Opinião

Retribuição imediata: esse é o problema!

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Nos últimos tempos tenho lido algumas intervenções de pessoas que me são muito queridas sobre o quiet quitting e sobre a great resignation e sobre as formas de mitigar ou contornar tais movimentos.

Uns escrevem para chamar a atenção das empresas de que existem estas novas realidades que já eram, de resto, antecedentes à pandemia, outros para insistirem na necessidade de darmos atenção a algo já não silencioso e outros para tentarem manter as pessoas committed com as culturas empresariais. No geral concordo com o que dizem mas, minha opinião, se é importante dizer que os movimentos não são silenciosos, se é importante encontrar formas de melhorar o engagement, é também importante perceber que nada disso – minha opinião – resolve e, no fim do dia, temos apenas de aguentar com isto enquanto o contexto não mudar. E é pela origem que se começam as coisas, digo eu sem desdizer tudo o que li ou sem qualquer superioridade intelectual. Aliás, sublinho, concordando com tudo o que li muito embora não acredite, no fundo, que funcione.

Ou seja, para mim o ponto de análise, ou os pontos de análise, não são os fundamentais para procurarmos lidar com a solução. Precisamos de perceber o porquê das coisas. E o porquê das coisas vem com causas.

Se formos às explicações que nos servem, mas não às causas, saberemos bem que um e outro movimentos (e ainda há vários outros) surgem porque há insatisfação no trabalho, insatisfação dos colaboradores para com a cultura organizacional instalada (embora sejam eles mesmos parte dessa cultura, muito embora o esqueçam), porque tomam consciência de que há outras prioridades na vida (e claro que há, mas também há contas para pagar), porque entram em stress e esgotamento, porque acham que existe falta de equilíbrio entre o trabalho, nomeadamente a quantidade de trabalho, e a sua vida privada, porque as tecnologias vieram permitir trabalho remoto e algum reposicionamento e equilíbrio das suas vidas, aumentando mobilidade, porque tem havido uma boa oferta de trabalhos e oportunidades (felizmente para quem entrou por estes movimentos), porque as expetativas mudaram em relação ao trabalho e millennials e geração Z não querem fazer o que fizeram as gerações anteriores. Enfim, seja pelo que seja. São explicações, mas não são causas.

Situo os meus 5 tostões sobre estas matérias a outros níveis: 1) O nível de commitment está correlacionado com o nível de facilitismo que as pessoas tiverem na vida; 2) O worklife balance resulta de um conjunto de pensadores e opinion makers que não perceberam que só existe uma pessoa, não duas, três e quatro: não há a pessoa do trabalho, a pessoa da vida privada, a pessoa do ginásio, a pessoa do convívio com os amigos. Nada disso, porque existe apenas e só uma pessoa. E a história das caixinhas é porque as pessoas se tornaram tão tristes nas suas vidas que cronometram os tempos de cada atividade para se considerarem equilibradas (nunca estiveram apaixonadas por nenhum projeto, como já escrevi); 3) Porque a gratificação tem de ser imediata. Mas vamos a cada um destes três pontos.

