Opinião

Síndrome de Dunning-Kruger: o incompetente confiante

Carlos Rocha, economista e gestor

Ao longo da minha vida e nos relacionamentos profissionais, sociais e intelectuais, frequentemente me deparo com situações em que as pessoas tendem a superestimar suas próprias capacidades.

Mas todos nós, em algum aspecto, tendemos a nos considerar acima da média: seja no estabelecimento de ensino, no trabalho, na família, no desporto ou no ginásio. Embora isso possa ser verdade em certos casos, existe um enviesamento cognitivo amplamente estudado pela psicologia.

No relacionamento entre líderes e subordinados, esse mesmo efeito pode ser observado, já que cada um tende a supervalorizar suas próprias competências em relação ao outro.

No ambiente profissional, seja através dos meios de comunicação ou outro, já deparamos com decisões que, claramente demonstram uma insuficiência de conhecimento sobre o assunto em questão. O mais preocupante é que as pessoas que tomam essas decisões não têm consciência do erro que cometem, o que pode comprometer significativamente a gestão das organizações.

Esse fenómeno, estudado na psicologia, está associado a deficiências nas habilidades metacognitivas dos indivíduos menos capacitados (incapacidade de reconhecer a própria incompetência)

O enviesamento cognitivo da incompetência

O enviesamento cognitivo em questão foi estudado pelos psicólogos Justin Kruger e David Dunning em um artigo seminal[1] chamado de Síndrome de Dunning-Kruger. Através de quatro estudos, eles demonstraram que indivíduos com baixo desempenho em testes de humor, gramática e lógica superestimavam significativamente suas próprias habilidades.

Os autores exploraram como a dificuldade em reconhecer a própria incompetência leva a avaliações inflacionadas das próprias capacidades. Argumentaram que indivíduos incompetentes sofrem um duplo problema:

  1. Cometem erros com mais frequência.
  2. Não possuem a capacidade metacognitiva para reconhecer essas falhas.

Esse enviesamento não é uma doença mental nem um transtorno de personalidade, mas sim uma falha na percepção da própria competência.

Habilidades e metacognição

Estudos anteriores citados por Dunning e Kruger demonstraram que os iniciantes possuem habilidades metacognitivas inferiores às dos especialistas. Isso contribui para avaliações erradas sobre o próprio nível de conhecimento. A explicação para isso é simples: a falta de habilidade vem acompanhada pela incapacidade de reconhecer essa deficiência, dificultando a correção dos erros e a melhora do desempenho, perpetuando assim o ciclo da incompetência. Essa conclusão foi objeto de muita polémica que não será aqui abordada.

Características da Síndrome de Dunning-Kruger

A síndrome possui duas vertentes:

  • Incompetentes confiantes: Pessoas com pouca habilidade em determinado assunto, mas que acreditam serem especialistas.
    • Superestimam suas capacidades.
    • Não conseguem reconhecer a sua incompetência.
  • Especialistas inseguros: Indivíduos altamente capacitados, mas que tendem a subestimar suas próprias habilidades.

Como lidar com o problema

Essa questão representa um grande desafio, principalmente para as organizações, pois impacta diretamente o funcionamento e a performance das instituições. Se a competência é necessária para reconhecer limitações, como os menos capacitados podem identificar suas próprias deficiências? A resposta está na qualificação. No último dos quatro estudos realizados por Dunning e Kruger, eles observaram que, após um treinamento específico, os indivíduos com baixo desempenho melhoraram significativamente e passaram a avaliar suas habilidades com mais precisão.

Assim as lideranças devem estar atentas a esse fenômeno e oferecer programas de capacitação, identificando deficiências por meio de avaliações periódicas de desempenho. No entanto, quando esse problema ocorre no nível da liderança, a situação se torna mais complexa. Não é raro encontrar exemplos dessa síndrome em gestores, o que pode ser explicado pelo Princípio de Peter, segundo o qual indivíduos são promovidos até atingirem seu nível de incompetência.

Para mitigar esse problema, é fundamental adotar algumas estratégias:

  1. Mentoria: Profissionais mais experientes devem orientar e apoiar os líderes, ajudando-os a aprimorar suas habilidades e superar desafios.
  2. Aprendizagem contínua: Todos devem desenvolver o hábito de buscar conhecimento constantemente através do treinamento e capacitação.
  3. Cultura organizacional: As empresas devem fomentar uma cultura de aprendizado e autodesenvolvimento, incentivando a melhoria contínua.

Conclusão

A Síndrome de Dunning-Kruger é mais comum do que imaginamos e pode ser observada em diversas esferas da sociedade. Para lidar com esse fenômeno, é essencial que as lideranças estejam preparadas para reconhecê-lo e implementar estratégias que favoreçam o desenvolvimento profissional e a capacitação contínua de seus colaboradores. A boa notícia é que, com treinamento adequado, é possível minimizar os impactos desse enviesamento e promover um ambiente mais produtivo e eficiente.

[1] Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments: Justin Kruger e David Dunning,  Journal of Personality and Social Psychology, 1999

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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