Opinião

Sobreendividado? Na Finlândia há uma start-up que o ajuda a encontrar uma solução.

Repe Harmanen CEO da Solidate Oy

Repe Harmanen foi um dos oradores do segundo dia do Web Summit, onde participou no painel “How can fintech boost sustainable banking?”. Ao Link To Leaders falou sobre a start-up que lidera na Finlândia, a Solidate Oy, que pretende ajudar as pessoas sobreendividadas, e dos planos para expandir o negócio a toda a Europa.

De um lado, os devedores, de outro os credores e, no meio, um conciliador que deverá ter um papel neutro e conseguir juntar as várias vozes sempre com a missão de ajudar. A ideia é encontrar um plano de pagamento das dívidas que satisfaça ambas as partes, evitando a insolvência e o recurso aos tribunais. O alvo são as famílias sobreendividadas, cujo número tende a aumentar com a crise decorrente da pandemia.

Na Finlândia, há uma fintech que veio dar resposta – ou melhor – ajudar nestas situações. A Solidate Oy fornece uma análise financeira gratuita e, com base nisso, ajuda as pessoas sobreendividadas a encontrar uma saída para o seu problema. Tudo se baseia numa análise económica, através da qual propõe a solução mais adequada – não a mais fácil – para equilibrar a situação financeira. Por isso, a fintech filandesa trabalha em cooperação com empresas privadas, públicas e ONGs.

Em entrevista ao Link To Leaders, o CEO da Solidate Oy explica como tudo funciona e como ajuda quem se sobreendividou na Finlândia.

Qual é a missão da Solidate Oy?
A nossa missão é ajudar as pessoas sobreendividadas a levantarem-se e a começarem de novo. Fazemos isso com total transparência com parceiros responsáveis em todos os setores – público, privado e terceiro setor. Queremos mudar o empréstimo e o endividamento de forma mais responsável e pelas pessoas. Tentamos sempre ajudar as pessoas a seguir em frente.

Como surgiu a ideia de criar este projeto?
Há cerca de dois anos, trabalhávamos em empréstimos peer-to-peer. Percebemos que a grande maioria dos tomadores de empréstimo precisava de dinheiro para refinanciar os seus empréstimos salariais elevados. Começámos a estudar fenómenos e entendemos que a responsabilidade e o impacto social são enormes, se conseguirmos resolver esse desafio. As pessoas ainda não tinham capacidade financeira para pagar os juros dos empréstimos existentes. Foi aqui que tudo começou – para encontrar uma maneira de refinanciar empréstimos para pessoas que ficarão no “poço” de empréstimos para sempre se ninguém as ajudar.

“Concedemos um novo empréstimo à pessoa e uma vez que a pessoa tenha concluído todos os pagamentos, iremos conceder-lhe mais 40% do acordo negociado. Todos ganham”.

De que forma a Solidate Oy ajuda pessoas sobreendividades a erguerem-se novamente?
A chave é nossa plataforma e tecnologia baseada em regulamentação PSD2 [diretiva europeia de serviços de pagamento]. Recolhemos dados abrangentes das finanças das pessoas nos últimos 12 meses, analisando os extratos bancários linha por linha. Posteriormente, são identificados padrões como jogos de azar. A partir daqui, passamos esses indivíduos para os canais apropriados para obter ajuda adicional, já que a causa principal do problema não é o sobreendividamento, mas algo mais sério. Após análises, vemos um grande número de pessoas elegíveis para o nosso novo acordo de empréstimo. Depois de recolher todas as informações atualizadas sobre seus empréstimos, negociamos com os credores para comprar todos os empréstimos com um corte para obter um acordo.

Esta oferta é muito transparente, todos os credores recebem o mesmo nível de oferta. A nossa oferta é baseada exatamente no nível em que uma pessoa pode sobreviver financeiramente e pagar os empréstimos num prazo decente. Concedemos um novo empréstimo à pessoa e uma vez que a pessoa tenha concluído todos os pagamentos, iremos conceder-lhe mais 40% do acordo negociado. Todos ganham. A pessoa obtém um novo empréstimo com uma taxa de juros baixa, os credores originais receberão a maioria dos empréstimos pagos e a pessoa pode sobreviver e começar de novo.

“Este ano, temos mais de 9.500 indivíduos registados, cerca de 2.600 pessoas elegíveis para acordos de empréstimo, com quase metade delas a passarem pelo processo de empréstimo”.

Como é a que a Solidate está a crescer?
Fizemos os primeiros empréstimos refinanciados no final de 2019. O crescimento realmente começou em abril de 2020, há oito meses. Este ano, temos mais de 9.500 indivíduos registados, cerca de 2.600 pessoas elegíveis para acordos de empréstimo, com quase metade delas a passarem pelo processo de empréstimo. O processo é relativamente lento para recolher todas as informações. Demora entre dois a quatro meses, desde o registo até o fecho final. Em novembro, já tínhamos realizado 200 ofertas de compra para refinanciar empréstimos.