  • O nível de commitment é baixo? Claro que é. Um porquê simplista, uma causa que esteja acima do que se disse reside na facilidade que as pessoas tiveram na vida e no papel de gerações antecedentes a tudo fazerem para evitar qualquer problema aos filhos, quaisquer dificuldades na vida. Os pais sempre apoiaram em tudo, o dinheiro tornou-se fácil e barato, a vida pôde levar-se de outra forma. Experimentassem situações de verdadeira aflição para pagar contas, de solidão neste mundo, contextos de real escassez e, provavelmente, o commitment seria bem mais alto, concordassem ou não com os valores e gostassem ou não do que fazem. Mudassem as circunstâncias para escassez de trabalho, baixas expetativas de progressão, pessoas com extrema dificuldade em mudar ou arranjar emprego e veríamos o que acontecia ao commitment. O que é um facto incontornável é que o commitment é baixo porque há alternativas. Num mundo sem alternativas ou trabalharias ou trabalharias. Ponto. As gerações anteriores têm uma responsabilidade imensa nisto. A diretora do colégio primário onde andei empregava uma frase que para mim é extraordinária e totalmente verdadeira: “a extrema abundância gera o extremo desinteresse”.
  • As pessoas que nunca se apaixonaram pelo trabalho e que nunca tiveram projeto algum que as movesse a fazer um extra mile não conseguem compreender essa motivação extra pelo trabalho ou essa entrega sem tempo e sem horas. Porquê? Porque nunca tiveram nenhuma experimentação verdadeiramente rewarding na vida. É triste mas, ao olharem para trás, não são capazes de ver nada a não ser um deserto em tudo o que fizeram. Pergunta-se pela sua marca pessoal, pelo seu footprint, pelo seu legado e nada. Nada de nada. Sentem-se infelizes e frustradas? Sentem-se mal? Claro que sim. Como se pode ficar feliz sem qualquer legado, sem impactar a vida de ninguém, sem vitórias suadas, com uma vida monolítica onde não existe senão um deserto e um capítulo apenas de problemas próprios mas não, nunca, de problemas dos outros para a ajudar a resolver.
  • Retribuição imediata. E este é um problema geral e termino por aqui. As pessoas não querem hoje esperar tempo algum pelo que quer que seja. Não têm paciência para serem promovidas, acham-se sempre devedoras, pensam sempre que fizeram mais do que na realidade fizeram, nada lhes chega e a remuneração, o reconhecimento, o feedback, a nota, os direitos, ah os direitos, tem de ter tudo uma rapidez que não tem tamanho. Gratificação imediata. Perdoem-me a comparação mundana, mas oportuna: quando se conhece alguém e se vai para a cama com esse alguém num primeiro encontro o que há para descobrir ou conquistar depois? Quando aos 20 anos se vai ao melhor restaurante que há para ir o que virá depois? Quando cedo se ganham salários enormes (fora de Portugal, por exemplo, o que não significa que não se pague muito pouco por cá) o que se espera para mais tarde? Temos tudo rápido, descartável, descobrimos tudo cedo demais, não há a espera pela conquista, não há o trabalho e a gestão do processo para chegar à compensação. Então o que se antecipa para depois? Frustração. Apenas frustração. E movimentos como estes a que se tem assistido.

Agora dir-me-ão os críticos. Ok, sabemos isso tudo, mas como se resolve. E é aqui que eu digo que podemos escrever n textos sobre como se resolve que não iremos resolver. É assim. O mal educacional, de facilitismo, de condições fantásticas criadas aos nossos filhos está feito. Espera-se o quê? Por outro lado, as organizações, tal como existem, não podem e não sobrevivem a muitos dos caprichos – que na maioria das vezes não são mais que isso – de novas gerações. O tempo irá dissipar todos estes movimentos. Não faltará muito tempo até que outras vozes se juntem a Elon Musk a dizer, por exemplo, “trabalho remoto é moralmente errado”. Ou a própria força das circunstâncias a dar-nos momentos mais complexos e menores oportunidades. O futuro não é sempre ascendente. Há ciclos, há derrotas, e há muita calamidade por vir. Esperemos por ela e veremos o quanto ela moldará pessoas e seu carácter.

Coitados dos que fazem travessias de Mediterrâneo para procurar um trabalho miseravelmente mal pago. Porque esses não estão nestas ondas. Coitados de todos os que vemos na televisão – porque apenas os vemos na televisão – a sofrerem por serem sem abrigo ou por não terem alimentação e passarem frio (e atenção que sou um tipo que preza muito o valor do mercado como preza o valor da democracia; até ver não conheço nada melhor em termos de ajustamento de forças do que estas duas dimensões: mercado e democracia).

Para esses o commitment, houvesse oportunidades, seria outro. Tenho para comigo que a vida encarrega-se de equilibrar todos estes movimentos e o tempo jogará a favor de soluções mais ajustadas. Para já vamos tendo extremos sem grande resolução. Mais tarde teremos outro contexto, outro ciclo e aí pode ser que as coisas mudem. E mudem à séria. Até lá…por melhores intenções que haja, não há soluções. É que não há mesmo. Porque o “mal” (bem querendo) que fizemos às novas gerações, está feito.

Comentários

Artigos Relacionados