Opinião

Que farei quando tudo arde?

Carlos Sá Carneiro, consultor*

O título remonta ao século XVI (foi tomado de empréstimo a um poema de Sá de Miranda e já Lobo Antunes havia feito o mesmo para um seu romance), mas traduz na perfeição a situação atual.

De repente, tudo à nossa volta, literalmente tudo, arde. Países, empresas, famílias, a economia que, por mais barreiras que se tentem criar, continuará a ser global, é esse tal tudo que arde.

E desconhecemos qual será a extensão do fogo. Como desconhecemos quando e de que forma voltará a arder. Mas com uma certeza: voltará a ocorrer e cada vez mais frequentemente. E, sem recursos estilísticos, vale a pena perguntar: estarão pessoas, empresas, organismos e nações preparados para enfrentar acontecimentos futuros, avassaladores e completamente imprevisíveis? Estaremos preparados para enfrentar estes “cisnes negros”?

A expressão de Nassim Taleb (The Black Swan – The Impact Of The Highly Improbable) pretende descrever acontecimentos que sejam: raros e imprevisíveis; de enorme impacto; e para os quais, depois de ocorrerem, se procuram explicações lógicas, como se os mesmos pudessem ter sido previstos ou mesmo evitados. Mas, para infelicidade coletiva, não podem.

E, paradoxalmente, esta dimensão do que não podemos prever ou evitar e que, a qualquer momento, pode ter um efeito devastador nas nossas vidas e nos nossos negócios, tem de ser reconhecida, aceite e passar a fazer parte do nosso quotidiano.

Como nos preparamos para uma nova crise financeira internacional ou para uma nova, mas diferente, pandemia? E como nos preparamos para um ataque com armas biológicas, para um ataque a infraestruturas críticas, para uma rutura duradoura da internet, para uma perda de dados à escala global ou para o colapso de um grande mercado? Como nos preparamos para tudo aquilo que não conseguimos antecipar?

Desde logo, com a consciência de que uma tal multiplicidade de acontecimentos não comporta respostas mágicas ou infalíveis – nada que um futuro cisne negro mais atípico ou impactante não conseguisse destruir num par de horas. Mas será essa mesma consciência que, afastando receios sempre paralisantes, nos fará robustecer a estratégia, diversificar a atuação, mitigar riscos e, sobretudo, eliminar fragilidades.

Ao que acresce que, por mais globais que possam ser as causas e os seus efeitos, justificando respostas coletivas, todos devemos enfrentar o desafio a uma escala de atuação mais micro e individual.

Na curiosa terminologia de Nassim Taleb, esse desafio passa precisamente por construir organizações e empresas “anti-frágeis”, que se robusteçam ou eliminem fragilidades, de tal modo que lhes permitam estar mais preparadas para enfrentar a incerteza, a desordem ou sobreviver ao chamado “teste do tempo”. Porque se é certo que não sabemos o que o futuro irá acrescentar, sabemos seguramente o que irá remover: sabemos que o que seja mais frágil irá desaparecer.

Nas empresas como na vida, o futuro não será necessariamente dos maiores ou dos mais fortes. Num cenário de variáveis cada vez mais imprevisíveis, o futuro pertencerá aos menos frágeis.

*Equipa de Coordenação – Plataforma Portugal Agora


Carlos Sá Carneiro é responsável pelo desenvolvimento estratégico da Portugal Expo 2020 Dubai e professor convidado da Porto Business School (PBS). Anteriormente, foi diretor de New Business da Altice, tendo a seu cargo os departamentos de desenvolvimento de novos negócios, de smart cities e de empreendedorismo e start-ups. Nesse âmbito, foi responsável pelo lançamento do programa ENTER e da incubadora de empresas do Grupo.

Licenciou-se em Direito, área na qual concluiu a parte curricular do doutoramento. Completou o Programa Avançado de Gestão da PBS e possui Pós-Graduações em Direito Fiscal e em Contratos em Especial.

Ao longo da sua vida profissional foi fundador da Uppertech Consulting, Advisor da United Nations University (O.U. on Policy-Driven E-Gov), assessor do Primeiro-Ministro (2011-2015), sócio da CBSC e da GMSCC,  sociedades de advogados, consultor da Aderta (Madrid), co-diretor executivo da pós-graduação em Fiscalidade da UIFF/PwC e administrador da Antab, S.A. Complementarmente, tem participado como orador em conferências e congressos nas áreas da transformação digital, empreendedorismo e e-Gov.

Mantém uma participação cívica ativa enquanto membro do plataforma Portugal Agora, ex-coordenador do Grupo da Boavista e membro fundador do Grupo Portugal XXI, fóruns multipartidários dedicados à reflexão política, económica e social.

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