Entrevista/ “As mulheres desempenham um papel essencial na agricultura familiar e no mundo rural”

Sónia Brito, fundadora da SR Berry

Há seis anos a produzir fruta com o projeto SR Berry,  um empreendimento agrícola situado em Lagoa, no Algarve, Sónia Brito foi a vencedora da 1.ª edição do TalentA, um programa criado para empoderar as mulheres com projetos rurais.

A SR Berry começou a dar os primeiros passos em 2013, mas foi em 2015 que se constituiu como empresa e começou a produzir frutas frescas – framboesas, amoras e dióspiros – em maior escala. Sónia Brito, formada em engenharia civil, é a mulher por trás deste projeto agrícola que recorre ao inovador sistema de hidroponia, uma tecnologia de cultura sem solo.

O seu espírito empreendedor valeu-lhe recentemente o primeiro prémio do TalentA, um programa criado pela Corteva, empresa que atua no setor agrícola, em parceria com a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) para distinguir empreendedoras com projetos rurais, apoiando-as com formação e financiamento. Em entrevista ao Link To Leaders, Sónia Brito explicou como surgiu a SR Berry, como o desenvolveu e os desafios que a esperam.

Como surgiu a ideia deste projeto e como desenvolveu a SR Berry?
Em 2011 nasceu a minha filha Ana Carolina com alguns problemas de saúde, que na altura careciam de acompanhamento fisioterapêutico e médico, impossibilitou-nos a nós pais de emigrar para o Brasil, ambos engenheiros civis e a trabalhar na mesma empresa.

A construção civil atravessava uma fase complicada e nós como casal de engenheiros civis ao não emigrar teríamos de reinventar o nosso futuro, surgindo assim a ideia de investir na agricultura. A SR Berry nasceu em fevereiro de 2015, com a visão de implementar uma nova forma de produção agrícola no Algarve de framboesas.

A área inicial foi de 0,72ha com as culturas de framboesas e 0,45ha de morangos. Em 2014 convertemos toda a área para framboesas. No ano de 2015 existiu um aumento de área de 0,23ha, totalizando 1,4ha. No final do 2015 submetemos um novo projeto ao abrigo do programa PDR2020 Operação 3.2.1, num terreno a 150 metros das nossas atuais instalações.

O terreno possuí 11ha de área total, das quais iremos utilizar 4,4ha em framboesa e 3ha em dióspiros, utilizando o solo para expansão do negócio, mantendo a produção inicial de framboesas. Com esta possibilidade de acessibilidade a este prémio, vimos a possibilidade de crescer nos dióspiros com mais 1,5ha.

“Um negócio precisa de metas que visam sua sobrevivência e expansão. Isso pode ser alcançado com as noções de um gestor empresarial (…)”

Como é que os seus conhecimentos e experiência em engenharia poderão influenciar a forma como abraça este projeto?
São áreas substancialmente diferentes, contudo a organização e gestão empresarial lideram ambas as áreas. Um negócio precisa de metas que visam sua sobrevivência e expansão. Isso pode ser alcançado com as noções de um gestor empresarial, aí em ambas as áreas é igual. A gestão empresarial reúne um conjunto de estratégias para direcionar a empresa às suas metas e resultados. É feita por meio de uma gestão intensa que envolve os processos, as pessoas, os materiais e as finanças de toda a empresa.

Um gestor empresarial deve saber lidar com as múltiplas áreas da organização, sendo que necessita ter uma ampla bagagem de conhecimentos sobre cada uma delas. Para isso, atua com diferentes ferramentas, indicadores de desempenho e conceitos que o ajudam a tomar decisões e a definir os objetivos a serem alcançados.

Participou e venceu a primeira edição do programa TalenTA. O que a levou a participar neste concurso e o que espera que este prémio traga de positivo para o negócio?
Diversos amigos deram-me a conhecer o programa TalentA, reconhecendo em mim algumas características para participar. Certo dia, houve uma vaga no trabalho e comecei a desenvolver a minha candidatura. A vitória da primeira edição do programa TalentA  é o reconhecimento de toda a nossa equipa de trabalho, acrescentando-nos força e positividade, por forma a dar continuidade ao nosso trabalho.

Onde planeia investir o prémio? Alguma inovação em perspetiva?
Este prémio dá-nos a possibilidade de crescer nos dióspiros com mais 1,5ha. Acrescendo assim mais 60 toneladas/ano de fruta, a longo prazo.

A hidroponia é a tecnologia usada pela sua empresa na produção e exploração dos seus produtos. Em que consiste esta tecnologia e como conseguiu implementá-la?
Os dióspiros são cultivados no solo, podendo ser plantados nos mais variados tipos de solos desde que haja humidade. No entanto, preferem os solos profundos e bem drenados, areno-argilosos. Preferem solos com pH entre 6,5 e 7,5.

