Entrevista/ “Ser empreendedor tem ficado uma profissão chique e muitos entram neste mundo pelos motivos errados”

“Acreditamos fortemente que o setor da restauração está no início da sua digitalização e que as próximas gerações irão experimentar grandes mudanças”, opina Álvaro Meyer, CEO da Volup, a jovem start-up que nos próximos 10 anos quer ser “o maior marketplace de comida gourmet no mundo”.
“Eu já experimentei dois burnouts bastante fortes e uma coisa que aprendi imenso nestes últimos anos é a importância da saúde mental”, revela Álvaro Meyer, CEO da Volup, quando questionado sobre as “dores” de crescimento de um empreendedor que, no seu caso, aos 21 anos entrou no universo do empreendedorismo.
No final de 2020, criou uma start-up focada nas entregas ao domicílio do segmento premium da restauração, um conceito inovador que está a cumprir as expetativas iniciais, assegurou. O crescimento tem sido consolidado e são vários os novos projetos em cima da mesa, para a implementação dos quais vai certamente contribuir o investimento captado na campanha de crowdfunding atualmente a decorrer na plataforma Wefunder.
Álvaro Meyer partilhou com o Link To Leaders os desafios que tem enfrentado para entrar no segmento do delivery para a restauração premium, e as suas ambições para os próximos anos. Lembra que ser empreendedor “é suposto ser difícil, se não o fosse toda a gente seria empreendedora”, e que é “fundamental gostar do caminho e aprender a gostar destas dores normais da aventura de um empreendedor”.
Três anos depois de abrirem portas, o que é hoje a Volup?
Cumprimos dois anos no final de 2022 e o conceito inicial da Volup tem evoluído imenso. Na nossa fase inicial ainda não tínhamos claro quem era o nosso público alvo a nível de restaurantes e a nível de clientes. Agora sabemos perfeitamente com quem devemos trabalhar e como devemos chegar ao nosso público-alvo.
O percurso correspondeu às expetativas iniciais?
Acho que nenhum empreendedor pode dizer, dois anos depois, que as expetativas reais corresponderam à realidade. Estou muito contente com o que conseguimos até agora, e as expetativas iniciais foram superadas, e novas expetativas foram sendo criadas à medida que ultrapassámos vários obstáculos.
“Por acaso os “egos” dos chefs têm sido uma grande mais-valia”.
Quais os desafios de entrar num segmento de restauração premium, em que os egos dos “Chefs” podem constituir um problema?
Por acaso os “egos” dos chefs têm sido uma grande mais-valia. O nosso foco nestes últimos anos tem sido provar que este segmento da restauração também pode entrar no canal de venda em delivery sem perder qualidade nem posicionamento.
Claro que para conseguir isso, um dos pilares mais importantes na nossa proposta de valor é a criação, junto dos chefs, de um menu que esteja otimizado para delivery. Temos comprovado que o modelo tradicional de copiar o menu do restaurante para casa, não funciona. Os pratos do restaurante foram feitos para consumir em pouco tempo e a maioria das vezes não aguenta ser entregue em casa. No nosso segmento, a exigência é ainda maior. Se a comida não chegar em condições, o consumidor vai preferir sempre ir ao restaurante do que pedir em casa.
A nossa principal missão é, antes de lançar um restaurante, trabalhar com o chef a seleção dos pratos e muitas vezes a criação de pratos novos, feitos especialmente para delivery, que nem estão disponíveis no próprio restaurante. O restaurante Kanazawa é um grande exemplo disso. O chef Paulo Morais foi pioneiro neste sentido e criou um menu especial para delivery, com pratos que chegam bem a casa e que não se podem pedir no restaurante. Até muitas vezes é mais barato do que ir ao restaurante e os clientes não tem que esperar meses por uma reserva, simplesmente entrar na Volup e com três clicks têm o Kanazawa sem sair de casa.
Trabalhar este segmento onde os chefs partilham a nossa preocupação pelos detalhes, qualidade e serviço facilita muito o nosso trabalho.
Que tipo de barreiras tiveram de enfrentar para desbravar este mercado de entregas a domicílio premium?
Em primeiro lugar, a barreira psicológica dos próprios restaurantes e chefs. Este segmento nunca tinha pensado fazer entregas em casa, porque até então não existia ninguém que o fizesse com a qualidade e o posicionamento que eles precisam. Cada novo parceiro que juntamos à Volup ajudou a validar que isto realmente funciona e, se os restaurantes confiam em nós para isso, podemos chegar a aumentar as suas vendas em mais de um 20%. Tendo em conta que os restaurantes não têm que investir nada, poder aumentar as vendas 20% é uma proposta de valor muito atrativa.
Por outro lado, depois da Covid, os restaurantes passaram por um longo período de adaptação, no qual a prioridade passou a ser o próprio restaurante. Deixámos de ter novos restaurantes e perdemos alguns que ainda não tinham a equipa nem a capacidade de dar resposta ao delivery. Nestes últimos meses, isto deu uma volta de 180 graus e estamos a adicionar restaurantes como nunca.
Quantos restaurantes têm no vosso portefólio neste momento e qual a meta para o mercado nacional até ao final de 2023?
Neste momento temos 109 parceiros. O nosso lema cada vez mais está virado para a “qualidade versus quantidade”. Não temos uma meta de número de restaurantes, mas queremos sim que cada categoria de comida tenha oferta de qualidade suficiente para que qualquer pessoa que entra na Volup tenha opção de escolha. Só queremos trabalhar com os melhores. Temos muito claro os restaurantes e parceiros com que queremos trabalhar até o final do ano.
