Opinião

Recrutas geração Z?

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Quanto menos idade têm as pessoas que entram nas empresas (para efeitos de trabalho, e vamos colocar aqui a fasquia entre os 18 e os 27 anos de idade à data de 2024)mais probabilidade terão de ter “absorvido” uma lógica e uma aproximação às empresas que é substancialmente diferente da aproximação ao trabalho de há uns anos (e não são muitos).

O contexto de segurança psicológica, por exemplo, é para estas novas gerações mais importante que nunca. Mais ainda, e se quisermos trazer, no sentido pejorativo, as alcunhas com que foram batizados rapidamente chegaremos à mais universal: snowflakes.

Isto tem tudo a ver com segurança psicológica (ou muito tem a ver): a expressão de ideias, preocupações e erros deve poder ocorrer sem temor de penalização. Assim reclamam os liderados. Mas isso tem também, e muito, a ver com a sua própria insegurança e uma gigante ausência de força psicológica, leia-se resiliência. É evidente que reclamar segurança psicológica é um must para gente mais nova, a entrar no mercado de trabalho ou nele há pouco tempo. Ou isso ou nada.

Mas a sua intolerância para com quem quer que seja, pares ou líderes, tornou-se porventura excessiva e uma marca destas novas gerações e, para elas, é mesmo ou isso ou nada. Há algumas questões em que têm razão em bater o pé. Porém, sejamos honestos, quem está por trás, a amparar as suas permanentes saídas, as suas “birras”, os seus “assim não”, a sua rotação? As gerações que os precedem. Os seus pais. Que, muitos porque nunca conseguiram ter voz nos seus locais de trabalho e sesentiram em permanente marginalização dão amparo aos filhos para que, estes por eles, ampliem o nível de reclamação. Peço desculpa mas não sabem o que andam a fazer. Isso não é educar. É deseducar.

Há aqui, ainda, um equívoco seríssimo de base: o conforto e a segurança psicológica apenas num sentido, i.e., dos líderes para os liderados, jamais fará dos líderes, líderes. E não há liderados sem líderes, perdendo as empresas com isso e tendendo a recrutar cada vez menos nas novas gerações. Há já quem diga, à boca cheia, que não recruta geração Z, por exemplo.

Ninguém consegue liderar ninguém, presencial ou remoto,nestas condições e andamos a tentar tapar o sol com a peneira. Porquê? Porque a abnegação, o investimento, a relação com o trabalho, a empresa e colegas são substancialmente diferentes do que eram. Mas será isso a democracia nas empresas? Nem pensar. A democracia acaba quando estás a esmagar as convicções doutros e a desrespeitá-los, tenham que idade tiverem. “Eu posso tudo” e “eu quero tudo” e “eu quero já, agora”, são lemas que, ou muito me engano, ou vão dar muito que falar nos próximos tempos. As empresas terão que continuar a ser rentáveis, continuam a existir salários para pagar, inovação para fazer, novos mercados a procurar, organizações para redesenhar, e por aí fora. Os graus de liberdade não podem ser de libertinagem e as regras de uma “nova aproximação” à empresa não podem ser impostas por gerações que nunca trabalharam para resultados nem sabem como criá-los.

Mas voltemos à segurança psicológica: o impacto no bem-estar e na produtividade tende a ser diretamente proporcional à redução de stress, aumento de satisfação e melhoria da produtividade. Verdade. E diz-se que líderes eficazes entendem que a saúde organizacional depende do bem-estar dos seus membros. Verdade também.

Porém, a necessidade de suporte recíproco torna-se cada vez mais evidente. A eficácia de um líder depende igualmente do suporte que recebe dos seus liderados. E igualmente da tolerância que têm para com ele. A segurança psicológica deve ter, então, duplo sentido, já que líderes isolados são, na prática, líderes enfraquecidos.Ou ineficazes na liderança.

Há formas de resolver este problema: recrutar mais velhos, e mais velhos significa, até, um mercado mais vasto, não obstante os vícios que possam trazer, e esperar que os mais novos, depois de alguma aprendizagem, percebam, pela “dor”, a necessidade da reciprocidade e a inadequação do egoísmo exacerbado ou, no limite, não osrecrutar. E não recrutar implica que se pague mais a quem esteja disposto a fazer o sacrifício pela organização e pelo grupo e famílias que dela dependem. Há uma terceira via,que passa por recrutar em países terceiros onde as vidas são francamente mais complexas e onde as pessoas tudo dariam para vir para Portugal. A quarta via, e que tenho seguido, é recrutar e depois comunicar. Comunicar muito com as novas gerações. E elas comunicam mas terão de saber comunicar muito mais e muito melhor. Olhar olhos nos olhos, descerem do seu pedestal e mostrarem a empatia que os humanos devem ter para com os humanos. Mas como se se trata de uma geração nativa digital?

Outras formas haverá mas, com o passar do tempo, a realidade mostra que será cada vez mais simples substituir este excesso de auto-centramento, que revela imaturidade e egoísmo, por robots (e já não estamos tão longe disso, acreditem) que continuar a procurar soluções onde por vezes teimam em não aparecer. Pode ser o aviso necessário a que haja alguma mudança. Porque dela também depende aquilo que será uma nova aproximação à empresa, essa sim, imprescindível. Para já, para já, penso que o essencial é manter vivo o diálogo profícuo. E ensinar o que não praticam que é a comunicar. Para já, comunicar, comunicar, comunicar. Muito e bem.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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