A tecnologia na produção de frutos vermelhos utilizada na nossa exploração é a hidroponia, sendo esta uma cultura sem solo. As plantas são colocadas em vasos com substrato adequado para o desenvolvimento da mesma, ou seja, a cultura não será introduzida no solo não existindo o seu desgaste nem a introdução de novas espécies no solo. O substrato orgânico é composto por várias substâncias 100% naturais e os nutrientes necessários ao desenvolvimento das plantas são fornecidos através da água, que chega às mesmas de acordo com as suas necessidades, em quantidade e a horas definidas.

O cultivo de plantas em hidroponia necessita de proteção para plantas. Existem vários benefícios no cultivo de vegetais em ambiente protegido da estufa em relação ao cultivo no campo. Entre os benefícios estão a menor incidência de doenças e pragas, menor uso de produtos químicos e proteção contra chuva e ventos. Além disso o molhamento dos frutos causa muita podridão ao fruto.

Qual o foco da SR Berry em termos de produtos? Há espaço para diversificar a produção?
O projecto da SR Berry é uma exploração de frutas frescas de framboesas, amoras e dióspiros. Neste momento, temos de estabilizar a nível financeiro e gestão de mão-de-obra.

Qual o modelo de negócio da empresa? Retalho, grandes superfícies?
Possuímos uma parceria com a empresa internacional Driscoll’s, que lhe permitiu adaptar variedades com patente Driscoll’s à referida técnica, com resultados que superaram as expectativas.

A distribuição é assegurada pela organização de produtores LusoMorango, que a SR Berry integra, escoando os produtos para o Norte da Europa, considerado um mercado de excelência, graças à parceria com a Driscoll’s, líder de vendas de pequenos frutos a nível mundial. Os países de destino desta produção são conhecidos pela exigência dos seus consumidores, pela preocupação com a sustentabilidade ambiental e pelo elevado nível de vida da população. Mantendo a produção de framboesas e amoras e diversificando com dióspiros utilizando o solo, aliado ao prestigiado LUIS SABBO.

 “(…) são cada vez mais as mulheres neste mundo e com histórias de conquista”.

Quais os principais desafios que uma jovem empreendedora enfrenta numa área tão dura como a agricultura?
Apesar de ser um setor maioritariamente dominado pelo sexo masculino, são cada vez mais as mulheres neste mundo e com histórias de conquista. Teremos de destacar o nosso trabalho e que tem cada vez mais relevância na agricultura. As mulheres desempenham um papel essencial na agricultura familiar e no mundo rural, assegurando parte significativa do trabalho nas explorações, ao mesmo tempo que assumem tarefas domésticas e de família, muitas vezes em sobrecarga de trabalho e de tempo e privadas de proteção social.

Considerando que, no âmbito do seu ambiente familiar e profissional, as mulheres da sociedade moderna desempenham um papel multifuncional e que é precisamente esta diversidade de funções que lhes permite contribuir significativamente para o progresso e para a inovação a todos os níveis da sociedade, e para uma melhoria da qualidade de vida, sobretudo no meio rural. O papel multifuncional desempenhado pela mulher no meio rural pode contribuir de forma significativa para a valorização de uma imagem moderna da mulher na nossa sociedade.

Têm investidores no projeto ou a SR Berry nasceu de capitais próprios?
Não temos investidores, a empresa nasceu com alguns capitais próprios, mas dado o valor elevadíssimo das infraestruturas tivemos de recorrer ao apoio de entidades bancárias.

A pandemia trouxe dificuldades ao projeto?
Apesar das grandes dificuldades que sentimos e que continuamos a sentir ao longo deste período marcado pelo contexto de pandemia, e que incluem, entre outras, o aumento de custos de produção e de logística, e em tempos de maior insegurança, os consumidores europeus continuarem a confiar na qualidade e segurança alimentar dos pequenos frutos portugueses. Como produtores tivemos de ter a capacidade de conseguir agilizar processos para responder à maior procura e com a redução e controlo da mão-de-obra.

Quais as metas da SR Berry para este ano?
O grande desafio para o presente ano é conseguir manter a quantidade e qualidade da fruta produzida. Para ser um agricultor bem sucedido, nestas situações adversas, temos de ser eficientes, temos que distribuir os fornecimentos limitados de recursos humanos, financeiros e físicos de um modo que melhor me permita atingir um determinado conjunto de objetivos que foram previamente estabelecidos. Determinar esses objetivos e depois alcançá-los de forma eficaz  é um dos principais problemas da gestão de uma empresa agrícola e aí queremos fazê-lo com grande eficácia.

Respostas rápidas: 
O maior risco:  Arriscar em novas culturas.
O maior erro:  Ter iniciado a atividade agrícola apenas em 2013 e não anteriormente.
A maior lição: Juntos somos mais fortes.
A maior conquista: Alcançar a confiança do parceiro.

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