“Como empreendedor, acho fundamental ajudar-nos uns aos outros para inovar e poder exprimir todo o potencial que existe para melhorar este setor”.
No ano passado, uniram esforços com a Pleez para criar um hub de talento nacional para start-ups do setor da restauração. Esse é o caminho para a inovação? Pretendem fazer mais parceria do género?
Como empreendedor, acho fundamental ajudar-nos uns aos outros para inovar e poder exprimir todo o potencial que existe para melhorar este setor. O Afonso Pinheiro (CEO da Pleez) tem sido um mentor para mim e temos trabalhado juntos para poder ajudar outros empreendedores do setor food-tech que partilhem a nossa missão. Acreditamos fortemente que o setor da restauração está no início da sua digitalização e que as próximas gerações irão experimentar grandes mudanças. Queremos estar na primeira fila dos novos “unicórnios” portugueses que irão liderar esta mudança, com a Volup e a Pleez à cabeça.
Quais as “dores” de um jovem empreendedor que se lança num projeto desta natureza?
Iniciei o meu caminho empreendedor com 21 anos e foi um caminho muito duro. Mas é por fases, há fases mais duras do que outras e é preciso ter um lado psicológico que te ajude a ser forte nos momentos maus, e a desfrutar dos momentos bons. No final do dia, temos que ser felizes.
Eu já experimentei dois burnouts bastante fortes e uma coisa que aprendi imenso nestes últimos anos é a importância da saúde mental. É um tema tabu com empreendedores, mas o tema do qual mais falo. É importante tomar atenção à nossa saúde mental porque é muito fácil quebrar e passar por fases muito duras.
Não conseguiria resumir aqui todas as dores de um empreendedor, porque são muitas. Mas eu aprendi a abordar estas dificuldades com a mesma filosofia: é suposto ser difícil, se não o fosse toda a gente seria empreendedora. Para mim é mais fácil porque genuinamente adoro o que faço, e isso tem sido a chave para ultrapassar alguns obstáculos que temos enfrentado. Acho que nos últimos anos ser empreendedor tem ficado uma profissão “chique” e muitos entram neste mundo pelos motivos errados. Para mim é fundamental gostar do caminho e aprender a gostar destas dores normais da aventura de um empreendedor.
Porquê uma campanha de crowdfunding na Wefunder e não uma ronda de investimento?
Desde o momento em que a Rússia invadiu Ucrânia, muita coisa tem mudado. O setor tecnológico tem sido um dos mais afetados e as start-ups claramente sofreram com isso. Muitos fundos de investimento simplesmente deixaram de investir e no nosso caso procurávamos um tipo de fundos muito específico e que aqui em Portugal é inexistente.
Fizemos o plano de negócio para os próximos dois anos e falámos com alguns dos nossos melhores clientes para ver se teriam interesse em investir com um ticket. Surpreendentemente todos alinharam e pensamos que o crowdfunding para uma empresa como a Volup faria todo o sentido. É um perfeito alinhamento de interesses entre os clientes e a empresa. Os clientes acabam por ter muito mais conexão com a marca porque formam parte dela, encomendam mais, recomendam aos seus amigos e aumentam as vendas da empresa, o que valoriza mais o investimento deles.
Assim que tomamos a decisão, falámos com a WeFunder que estavam a preparar o lançamento na Europa e adorámos a abordagem que eles tem ao crowdfunding. Começámos a preparar a campanha, a falar com mais clientes e o feedback foi incrível. The “rest is history”.
Qual o montante de investimento que conseguiram captar e de que tipo de investidores?
Até o dia de hoje temos 519k, dos quais 284k foi de business angels e outros investidores privados conhecidos na indústria. 235k de 68 clientes e três restaurantes parceiros.
O foco do investimento vai ser para onde?
Para três pilares: tecnologia, marketing e novos conceitos de comida que iremos lançar durante o ano de 2023.
Quais as geografias em que a Volup pretende apostar?
Queremos apostar na zona de Grande Lisboa e Cascais/Sintra. São as áreas geográficas onde sabemos que existe a maior densidade de clientes Volup. Temos planos de expandir a outras geografias, mas ainda temos muita margem de crescimento nestas áreas.
“(…) fazer parte de uma multinacional que esteja alinhada com a nossa missão (…), seria uma grande oportunidade de fazer a Volup crescer”.
Já foram aliciados por algum grande grupo do setor? Seriam recetivos a uma situação de compra/integração numa multinacional?
Não podemos partilhar muita informação sobre a primeira pergunta. Sobre a segunda, o nosso objetivo é continuar neste segmento, que ainda tem muita margem de crescimento. Acho que fazer parte de uma multinacional que esteja alinhada com a nossa missão e nos permita executar esta missão com os recursos e know-how que uma grande empresa pode aportar, seria uma grande oportunidade de fazer a Volup crescer.
Qual vai ser vosso próximo nível? Onde querem chegar em termos de proposta de produto/serviço?
O nosso próximo nível o tempo dirá. Queremos ser o maior marketplace de comida gourmet no mundo nos próximos 10 anos. Para isso vamos melhorar a nossa tecnologia, fechar mais parcerias que nos faltam e lançar outros conceitos. Até ao final do ano iremos lançar muitas novidades para melhorar a proposta de valor Volup.
Respostas rápidas:
O maior risco: os restaurantes deixarem de querer fazer entregas.
O maior erro: abrir as portas a todos os restaurantes que querem entrar na Volup.
A maior lição: foco, foco, foco.
A maior conquista: Levantar 235k de clientes e parceiros que acreditam em nós.