Opinião

Recrutem “mais velhos”

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Um amigo meu trata-me, desde que nos conhecemos, por “mais velho”. Eu trato-o por “mais novo”. Temos uma diferença de idades que é superior a 20 anos. Nunca nos demos mal por isso. Sempre nos entendemos e inclusive já trabalhámos, há uns anos, juntos. E correu tudo bem no projeto que fizemos. Aliás, era um projeto em África em que o “mais novo” era o responsável pelo “mais velho” e me veio convidar para participar em tal aventura. Cultura africana de valorização de Soba, digo eu. E o “mais novo” não é original de áfrica, apenas africanista.

Posiciono o texto, desde a entrada, com este argumento do velho e do novo porque é possível aproveitar os “mais velhos” para muitíssimos trabalhos e projetos. E misturar “mais velhos” e “mais novos”. E é esse o ponto deste pequeno escrito.

Recentemente fiquei a saber, não de um, mas de três conhecidos, um deles bastante próximo, e das suas mudanças de trabalho. Se quiserem chamar-lhe empregos, por mim tudo bem. Eu diria trabalho. Acontece que estes três conhecidos e um deles amigo têm idade para, em relação ao meu amigo “mais novo”, serem designados claramente por “mais velhos”. Já passaram, portanto, a barreira dos 50’s.

Já tendo passado os 50, neste último ano mudaram os três de trabalho.

Isto é possível, é real, e mudaram não apenas de trabalho, mas, também e é preciso sublinhar, de empresa. Lá fora, portanto, há mercado para “mais velhos”. Um deles está na metade inferior dos 50 anos, é certo, mas dois deles estão quase com 60 anos. Mudaram de empresa, como disse, os três no último ano. De empresa, de posição e, até, de certa forma, de funções.

Um assumiu uma grande área comercial, responsável por várias áreas comerciais, de uma empresa alemã multinacional que, inclusive, está bem implantada em Portugal.

O segundo foi assegurar um lugar de CIO de uma empresa tecnológica americana também na Alemanha.

O terceiro foi desenvolver uma área de engenharia numa start-up nórdica nas áreas da energia.

Todos eles foram contratados. E contactados. Não se propuseram. Foram chamados pelas empresas ou por headhunters.

Isto dito, e centrando-me aqui no mercado português, oiço colegas meus de liceu e de faculdade, bem como conhecidos e amigos, que, estando perfeitamente aptos e com características fantásticas, queixam-se de que depois da empresa de seguros, depois da banca, depois da grande empresa multinacional A ou B e depois de terem feito contas com essas empresas ninguém os aceita novamente como colaboradores. Saíram e estão sem nada para fazer. E estão disponíveis. Estão no mercado.

Nós temos salários baixos. É verdade. Mas temos uma mania perniciosa de só ir buscar o que chamamos sangue novo sem que seja possível antever irmos buscar sangue velho. Porque não contratamos “mais velhos”? Os “mais velhos” são úteis, experientes, seniores, decidem sem medo, são autónomos, capazes de liderar equipas, hábeis a colocar as questões certas. Isto, para mim, é um total paradoxo. Paradoxo esse que se perpetua no mercado português e que claramente joga a nosso desfavor. Uma bizarria portuguesa. O fruto desta mentalidade periférica canhestra.

E porquê? No fundo é porque os “mais novos” não fazem sombra – pensa-se também mal – e os “mais velhos” podem saber bem mais que o recrutador ou quem já está na empresa. Podem não ser tão ágeis na aplicação x ou y ou a manejar informacionalmente a informação. Mas são muito mais rápidos em pensamento crítico, muito mais objetivos porquanto a experiência lhes afasta caminhos impossíveis e ardilosos, muito mais capazes de criar cenários face a vários resultados possíveis, usualmente mais perspicazes fruto do histórico de vida.

Porque não vamos buscar pessoas mais experientes para as empresas? Não pode ser só por salário até porque há muitos deles que saíram com boas quantias e que estão disponíveis para trabalhar por bastante menos do que auferiam anteriormente. Não pode ser só porque os achamos mais velhos. Sem que veja nisso qualquer mal que não experiência e capacidade de decisão. Não pode ser só porque achamos (pré-conceito) que estão cheios de vícios que, na maior parte das vezes, se podem converter em rapidez decisional e até astúcia. Mas é, antes de tudo, por medo do que possam saber a mais do que quem recruta ou já lá está.

Há aqui uma tremenda tacanhez nas empresas portuguesas ao recrutar (ao não recrutar) “os mais velhos”. E procura-se sempre mais do mesmo. Contra a diversidade, a experiência, até o que nos diz o bom senso.

Se outros países bem mais desenvolvidos que o nosso o fazem, e se dão bem, porque não fazê-lo também em Portugal?

Penso que será um tema e um ponto a mudar na cabeça de quem recruta (e pede para recrutar) na medida em que estes colaboradores são mais estáveis, menos mutáveis, com maior propensão para a retenção e trazem uma visão cheia de experiência. E conseguem ver – e já agora dizer – quando o rei vai nu. O que, havendo quem não goste – mas paciência – ajuda. Ou melhor, ajuda muito.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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