nossos clientes tenham uma experiência positiva sempre que façam login. A nível de recrutamento, vamos focar-nos no mercado português dado que há muito talento ainda por atrair.  Vamo-nos focar em recrutar para as equipas de engenharia informática, marketing e vendas.

Para atingir os nossos objetivos de crescimento, decidimos criar iniciativas que nos ajudem a desenvolver a marca da empresa em Portugal, enquanto empregadora de confiança e a gerar uma perceção positiva da empresa como um bom local de trabalho. Dado que a área do desenvolvimento de software ainda é bastante dominada por homens, temos vindo a desenvolver eventos que atraiam mais mulheres para este setor do negócio, tais como o Women Hackathon organizado em janeiro deste ano e os Diversity Ads, uma série de anúncios que irão sensibilizar as pessoas para a necessidade de investir na educação das mulheres no sector da engenharia e que serão lançados em abril em formato digital.

Como Global Operations Director da Women In Tech, quais são os maiores obstáculos enfrentados por uma mulher que trabalha no setor de tecnologia?
Segundo a statista.com, o sexo feminino representa apenas 5% nas empresas de desenvolvimento de software. Este inquérito vem confirmar o que também é evidente na Valispace: o sexo masculino domina os empregos na área de desenvolvimento de software. Desde que entrei na Valispace que me apercebi da disparidade entre homens e mulheres na área de engenharia. Sempre que abrimos uma nova posição para a equipa de engenharia 99% das candidaturas pertencem ao sexo masculino. Há uma escassez de mulheres em engenharia informática que começa no momento em que decidem que curso irão seguir no ensino superior.

Em Portugal, as raparigas ainda não são suficientemente estimuladas e encorajadas a seguir posições no sector da tecnologia. Posteriormente, e sendo uma área ainda muito dominada por homens, há um certo receio por parte das mulheres em integrar equipas onde se sintam sozinhas e sem apoio, pelo que tendem a enveredar para posições menos técnicas e mais relacionadas com gestão de pessoas e projetos. De acordo com um relatório interno da Hewlett Packard,  as mulheres apenas se candidatam a uma posição se se sentirem confiantes de que conseguem cumprir 100% dos requisitos, enquanto os homens candidatam-se quando cumprem apenas 60% dos critérios.

E em relação à sua carreira profissional, quais têm sido os seus obstáculos?
Olhando para o meu percurso, penso que nunca encontrei nenhum obstáculo no meu crescimento dentro da equipa, porque tenho a sorte e o privilégio de ter três fundadores que estão sensibilizados para esta questão e que fazem um esforço consciente para evitar serem parciais com base no sexo dos seus colaboradores ou com base em qualquer outro critério potencialmente discriminatório.

Sendo uma das fundadoras do sexo feminino, há desde logo um maior equilíbrio e diversidade dentro da equipa de liderança que se reflete a todos os níveis da empresa. O progresso nesta questão tem sido lento, no entanto, é da responsabilidade de cada empresa tentar ir mais além e encontrar soluções inovadoras para diminuir a disparidade entre sexos nas suas equipas e criar os incentivos certos para atrair e reter talento do sexo feminino.

Respostas rápidas:
O maior risco: Não investir de forma contínua no desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores.
O maior erro: Assumir que a equipa está sempre alinhada com a visão, objetivos, prioridades e valores da empresa e não pedir feedback. Há que relembrar a equipa de que caminhamos todos na mesma direção e é necessário integrar os colaboradores na criação de processos e novas políticas.
 A maior lição: Devemos sempre contratar pessoas com mais conhecimento do que nós e assegurar que partilham os mesmos valores que guiam a cultura da empresa.
A maior conquista: Ver a equipa crescer, mantendo uma cultura assente na honestidade, colaboração, inovação e autonomia.

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