A nossa plataforma é testada e será usada em vários outros negócios, nos quais é importante ter informações precisas sobre a capacidade financeira das pessoas, como economias, investimentos, compras de produtos mais caros, para citar alguns. É a responsabilidade social que importa. Um revendedor de automóveis responsável não deve vender um carro a uma pessoa que não pode comprá-lo – isto para dar um exemplo prático.

O que eu preciso fazer para recorrer à Solidate?
É simples. Basta aceder ao nosso site e fazer login com os seus elementos identificadores de conta bancária online e está pronto a começar. Hoje só servimos pessoas na Finlândia, mas o nosso plano é ir para os países nórdicos e para Europa. A tecnologia existe e pode ser usada imediatamente em toda a Europa. Precisamos apenas de tempo e dinheiro para crescer. Potenciais parceiros responsáveis que gostariam de implementar este modelo no seu país podem entrar em contacto comigo!

Quem são os clientes da Solidate Oy?
Os clientes são todas pessoas que estão sobreendividadas e numa situação tão crítica que não conseguem lidar com a situação sem ajuda e sem reduzir os seus empréstimos. Para a sociedade, o custo anual da pessoa e da família marginalizadas é drástico.

E os investidores?
Fomos criados e somos detidos por particulares finlandeses e a maioria das ações ainda pertencem a famílias e indivíduos. Um fundo de impacto responsável, um escritório de família e um grupo de bancários estão entre os nossos proprietários. Os nossos financiadores de empréstimos são atualmente três partes responsáveis diferentes na Finlândia – dois escritórios familiares e uma empresa de investimentos.

“Estamos a planear lançar um programa de títulos no início de 2021 para financiar ainda mais as nossas operações de empréstimo”.

A Solidate Oy pretende obter empréstimos de 60 a 70 milhões de euros até ao final de 2021. O que está a fazer para atingir este objetivo?
Estamos a planear lançar um programa de títulos no início de 2021 para financiar ainda mais as nossas operações de empréstimo. Neste momento, estamos no meio de uma ronda de investimento para impulsionar o nosso crescimento, escalabilidade e internacionalização. Precisamos de investimento para tornar a tecnologia mais automatizada, a fim de sermos capazes de responder às solicitações que estamos a receber. Um desafio positivo, por assim dizer. Os interessados não hesitem em contactar-nos, se tiverem interesse em fazer parte desta ronda.

Faz, portanto, parte da estratégia da empresa chegar a outros países?
Sim. A tecnologia pode ser utilizada em qualquer parte da Europa e a internacionalização faz parte da nossa estratégia. O conceito também pode ser lançado com parceiros responsáveis em qualquer lugar com bastante facilidade. É tudo uma questão de ter vontade e mentalidade de responsabilidade social para atrair o interesse nacional para este negócio.

Considera que os bancos podem ser socialmente responsáveis? Os bancos podem ajudar a resolver o problema das mudanças climáticas?
É tudo uma questão de como os pagamentos de empréstimos são planeados antes da concessão de empréstimos e a flexibilidade durante o prazo do empréstimo. Não vemos o setor bancário tradicional a constituir um problema tão grande. Empréstimos garantidos, governança e boa liderança mantêm-nos responsáveis e socialmente conscientes. Por outro lado, a sua governança não permite que sejam muito flexíveis ou assumam riscos para resolver o problema do sobreendividamento.

Os verdadeiros problemas residem nos empréstimos não garantidos ao consumidor, nos pagamentos de crédito nas compras e nos empréstimos salariais. A excessiva facilidade de combiná-los com as inacreditáveis taxas de juros anuais prejudicará as pessoas. É aqui que a responsabilidade social deve entrar em vigor. Estamos apenas a tentar resolver o problema que as empresas irresponsáveis criaram. As mudanças climáticas só podem ser resolvidas por todos nós, pessoas e políticos. Precisamos de agir em conjunto.

Como é o setor das fintech pode impulsionar um sistema bancário sustentável?
A área das fintech precisa de manter a sustentabilidade e a responsabilidade social do ESG [Environment, Social and Governance] nas notícias e nos negócios. Os novos negócios e as inovações precisam de tornar os gastos e as finanças mais seguros e responsáveis. Precisamos de ajudar aquelas pessoas que não se conseguem ajudar a elas próprias.

Planos futuros para a Solidate Oy?
Ajudar ainda mais as pessoas a voltarem ao caminho certo e não deixar que fiquem marginalizadas. Precisamos de manter todos a bordo e não ficar de fora. Precisamos de ser socialmente responsáveis para tornar as nossas sociedades melhores para todos, na Finlândia e na Europa.

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