Entrevista/ Sock Affairs, o negócio das meias portuguesas que já fatura milhões de euros

Fundada por dois amigos em 2018, a Sock Affairs já faturou milhões de euros a vender meias divertidas para adultos. Produzidas no Norte de Portugal, já estão presentes em mais de 90 países. Gonçalo Henriques, um dos fundadores, explica o sucesso de uma marca que já vendeu mais de 2 milhões de meias. “Criar um produto com uma ligação emocional genuína com os clientes” parece ser a receita.
A ideia de criar a Sock Affairs nasceu no Web Summit em Lisboa, durante o qual as meias coloridas e de visual arrojado de alguns oradores no evento despertaram a atenção de Gonçalo Henriques. Daí a aventurar-se no lançamento de um projeto 100% nacional dedicado à criação e comercialização de meias divertidas para adultos – “meias sofisticadas, carismáticas e sem os típicos bonecos infantis” – foi um passo.
Para Gonçalo Henriques, ser empreendedor “é uma montanha-russa que nunca acaba. De forma muito simplista, a sensação é que um dia vamos ser milionários, no outro vamos falir”, afirma. Mas apesar de não saber o que o futuro reserva, revelou que “estamos a trabalhar para que uma possível venda faça sentido dentro de dois a três anos”.
Cinco anos depois, e com uma faturação na ordem dos 6 milhões, qual o segredo do sucesso?
Criar um produto com uma ligação emocional genuína com os clientes. É esse o nosso segredo. Todas as nossas meias são inspiradas em algo, concreto ou abstrato, que toca as pessoas. Seja um álbum de música, uma obra de arte ou um modelo clássico de um carro, o nosso objetivo é simples: fazer com que qualquer pessoa, ao comprar as nossas meias, o faça não só pela sua utilidade mas sim pela ligação que tem com o produto. Ou seja, criar algo especial e intemporal, que desperta sentimentos e memórias. Além disso, a versatilidade das nossas meias também é um trunfo importante. Elas podem acompanhar um fato formal, dar um toque de estilo a um par de calças de ganga e até mesmo destacar-se num outfit mais descontraído como uns calções. Para muitos, usar uma t-shirt dos Pink Floyd para o trabalho não é uma opção viável, mas com as nossas meias, podem expressar-se de forma subtil e acessível.
Qual o público que mais procura o vosso produto?
Os nossos maiores mercados são os Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Desde o início que optámos por ir além-fronteiras e arrancámos logo como um projeto internacional. É com grande satisfação que vemos as nossas meias viajar pelos continentes e fazer parte da vida de pessoas de diferentes culturas e origens.
Como é que surgiu esta ideia de fazer meias divertidas para adultos? Quem esteve na origem do projeto?
A ideia surgiu no primeiro Web Summit, onde percebi que todos os oradores tinham meias coloridas como parte do seu visual. Fiquei intrigado com a expressão de individualidade com que umas simples meias lhes proporcionavam e, apercebi-me que podiam existir meias que fossem tanto elegantes como divertidas. Pus mãos à obra e, após consultar o mercado, pude concluir que só havia duas abordagens: meias com padrões simples de riscas ou pintas, e meias com desenhos infantis, como unicórnios e flamingos. Foi assim que nasceu a ideia da Sock Affairs, uma marca que se propôs a preencher essa lacuna: desenhar meias sofisticadas, carismáticas e sem os típicos bonecos infantis.
A vossa atividade profissional anterior tinha algum ponto em comum com este projeto ou foi uma mudança radical de vida?
A minha jornada como empreendedor com a Sock Affairs foi, na verdade, a minha segunda tentativa no mundo dos negócios. Por isso, não consideraria uma mudança radical, mas sim uma evolução natural da minha trajetória. A experiência que acumulei ao longo da minha vida corporativa (trabalhei em logística, supply chain, vendas e marketing) revelou-se fundamental para este projeto. A logística e supply chain permitiram-me compreender a importância da eficiência e da qualidade na produção das nossas meias. Por outro lado, as vendas e o marketing deram-me as ferramentas necessárias para comunicar a nossa marca e alcançar um público global.
Tiveram investidores no arranque ou avançaram com capitais próprios?
Optámos por ser 100% financiados por capitais próprios. Acreditávamos profundamente na nossa visão e na singularidade das meias que queríamos criar, e estávamos dispostos a arriscar e investir para tornar isso possível. O investimento inicial foi cerca de 20 mil euros e depois o negócio começou logo a gerar receitas para podermos continuar a crescer de forma sustentável.
Não temeram que a irreverência do produto fosse demasiado audaz para o target português ou o vosso plano de negócio contemplava internacionalização?
Claro que cada investimento acarreta os seus riscos, mas a nossa abordagem foi moldada pela crença de que o mercado português tinha evoluído o suficiente para uma aposta deste calibre. Embora Portugal tenha passado por uma notável transformação nos últimos anos, reconhecemos que este tipo de meias já eram bastante apreciadas “lá fora”.
Observámos que, além-fronteiras, personalidades de destaque como o primeiro-ministro do Canadá optavam por usar meias semelhantes em cerimónias oficiais, incluindo algumas das nossas criações. Até mesmo figuras como o falecido George Bush Senior escolhiam meias deste género para ocasiões tão solenes quanto o seu próprio funeral, mostrando que este tipo de meias transcende idades, fronteiras e contextos.
“Muitas vezes, as melhores sugestões vêm dos nossos clientes (…) que nos desafiam a expandir os limites da nossa criatividade”.
Quem desenvolve a criatividade das vossas coleções?
Temos o privilégio de contar com uma equipa talentosa de cinco designers que trabalham incansavelmente para criar as nossas meias, mas orgulhamo-nos de ter uma equipa coesa onde os inputs são bem-vindos e bidimensionais. Cada um traz a sua perspetiva quando desenvolvemos o nosso plano anual, contribuindo com ideias que tornam as coleções tão especiais. Mas a nossa fonte de inspiração não fica só por aqui. Muitas vezes, as melhores sugestões vêm dos nossos clientes, dos quais recebemos pedidos específicos e sugestões que nos desafiam a expandir os limites da nossa criatividade.
E onde são produzidas as meias?
São todas produzidas em solo português, na Lousã e em Barcelos, ambas regiões com uma rica tradição em artesanato e manufatura de alta qualidade. Mantemos uma equipa intimista de nove pessoas, o que nos permite trabalhar mais de perto e acompanhar o processo de fabrico, assegurando que cada par de meias atenda aos nossos rigorosos padrões de qualidade.
Alguma vez pensou que um negócio de meias pudesse alcançar esta projeção?
Na verdade sim. Existem dois casos de sucesso com projeções muito maiores, a Happy Socks e a Stance, que para mim são dois excelentes casos de sucesso e estudo, tanto para meias como para marketing e negócios.
“Eu costumo dizer que [ser empreendedor] é uma montanha-russa que nunca acaba. (…) a sensação é que um dia vamos ser milionários, no outro vamos falir”.
Como está a ser a experiência de ser empreendedor? Muitos entraves e desafios ou nem por isso?
Eu costumo dizer que é uma montanha-russa que nunca acaba. De forma muito simplista, a sensação é que um dia vamos ser milionários, no outro vamos falir. Mas com o passar do tempo, vamos ficando mais habituados à ideia de que na verdade nunca sabemos. Como diz um piloto de corridas famoso “se tudo parece estar sobre controlo, estamos a ir demasiado devagar”. Um exemplo disto é o facto de que no ano passado estávamos quase a matar a coleção da música, e este ano temos uma coleção oficial com David Bowie, Pink Floyd, ACDC, entre muitos outros.
Conceber o produto, criar uma plataforma de ecommerce, gerir relações com clientes… qual foi, ou continua a ser, a etapa mais exigente para a Sock Affairs?
Ao longo da nossa jornada, já enfrentámos diversos desafios, cada um com as suas complexidades. No entanto, à medida que crescemos e evoluímos, a etapa mais exigente, neste momento, é a gestão da nossa equipa e garantir que todos têm as ferramentas necessárias para fazer o seu trabalho. Exigente? Sim! Mas também é bastante gratificante porque vemos o potencial de cada membro da equipa e estamos empenhados em ajudá-los a atingir o seu potencial. Paralelamente, fazemos por nos adaptarmos aos nossos clientes e fornecedores e alcançar o estatuto de “empresa fácil para se trabalhar”. A nossa filosofia sempre foi a de nos adaptarmos às necessidades e atrair stakeholders.
“(…) estamos a trabalhar para que uma possível venda faça sentido dentro de dois a três anos”.
Ao longos destes cinco anos, já foram abordados por alguma empresa para uma possível compra do projeto?
Sim, já houve quem expressasse esse interesse mas, na altura, considerámos que o projeto ainda estava numa fase muito embrionária e acreditávamos (e ainda acreditamos) que há um enorme potencial por explorar com a marca. De qualquer forma, e apesar de não sabermos o que o futuro nos reserva, estamos a trabalhar para que uma possível venda faça sentido dentro de dois a três anos.
Se voltasse ao início, o que faria de diferente?
Honestamente, não faria muitas mudanças significativas. Claro, houve alguns investimentos que adiei ou por outra perspetiva tentei poupar, mas acabaram por se revelar essenciais para o crescimento do projeto. A verdade é que só chegaríamos a este ponto passando por todas estas fases.
“Para uma visão a longo prazo, o nosso objetivo é ambicioso: queremos atingir a marca dos 5 milhões em 3 anos”.
Planos de expansão para a Sock Affairs?
Os nosso planos de expansão passam por continuar a cativar os clientes com as novas coleções. Estamos a trabalhar para ter, pelo menos, mais três a quatro coleções, que reflitam os gostos e interesses da nossa comunidade. Queremos estar sintonizados com as suas preferências porque, afinal, são eles que têm a palavra final. Também estamos empenhados em expandir a nossa presença, sobretudo no retalho, e projetamos atingir uma faturação de cerca de 1,5 milhões este ano. Para uma visão a longo prazo, o nosso objetivo é ambicioso: queremos atingir a marca dos 5 milhões em 3 anos.
Estamos também recetivos à ideia de um parceiro certo que partilhe a nossa visão e esteja interessado em fazer o investimento necessário para crescermos ainda mais rapidamente.
Respostas rápidas:
O maior risco: Investir 100 mil euros em Licensing;
O maior erro: Quando há dúvidas não há dúvidas, houve uma contratação que não devíamos ter feito, bem como investimentos que tentámos poupar, mas acabámos por gastar o dobro.
A maior lição: Eu sou engenheiro de formação, por isso, o que vou dizer a seguir ainda é bastante estranho para mim, mas o instinto é o melhor conselheiro. Embora a análise de números e dados seja fundamental para a tomada de decisões, descobri que há momentos em que seguir o nosso instinto e intuição pode ser igualmente valioso.
A maior conquista: Ter o meu negócio, trabalhar com o que mais gosto, música, motores e arte e ter tempo para mim e para a minha família.